O vídeo do depoimento de Ronnie Lessa, um dos assassinos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, exibido pelo Fantástico (Rede Globo) neste domingo, revela a existência de negócios milionários comandados pelos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão por trás dessas execuções. O vereador dificultou a venda de terrenos e imóveis em loteamentos ilegais na região de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro, que poderiam render milhões de dólares. “Era muito dinheiro”, disse o ex-policial militar, ligado à chamada Delegacia do Crime.
Em delação premiada à Polícia Federal (PF), Lessa disse que o crime foi ordenado por Domingos, ex-assessor do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ), e seu irmão, o deputado federal Chiquinho, sob a promessa de quem receberia uma verba clandestina que poderia render até R$ 20 milhões e se tornaria líder de milícia.
“Na verdade, não fui contratado para matar Marielle, como um matador de aluguel. Fui chamado para uma parceria”, disse ele. Segundo Lessa, foram realizadas três reuniões para discutir a execução de Marielle.
Usando um satélite, o miliciano apontou as supostas áreas onde seriam criados os loteamentos. No relatório da investigação, porém, a PF afirma que não foi possível encontrar indícios de planejamento de ocupação da área. Segundo ele, foram feitos levantamentos topográficos para avaliar a qualidade do terreno, verificando estabilidade, lençol freático e risco de deslizamentos. Um topógrafo contratado pela milícia, conhecido como Belém, indicou onde cavar estacas para uma propriedade, fez o nivelamento e calculou muros de contenção.
Durante as investigações, a PF conseguiu identificar Anderson Pereira Belém como o topógrafo que executou os serviços prestados a Lessa. Segundo o assassino, sua empresa é legal. “Ele é um profissional autônomo. Então, ele faz isso rindo… Por quê? Porque ele está ganhando dinheiro e não se importa para quem está fazendo. Ele quer fazer”, explicou o ex-policial militar. Belém não foi indiciada pela PF.
Outra informação relevante de Lessa foi a suposta infiltração de Laerte Silva de Lima e sua esposa, Erileide Barbosa da Rocha, no PSol. O casal era ligado à milícia Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio, controlada pelos irmãos Brazão. Segundo ele, o plano de espionagem do partido não visava apenas o vereador, mas também outros políticos do partido.
Segundo reportagem da PF, Lessa foi contatado pela primeira vez no “segundo semestre de 2017” pelo sargento reformado da Polícia Militar do Rio de Janeiro Edmilson Macalé, que lhe apresentou a proposta e disse que, como recompensa, receberia um “grande extensão de terra”.
Marielle foi morta a tiros no dia 14 de março de 2018, no bairro do Estácio, região central da capital fluminense. O vereador, que saía de um evento com mulheres negras, foi assassinado com quatro tiros na cabeça. Anderson Gomes, motorista do carro que a transportava, foi atingido por três projéteis nas costas e morreu.
Poder econômico
Domingos, Chiquinho e Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio, foram presos em março. Os advogados dos irmãos Brazão afirmam que não há provas da narrativa apresentada por Lessa.
A formação de milícias é um negócio milionário, porque envolve venda de terrenos, construção e aluguel de imóveis; exploração do comércio ilegal, como venda de botijões de gás, internet pirata e TV a cabo; gatos nas redes de distribuição de energia elétrica e água, serviços de vans e motoboys. Ou seja, toda a economia informal que se forma nestas regiões paga um tributo às milícias, que ocupam o espaço deixado pelo poder público, quando as políticas públicas são capturadas por grandes interesses privados.
O falecido geógrafo Milton Santos, que estudou esse fenômeno, sempre destacou o uso político dos territórios da periferia. Com o cotidiano exposto, a população de baixa renda vê-se obrigada a buscar alternativas de sobrevivência numa espécie de beco sem saída social, pois as políticas públicas acabam mais focadas no lucro do que em objetivos urbanos e sociais.
Segundo ele, a vida banal é desprezada pelo poder público e, no espaço urbano onde essa ausência é maior, surgem soluções improvisadas, transgressões e a economia informal, que passa a ser controlada pelo crime organizado, que persegue, chantageia e mata, seja por drogas tráfico ou milícias.
O que um cidadão da periferia deseja é um mínimo de qualidade de vida – isto é, água, esgoto, energia, meios de comunicação, saúde, educação e cultura, meios de transporte e abastecimento adequado de bens. Onde as autoridades públicas não garantem estes serviços, as milícias têm terreno fértil. Para piorar a situação, o envolvimento dos milicianos com os políticos faz com que até os serviços prestados pelo Estado passem a ser explorados pelo crime organizado, que avança para contratos de prestação de serviços.
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