Cumprindo o que anunciou no domingo, quando o governo de Bashar al-Assad tomou o poder, o grupo rebelde promete que trará estabilidade à Síria, após 13 anos de conflitos armados, e gerirá uma coligação. O recém-nomeado primeiro-ministro Mohammed al-Bashir escolheu o canal de televisão Al Jazeera para falar, pela primeira vez, sobre os planos do governo. Cuidadosamente preparado, com barba e cabelos aparados e vestindo terno —traje considerado ocidental—, ele prometeu que, durante seu período interino, que vai até 1º de março, buscará criar um clima de tranquilidade no país.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que os Estados Unidos apoiarão o novo regime se este renunciar ao terrorismo, destruir arsenais de armas químicas e proteger os direitos das minorias, incluindo as mulheres. A informação é do jornal Times of Israel, um dos principais jornais do Oriente Médio.
“Agora é a hora de essas pessoas desfrutarem de estabilidade e calma”, disse al-Bashir à Al Jazeera. Do seu lado direito estavam as bandeiras da Síria e do movimento terrorista Hayat Tahrir al Sham (HTS), do qual faz parte, e que depôs Al-Assad, após 24 anos no poder. A Síria, com 23 milhões de habitantes, vive a fragmentação do Islão, dos drusos, dos curdos e dos cristãos, além de divisões políticas e ideológicas.
Acompanhado pelo líder do grupo, Abu Mohammed al-Jawlani, Al-Bashir reuniu-se com o primeiro-ministro do governo deposto, Mohammad Ghazi al-Jalali. Segundo a AFP, Jalali concordou em entregar o poder ao governo de Salvação da Síria e fazer uma transição negociada. Após a derrubada de Al-Assad, Al-Jawlani assumiu o nome de sua família Ahmad al-Shareh e fala de governo pacífico.
Cuidado e precaução
Para especialistas ouvidos pelo Correio, é preciso observar atentamente as manifestações tanto de Al-Bashir quanto de Al-Jawlani, verificando se há coerência entre o discurso e as ações. “Por enquanto, o objetivo é legitimar o governo postulante, mas a história da humanidade mostra que as mudanças ocorrem à medida que há ameaças de perda de poder ou de força”, alertou o professor Rafael Pinto Duarte, do departamento de relações públicas da Iesb.
Na Síria, gradualmente, segundo informações, os serviços retomaram o restabelecimento de água, comunicações e eletricidade à segunda maior cidade, Aleppo, após capturá-la durante a ofensiva. Para o enviado da Organização das Nações Unidas (ONU) para a região, Geir Pedersen, há uma expectativa positiva em relação ao futuro da Síria. Segundo ele, há “uma mensagem positiva” dos rebeldes à população, mas pediu que as palavras se transformem em ações.
O Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH) informou que 54 soldados sírios que fugiam da ofensiva rebelde foram executados pelo grupo jihadista Estado Islâmico (EI) no deserto do centro do país. A guerra civil deixou 500 mil mortos e forçou metade da população do país a fugir das suas casas, com milhões de pessoas a procurarem refúgio no estrangeiro. Contudo, a onda de incerteza ainda prevalece no país. ou Ahmed al-Sharaa prometeu: “Não hesitaremos em responsabilizar criminosos, assassinos, funcionários da segurança e do exército envolvidos na tortura do povo sírio”, disse ele.
Pela estimativa do OSDH, pelo menos 910 pessoas morreram, incluindo 138 civis, desde que a ofensiva rebelde começou em 27 de Novembro. Segundo as Nações Unidas (ONU), durante o período Assad, havia 7 milhões de refugiados e 6 milhões de pessoas deslocadas internamente. Só de 2011 a 2022, 3.762 sírios solicitaram permanência no Brasil, segundo o Ministério da Justiça. Áustria, Alemanha, Bélgica, Suécia, Dinamarca, Noruega, Suíça, Reino Unido, Países Baixos e Itália decidiram suspender a análise dos pedidos de asilo de cidadãos sírios.
Um líder em formação
O novo primeiro-ministro da Síria, Mohammed al-Bashir (foto), 41 anos, é engenheiro elétrico e, antes de se envolver com as forças rebeldes, trabalhou na empresa oficial de gás do país. Construiu a sua carreira política à frente do chamado “Governo de Salvação” em Idlib, no noroeste da Síria, cidade que se tornou uma resistência ao governo deposto de Bashar al-Assad. Até então, era uma figura quase desconhecida e só teve o rosto revelado nos últimos dias, ao lado do líder da coligação rebelde, Abu Mohammed Al-Jawlani, e do ex-primeiro-ministro Mohammed al Jalali, para coordenar a “transferência de poder”. Nomeado ontem chefe do governo de transição pelos rebeldes no poder em Damasco, Bashir comandará o executivo de um país devastado e dividido após 13 anos de guerra. O conflito eclodiu em 2011, após a repressão brutal do governo Al-Assad durante a Primavera Árabe. Formado pela Universidade de Aleppo, Al-Bashir estudou engenharia elétrica e eletrônica, mas também possui formação em direito civil e islâmico na faculdade de Idlib, segundo sua biografia.
Perdedores e vencedores
Com o fim da Era de Bashar al-Assad e da sua família em 53 anos no poder, especialistas geopolíticos analisam quem são os atores que perdem e ganham com a tomada do poder pelos rebeldes. Para analistas ouvidos pelo Correio, o grande vencedor é a Turquia, que reina sozinha, sem a rival Síria na região. O perdedor, na sua opinião, é o Irão, que, excluindo o diálogo do Hezbollah, não tem comunicação com os combatentes. Mas e a Rússia?
Para os especialistas, a Rússia atua com o pragmatismo que a caracteriza. Está focado em dominar o Mar Negro e o leste da Ucrânia, por isso estava a enfrentar dificuldades em manter o seu compromisso com a Síria. No entanto, negociou cuidadosamente com os rebeldes, garantindo que as suas bases militares serão preservadas de qualquer ataque, mesmo com a concessão de asilo a Al-Assad e à sua família. O presidente Vladimir Putin, por exemplo, evita a expressão “terrorista” para definir os rebeldes.
“A Rússia está focada na guerra na Ucrânia”, observou Megan A. Stewart, professora assistente da Escola de Políticas Públicas da Universidade de Michigan. “É preciso observar atentamente os desdobramentos que virão, principalmente dois grandes atores deste tabuleiro: Turquia e Israel, os mais interessados na relação com o governo rebelde”, disse o professor Rafael Pinto Duarte, do departamento de relações exteriores do Iesb. “Como serão os movimentos e ações, visto que há questões territoriais envolvidas.”
Para a Turquia, sem Al-Assad, a ocupação do território sírio pode avançar. A actual liderança turca está comprometida com a geoestratégia do neo-otomanismo, portanto interessada em anexar áreas anteriormente disputadas e perdidas para a Síria. O Irã sofre com o avanço de grupos extremistas sunitas, que aderem à ideologia da Al-Qaeda levará a um novo cálculo de poder na Síria, agora hostil a Teerã. Prova disso foi a evasão de diplomatas iranianos de Damasco.
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