Monique Machado, 20 anos, trabalha no atendimento ao cliente em uma loja on-line e passa horas por dia na internet e usando aplicativos como TikTok e Instagram.
Ela diz que o excesso de conexões nas redes sociais deixa você cansado de tantas informações novas no final do dia.
Por isso, quando não está conectada, ela diz que tem medo de tentar algo novo e prefere marcas e empresas que você já conhece.
“Por causa desse cansaço mental que as redes sociais acabam nos trazendo tantas informações novas todos os dias, quando vou para a vida real quero algo que seja básico, que já estou acostumada”, afirma Monique.
“Eu tenho um restaurante favorito e, toda vez que saio para comer, tenho vontade de ir naquele restaurante e pedir o mesmo prato, porque sei que não ficarei frustrado.”
Esse tipo de comportamento já tem nome e deve se tornar cada vez mais comum, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
A “neofobia” é um efeito do uso contínuo e excessivo de telefones celulares e mídia social e está mudando a forma como os consumidores, especialmente jovenscomprar.
Como indica a formação da palavra — “neo”, que significa “novo”, e “fobia”, que significa “aversão” ou “medo exagerado” – a neofobia é uma resistência a tudo o que é novo.
Com a hiperconexão atual, os especialistas observam que os consumidores estão cansados de tomar decisões e receber novas informações. O lazer está cada vez mais raro e a novidade já não traz tanto prazer.
“[A neofobia] é uma espécie de ansiedade exagerada que surge quando você é colocado nessa posição de incerteza e por isso você se sente inadequado”, aponta Rafael Araujo, cabeça (chefe) de consultoria da WGSN, empresa de previsão de tendências.
“Na perspectiva do consumidor, a neofobia acaba sendo uma espécie de barreira à cultura da inovação.”
De acordo com relatório da WGSN, a neofobia deverá se fortalecer como tendência de consumo a partir de 2025.
Bolhas e aversão ao risco
O termo neofobia era anteriormente utilizado para descrever a aversão das crianças a novos alimentos, mas nos últimos anos o seu significado como tendência de consumo tem sido potencializado.
Especialistas destacam que isso tem sido observado em jovens, normalmente “mais abertos a novidades”, descreve Felipe Wasserman, professor de marketing de varejo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Para Wasserman, com a popularização da internet, o mundo passou a se interessar menos por notícias, inclusive os jovens.
“A falta de informação do passado fazia com que você sempre quisesse coisas novas. O excesso de informação agora faz com que isso aconteça”, avalia.
“Até recentemente, você estava desesperado pela nova tecnologia de telefonia celular, pelo PC, pelo novo tamanho da TV. Hoje, muitos desses itens são mercadorias e fala-se muito menos sobre esses itens de desejo.”
Além da hiperconexão, a neofobia é influenciada por outros fatores, segundo os entrevistados.
“O ciclo de tendência está ficando mais rápido a cada dia. Para sentir prazer pelo novo é preciso reconhecer que o novo não pode ser cotidiano, caso contrário perde sua essência de originalidade”, pontua Araujo.
As incertezas do mundo também têm impacto — Araujo afirma que “o apetite pelo risco é menor em todas as faixas etárias e classes sociais”.
“Vivemos crises econômicas, ambientais, de relações com o trabalho, políticas etc. Todas acontecem simultaneamente e sem fim à vista no médio prazo”, diz Araujo.
“Toda essa incerteza intensifica a dualidade do consumidor, que quer novas experiências mas ao mesmo tempo quer se sentir seguro na hora de realizar uma compra.”
Wasserman destaca ainda que as redes sociais aproximam pessoas que pensam da mesma forma, o que contribui para alienar quem pensa ou consome de forma diferente.
“As pessoas estão cada vez mais ligadas a um tema específico em que acreditam. Quando ficam muito apegadas a essa regra, bloqueiam o novo, porque vai contra uma crença”, afirma o professor da ESPM.
Segundo Letícia Vaz, especialista em varejo e comércio online, a expectativa é que a neofobia se aprofunde nos próximos anos e faça com que as empresas mudem suas estratégias de vendas.
“As empresas deveriam buscar lançamentos, claro, mas talvez com ênfase em algo que remeta a uma época de ouro, antes da hiperconectividade, quando a sensação de vida era melhor para muitos”, ressalta.
Ela traz exemplos de possíveis lançamentos que seguiriam essa linha, como uma nova coleção de roupas com inspiração clássica ou uma nova bebida, mas que seja anunciada com os mesmos ingredientes daquela que fez sucesso naquela época.
“Outra estratégia que está sendo muito vista é a criação de rituais, por parte das marcas, que ajudam a diminuir o tempo no celular, como jogos de cartas, revistas impressas e alguns outros hobbies, como pintar”, afirma.
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