Apesar das surpresas positivas na actividade económica neste ano, os cenários para os próximos anos não são muito animadores. O choque de 3,0 pontos percentuais na política monetária, programado pelo Banco Central (BC) até março de 2025, pode ser apenas o começo de um longo período de juros de dois dígitos, na melhor das hipóteses, até 2026, agravando o cenário das contas públicas , segundo projeções da Tendências Consultoria, às quais o Correio teve acesso exclusivo.
Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do ano, nos dias 10 e 11 deste mês, o BC decidiu, por unanimidade, acelerar o ritmo de aumento dos juros e elevou a taxa básica da economia (Selic) em 100 pontos – base, para 12,25% ao ano.
Devido à deterioração da credibilidade do governo em realizar um ajuste fiscal, capaz de conter o forte crescimento da dívida pública, o colegiado sinalizou outros dois aumentos da mesma magnitude, para 14,25% ao ano em março de 2025. Isso fez com que o mercado prevê pelo menos outros dois aumentos até o final deste ciclo de aperto monetário, para 15% ao ano.
De acordo com as projeções do cenário de longo prazo do relatório da Tendências, no cenário otimista, com apenas 10% de probabilidade de concretização, a Selic deverá retornar apenas um dígito em 2027. Com isso, os cenários básico e pessimista têm , juntos, 90% de probabilidade.
O mais provável é o básico, com 60% de chance de se concretizar após o último Copom, segundo a economista Alessandra Ribeiro, diretora responsável por análises macroeconômicas e setoriais da Tendências. “Na nossa atualização, a probabilidade do cenário básico foi reduzida de 65% para 60% com a nova Selic. Após a decisão do Banco Central, reduzimos a probabilidade do cenário básico e aumentamos a probabilidade do cenário pessimista se concretizar, de 25% a 30%, e mantivemos as chances do cenário otimista em 10%”, explica.
Ribeiro reconhece que o anúncio do pacote fiscal pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, incluindo a promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a ampliação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, foi um dos principais fatores para a deterioração da confiança do mercado. E, para piorar, ainda terá impactos negativos no câmbio, com o dólar permanecendo acima de R$ 6, pelo menos, até 2026.
Mesmo no cenário básico, o novo piso será de R$ 5,70 nos próximos anos, porque o arcabouço fiscal não será seguido à risca, salvo exceções como este ano, em que há uma série de despesas obrigatórias retiradas do conta, como precatórios, socorro a enchentes no Rio Grande do Sul e combate a incêndios, para cumprir a meta fiscal, que permite um saldo negativo de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, um déficit de até para R$ 28,9 bilhões.
Segundo estimativas da consultoria, no cenário básico, o governo continuará a registar um défice primário nas contas públicas até 2031 e a dívida pública bruta ultrapassará os 90% do PIB — um nível insustentável para os países emergentes — em 2028, atingindo os 98,6%. do PIB, em 2034. Nessa perspectiva, a taxa Selic permanecerá acima de 10% ao ano até 2028 e a inflação oficial só conseguirá convergir para o centro do a meta, de 3% em 2032.
E, no cenário pessimista, o hiato fiscal será zerado em 2032 e a dívida pública bruta romperá a barreira dos 100% do PIB em 2028, atingindo 109,2%, e depois continuará a subir para 138,7% do PIB em 2034. Com isto Neste momento, a taxa Selic atingirá 14,50% ano a ano, no final de 2025, e permanecerá acima 12% até 2034, já que a inflação oficial permanecerá acima do teto da meta de 4,50% até 2033.
Assim, mesmo no cenário básico, persiste a avaliação de que teremos um período de taxas de juros historicamente elevadas nos próximos anos, principalmente quando comparado à fase observada entre a crise de 2008 e a pandemia em 2020. Essa perspectiva também se aplica às taxas taxas de juros de mercado, com expectativa de rendimento norte-americano de 10 anos próximo a 4,0% no curto prazo e convergência para a faixa de 3,6% como tendência de longo prazo.
Efeito Trump
Para efeitos comparativos, a taxa média de 10 anos foi de 2,5% no período entre 2009-2019. Esse contexto, somado ao ambiente de maior aversão ao risco, tende a manter o dólar mais forte em termos globais nos próximos anos em relação ao estimado no Cenário Básico.
O índice do dólar real calculado pelo Federal Reserve (índice do dólar), cuja história remonta a 2006, já está próximo dos picos desta série. Ou seja, apesar das discussões sobre a perda de hegemonia da moeda norte-americana, a expectativa é que o dólar continue valorizado e como principal referência para transações comerciais e financeiras no mundo.
Segundo Alessandra Ribeiro, em ambos os cenários, pesa muito a política económica do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, baseada nos pilares do protecionismo comercial, da expansão fiscal, do controlo da imigração e da desregulamentação dos setores. “Isso deverá se traduzir, ao longo do tempo, em maior pressão inflacionária, juros mais elevados e um dólar mais valorizado em relação ao cenário anterior sem essa política econômica, além de desaceleração do comércio e do PIB global”, explica o economista.
Ela lembra que esse ambiente tem consequências relevantes para a economia global, “e em particular para as economias emergentes, marcadas por fatores de vulnerabilidade doméstica, como é o caso da economia brasileira”. “A maior percepção de risco em relação à dinâmica das contas públicas, com gatilhos prováveis de reversão no curto prazo, deverá manter o equilíbrio macroeconômico mais desafiador, exigindo ajustes no curto prazo para desacelerar a economia e resolver estruturalmente a questão fiscal , o que deverá acontecer mais no médio prazo”, destaca.
Credibilidade
A nível interno, porém, o diretor da Tendências avalia que a capacidade política do governo para recuperar a credibilidade “é bastante limitada” mesmo no cenário básico. “O sucesso do governo na aprovação das medidas de corte, aliado aos espaços para o voluntarismo, mantém uma percepção de risco mais elevada, gerando um equilíbrio menos virtuoso para a economia brasileira, especialmente no biênio 2025-2026”, destaca Alessandra Ribeiro.
Ela destaca que, no cenário pessimista, há uma combinação de um duplo movimento: no front internacional, a implementação de uma agenda econômica muito próxima daquela defendida durante a campanha de Trump deverá provocar reações, especialmente na área comercial, de países como A China, com resultados mais significativos em termos de inflação, e, no plano interno, deverá haver uma mudança no paradigma da política económica, em consequência do enfraquecimento político do governo.
“As divisões na coalizão do governo Lula resultariam em baixa eficiência na aprovação de medidas obrigatórias de corte de gastos já enviadas pelo governo para apreciação no Congresso Legislativo, gerando uma deterioração ainda maior das expectativas. para impulsionar a economia em 2026”, alerta o economista. Neste sentido, há baixa probabilidade de reeleição do governo petista em 2026 e a política económica seria reinstaurada, com reformas importantes do lado dos gastos.
Segundo Ribeiro, no cenário otimista, o cenário político da última metade do mandato de Lula apresentaria mudanças na coalizão de governo que contariam com maior hegemonia de centro-direita. “Essa mudança na coalizão governamental traria mudanças mais significativas na agenda fiscal. A restauração dessa credibilidade reduziria a questão fiscal no balanço de risco dos agentes econômicos e passaria a ter papel secundário nas decisões de política monetária”, afirma o economista.
O especialista destaca que, com esse contexto mais positivo, a política externa brasileira se adaptaria ao novo mandato de Trump e o Brasil manteria uma postura independente.
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