Microestruturas orgânicas, desenvolvidas a partir de um material que armazena moléculas de carbono entre seus poros e consegue liberá-las com menor gasto energético, prometem reabsorver mais CO2 (dióxido de carbono) diretamente da atmosfera. O estudo é da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, publicado na revista Nature. O sistema provou ser eficiente para reutilizar gás por meio de nova tecnologia criada no campus de Berkley e tem potencial para neutralizar as emissões globais.
A ideia é que essa nova tecnologia seja aplicada, por exemplo, na injeção de poços para aumentar a capacidade de extração de petróleo e na fabricação de metanol. Especialistas afirmam que o carbono injetado reduzirá o carbono total liberado na atmosfera. Esse CO2 na atmosfera, sem tratamento, contribui para o aquecimento global e para todos os problemas decorrentes desse processo.
No caso da pesquisa de Berckley, que visa justamente controlar também essa emissão, a base da captura está nas Estruturas Orgânicas Covalentes (COFs), conjuntos nanoscópicos (um milímetro equivale a um milhão de micrômetros) que se ligam por meio de elementos orgânicos. São essencialmente formados por átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, entre outros, posicionados de forma variável. Os formatos mais comuns apresentam padrões hexagonais, como é o caso do COF-999 do estudo.
“Esses materiais fazem parte de uma família com características de peneiras moleculares. Nós os chamamos de materiais nanoporosos”, explica Pierre Esteves, pós-doutorado em química de hidrocarbonetos. Professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estuda COFs há 20 anos, tendo sintetizado as primeiras variantes brasileiras: a RIO-n. Segundo ele, é preciso imaginar as estruturas como “caixotes”, construídas de forma que caibam em seus minúsculos poros.
Estes são os grupos amina nas cadeias que ligam o dióxido de carbono aos poros: o átomo de carbono do poluente liga-se ao átomo de azoto destes ramos. As aminas conferem seletividade química ao sistema, pois permitem a livre passagem de outros elementos presentes no ar. Segundo Marcos Prauchner, professor do Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB), a baixa concentração de dióxido de carbono na atmosfera exige cuidado do material para não perder eficiência.
Omar Yaghi, autor sênior do estudo, investiga materiais porosos em escala nanométrica desde o final da década de 1990. Anteriormente, ele tentou alcançar a contenção de carbono com estruturas conectadas por átomos metálicos: estruturas metálicas orgânicas (MOFs). Os MOFs também possuem aminas em sua composição, o que viabiliza o processo, mas comparado aos COFs seu desempenho é inferior.
A equipa de investigação concluiu que as ligações metálicas não proporcionam um desempenho ideal para esta captura devido à sua tendência para se degradarem com a água – enfraquecem e podem desfazer-se na presença de humidade. É uma reação semelhante ao que ocorre, por exemplo, quando um material enferruja. Assim, o processo pode ser prejudicado pela própria umidade do ar.
O COF-999 sintetizado em Berkeley é mais estável, o que o torna ideal para adsorção exclusiva de carbono. Também possui estruturas estáveis resistentes a vários ciclos de captura e liberação de CO2. “É uma característica importante porque a captura e a liberação serão feitas milhares de vezes com o mesmo material”, diz Prauchner. A liberação entra no processo porque o carbono absorvido deve ser reutilizado ou armazenado: a chamada Captura, Uso e Armazenamento de Carbono (CCUS).
*Estagiário sob supervisão de Renata Giraldi
Felipe Lopes de Oliveira, doutorando em química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Instituto Charles Gerhardt de Montpellier, França
Felipe Lopes de Oliveira, doutorando em química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Instituto Charles Gerhardt em Montpellier, França
Quais caminhos são possíveis para alcançar o pleno aproveitamento das aminas presentes em COFs como o desta pesquisa?
A utilização provavelmente não está completa porque nem todas as regiões do espaço com aminas na estrutura deveriam ser acessíveis. Como exemplo, podemos imaginar que dos 10 grupos amina presentes no COF, apenas seis conseguem fazer contato para capturar carbono. Uma estratégia seria fazer materiais com poros maiores, ou seja, aumentar o seu número de nanômetros. Normalmente, utilizamos bancos de dados e simulações (química computacional) para avaliar possíveis opções de geometria para estruturas em casos como este. Também pode ser testado diretamente em laboratório, mas leva muito mais tempo: meses ou anos. Essa modularidade dos COFs chama a atenção, pois são centenas de possibilidades de montagem. Com as mudanças, elas também podem servir para capturar outros tipos de moléculas, como a água.
Quanto à relação entre captura e liberação de CO2, há algum sentido em que esta técnica seja mais eficiente que as tradicionais?
A temperatura de regeneração do carbono é muito mais baixa no caso do material poroso COF. Portanto, é necessária menos energia ao liberar CO2 para reutilização no final do processo. Uma possibilidade que poderíamos verificar é se a economia de energia na restauração do carbono não compensaria a síntese do próprio material, que também tem certo impacto. Portanto, os COFs podem ser mais benéficos em termos energéticos e financeiros. Apesar do grande potencial, é importante ter em mente que melhorar a estrutura e fazer a produção em escala é um processo complexo. O estudo de Yaghi é uma prova de conceito, mas fabricar muito material e barateá-lo são os próximos desafios. Para se ter uma ideia, os primeiros MOFs foram sintetizados no final da década de 1990, mas foi somente em 2019 que a produção em escala industrial foi alcançada.
Mitigando os impactos no aquecimento global
Especialistas ouvidos pelo Correio afirmam que capturar CO2 (dióxido de carbono) diretamente da atmosfera é uma técnica com potencial para atingir as metas de mitigação de emissões necessárias para evitar um aquecimento global acima de 1,5°C. De acordo com o último Relatório sobre a Lacuna de Emissões da Organização das Nações Unidas (ONU), publicado em outubro deste ano, a redução deverá ser de 42% nas emissões anuais de gases com efeito de estufa até 2030 e de 57% até 2035.
Dalmo Mandelli, cientista da Universidade Federal do ABC (UFABC) especializado em catálise, utilizando processos ambientalmente corretos para produção de insumos, esclarece que os setores industriais que mais demandam atenção para essa captação são aqueles que dependem de combustíveis fósseis. “O setor de produção de energia, principalmente nas usinas que queimam carvão, petróleo e gás natural, bem como o setor de petróleo e gás, liberam grandes quantidades de CO2 durante os processos de extração e refino”, relata.
Mandelli também cita a fabricação de cimento, a produção de aço e metais e a fabricação de amônia e metanol entre as atividades que exigem intensificação da captura de carbono. Nestes casos, a captação na fonte normalmente é escolhida no momento da combustão durante o funcionamento das turbinas.
“Muitos sistemas utilizam soluções químicas, geralmente contendo as aminas citadas acima, que reagem com o CO2”, relata o professor da UFABC. “Os gases de exaustão passam por uma torre de absorção, onde o CO2 é capturado em solução.”
Embora o método direto tenha uma eficiência considerável, os especialistas reconhecem que a captura atmosférica é uma solução complementar com vantagens próprias. “Muitos dos grandes emissores não conseguem fazer captura direta, como transportes (aviação, carros, caminhões). Se tivermos tecnologia para capturar CO2 diretamente do ar, fica mais fácil montar unidades em qualquer lugar”, diz Esteves , da UFRJ.
A liberação do carbono contido nas soluções químicas tradicionais requer mais energia para aquecer a mistura, por se tratarem de materiais aquosos. Apesar do potencial, os autores pretendem aumentar o número de ciclos apoiados e a quantidade de material produzido numa escala mais significativa. Outro desafio será a utilização de todas as aminas da estrutura no processo, o que pode melhorar a eficiência do COF em até oito vezes.
Para Mandelli, estudar formas de implementação de COFs em plantas industriais para captura direta é outra forma possível de abordar o problema. Ele insiste que é igualmente crítico reduzir as emissões através da utilização de fontes de energia renováveis. Ele destaca o exemplo da matriz energética brasileira na comparação com outros países.
“Atualmente, 46% da oferta interna de energia do país vem de fontes renováveis, quase quatro vezes a média mundial, que é de 12%. No setor elétrico, essa proporção é ainda mais impressionante: 83% da energia elétrica gerada no Brasil vem de fontes renováveis, enquanto a média global é de apenas 25%”, ilustra o cientista da UFABC.
Pierre Esteves, pós-doutorado em química de hidrocarbonetos, pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que o tema é objeto de estudo constante e um desafio a ser superado. “Aqui no Rio conseguimos fabricar esse tipo de material em maior escala. Outro desafio é integrar ou transformar esses COFs, geralmente na forma de pós finos, membranas filtrantes ou pellets. a solução tecnológica e ainda está em andamento estudo em alguns lugares do mundo e na UFRJ.” (KS)
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