O ano de 2024 foi grande desvalorização das maiores moedas do mundo contra o dólar. Entre as 20 moedas mais negociadas no mundo, apenas três delas não se desvalorizaram frente à moeda americana — segundo dados até a manhã desta quarta-feira (18/12).
E, entre as moedas mais negociadas, a que mais se desvalorizou até agora em 2024 foi o real brasileiro.
Em 1º de janeiro de 2024, um dólar valia R$ 4,85. Na manhã desta quarta-feira (18/12), um dólar valia R$ 6,12 —uma desvalorização de quase 21%.
Apenas quatro outras moedas se desvalorizaram dois dígitos em relação ao dólar este ano: o peso mexicano (16%), a lira turca (16%), o rublo russo (15%) e o won sul-coreano (10%).
Outras moedas também se desvalorizaram face ao dólar: o iene japonês (8%), o dólar canadiano (8%), o dólar australiano (7%), o franco suíço (6%) e o euro (5%).
Os únicos que não sofreram face ao dólar americano foram o dólar de Hong Kong (que valorizou 0,6%), o rand sul-africano (que valorizou 1%) e a libra esterlina britânica (que chegou nas últimas semanas do ano com praticamente o mesmo preço).
Confira abaixo alguns dos motivos da desvalorização das moedas no mundo e no Brasil, e também um panorama do que poderá acontecer no próximo ano —quando os Estados Unidos estarão sob nova liderança.
1. A valorização do dólar no mundo
O movimento de valorização do dólar e desvalorização das demais moedas é global.
Após a pandemia, o banco central americano elevou as taxas básicas de juros da sua economia, para controlar um surto de inflação no país. Os preços subiram devido a conflitos internacionais e ao desalinhamento das cadeias de produção internacionais devido à pandemia.
Este aumento das taxas de juro americanas atrai capital de todo o mundo. Os investidores são atraídos pela perspectiva de bons retornos em títulos de risco relativamente baixo – neste caso, títulos do governo dos EUA.
Quando o capital sai desses outros países, há uma grande demanda nos mercados por dólares e uma grande oferta de moeda estrangeira: o que provoca a valorização do dólar e a desvalorização de outros (incluindo o real brasileiro).
As moedas dos países emergentes são as que mais tendem a se desvalorizar — já que muitos investidores estão nesses países justamente para aproveitar as altas taxas de juros. E é desses países que costuma vir o maior fluxo de capitais em direção ao mercado americano.
Ao longo de 2024, havia no mercado a expectativa de que o banco central americano cortasse os juros da economia do país. Esta medida iria “empurrar” o capital internacional para os mercados estrangeiros.
Mas os dados oficiais mostraram que a inflação nos EUA não estava a cair ao ritmo esperado. E a economia americana continuou a acelerar ao longo de 2024, o que também gerou mais inflação e atrasou a queda das taxas de juro.
O tão esperado corte dos juros americanos só começou a acontecer em setembro — e em ritmo ainda tímido.
Com isso, o dólar continuou com cotações elevadas ao longo do ano. E esse movimento se acentuou ainda mais em novembro, quando Donald Trump derrotou Kamala Harris nas eleições americanas.
“Estamos vendo uma desvalorização muito grande não só do real, mas de todas as moedas emergentes após a eleição de Donald Trump, que tem uma agenda política de maior internalização da economia americana e maiores restrições à imigração. a economia americana”, afirma Álvaro Frasson, macroestrategista do BTG Pactual, no canal de vídeos do banco.
“A consequência é que o Banco Central Americano, a Reserva Federal, não será capaz de cortar as taxas de juro americanas tanto quanto inicialmente imaginado e a consequência é um dólar americano mais atraente do que se imaginava.”
2. O problema do Brasil: a volta da inflação
A desvalorização do real frente ao dólar foi constante ao longo do ano — em apenas dois meses (agosto e setembro) o real acabou se valorizando frente ao dólar. Em todos os demais meses de 2024 houve depreciação.
Um padrão semelhante é observado em outras moedas emergentes, como a lira turca e o peso mexicano, que também perderam muito valor este ano.
No caso do real, a desvalorização se acelerou desde novembro, mês em que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva anunciou seu pacote fiscal.
Entre 7 de novembro e 18 de dezembro, o real desvalorizou 7,3% —com a taxa de câmbio passando de R$ 5,67 para R$ 6,12.
O problema fundamental da economia brasileira é a inflação, que pode ficar acima da meta do governo este ano (que é de 4,5%). A última medição do IPCA (índice utilizado pelo governo) mostra que a inflação ficou em 4,87% nos 12 meses encerrados em novembro.
Uma combinação de factores – o dinamismo da economia brasileira, o baixo desemprego e as dúvidas sobre a trajectória da dívida pública e a capacidade do governo de equilibrar as contas com o seu pacote fiscal recentemente anunciado – leva alguns no mercado a especular que a inflação brasileira poderá subir. ainda mais nos próximos meses.
Isto tem provocado aumentos nas taxas de juro no Brasil – numa altura em que os EUA estão a reduzir as suas taxas de juro. Na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu elevar a taxa básica Selic de 11,25% ao ano para 12,25% ao ano.
O comunicado do Copom cita a preocupação das autoridades monetárias brasileiras com o risco de aumento da inflação: “A inflação global e as medidas subjacentes ficaram acima da meta de inflação e mostraram aumento nas divulgações mais recentes”.
Economistas e analistas de mercado dizem que a desvalorização do dólar se deve em parte à desconfiança do mercado que as medidas econômicas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), não serão suficientes para controlar a inflação.
Em tese, a maior taxa de juros brasileira serviria para atrair investidores, aumentando o valor da moeda nacional. Porém, o temor do mercado é que a inflação alta acabe neutralizando eventuais ganhos obtidos com juros elevados — e isso faça com que o dólar acabe se valorizando.
No domingo, Lula rebateu as críticas ao seu pacote fiscal e disse que “ninguém neste país, no mercado, tem mais responsabilidade fiscal do que eu”.
“Eu entreguei este país, você sabe, em uma situação muito privilegiada. É isso que eu quero fazer de novo. E não é o mercado que tem que se preocupar com os gastos do governo. É o governo. Porque, se eu não controlar os gastos , Se eu gastar mais do que tenho, os pobres vão pagar”, disse Lula à Globo.
O presidente também criticou o alto nível da taxa básica de juros: “A única coisa errada neste país é a taxa de juros estar acima de 12%”.
Uma parte do pacote começou a ser aprovada no Congresso nesta terça. O governo espera aprová-lo esta semana, antes do recesso parlamentar de fim de ano.
3. O que acontecerá em 2025?
Há incerteza no mundo hoje sobre qual seria a direção do dólar em 2025 e além. O dólar continuará a valorizar-se ou cairá?
O valor do real brasileiro dependerá em parte desta tendência global.
O desejo do presidente eleito Donald Trump é que a moeda americana se desvalorize.
Ao longo de sua campanha eleitoral, ele prometeu um dólar mais fraco durante seu mandato, que terá início em 20 de janeiro de 2025.
Trump pretende repetir o que fez na sua administração anterior: travar uma guerra comercial que fortaleça a balança comercial americana.
Dentro desta estratégia, o governo quer um dólar mais fraco em comparação com outras moedas. Um dólar desvalorizado aumenta o valor dos produtos importados dentro dos Estados Unidos – dando aos produtos americanos uma vantagem sobre os estrangeiros. Da mesma forma, no exterior, os produtos americanos tornam-se mais baratos e mais competitivos.
No entanto, apesar de defenderem um dólar desvalorizado, os EUA registaram uma valorização do dólar face à maioria das moedas mundiais desde a eleição de Trump.
Os mercados internacionais acreditam que muitas das políticas sinalizadas por Trump até agora acabarão por ter o efeito oposto ao desejado pelo presidente eleito.
“O presidente eleito Donald Trump tem um problema com o dólar. Nos últimos meses, ele demonstrou uma clara preferência por uma taxa de câmbio mais fraca para apoiar a competitividade das exportações dos EUA e ajudar a reduzir o défice comercial dos EUA”, escreveu ele num artigo do investigador da economia global. no think tank britânico Chatham House, David Lubin.
“E, no entanto, como o mercado percebeu desde as eleições nos EUA, o resultado muito mais provável é que as suas políticas acabem por fortalecer o dólar. O risco é que o dólar americano – que já é caro – fique mais obviamente sobrevalorizado, e isso poderia aumentar o risco de instabilidade financeira global.”
Isso acontece, segundo ele, devido a um certo otimismo com a economia americana. No passado, o dólar fortaleceu-se cada vez que a economia americana demonstrou força relativamente a outras. E as previsões actuais apontam para que a expansão económica americana seja mais vigorosa do que a da Europa e da China.
Além disso, Lubin lista as políticas propostas pelo próprio Trump. As tarifas de importação de produtos — como o presidente eleito quer impor ao resto do mundo, com especial atenção à China — costumam provocar uma desvalorização das moedas estrangeiras.
Além disso, Trump promete cortar impostos, repetindo também o que foi feito na sua primeira administração, o que poderá gerar pressões inflacionárias nos EUA. E a forma de lidar com estas pressões seria aumentar a taxa de juro dos EUA – outra medida que tende a aumentar o valor do dólar americano.
Nesta quarta-feira (18/12), o banco central americano anunciará uma nova decisão sobre taxas de juros. A expectativa do mercado é de corte de 0,25 ponto percentual, levando a taxa para uma faixa entre 4,25% e 4,5%. Isto está um ponto percentual abaixo dos níveis de Setembro, quando o banco central dos EUA iniciou os seus cortes.
A dúvida do mercado é quão rápido e profundo será o corte dos juros nos próximos meses.
“O debate está acalorado”, disse Diane Swonk, economista-chefe da KPMG, à agência de notícias Reuters.
“A economia [americana] permanece mais forte do que os participantes da reunião [do Federal Reserve] pensei que seria quando eles começaram a cortar [os juros] em Setembro, e as medidas para conter a inflação parecem ter estagnado.”
No Brasil, há um sentimento entre os investidores de que o dólar poderá cair nos próximos anos, com a valorização do real, mas em níveis não muito diferentes do atual. O boletim Focus, pesquisa do Banco Central com agentes do mercado brasileiro, vê o dólar caindo nos próximos anos —para R$ 5,85 (no final de 2025), R$ 5,80 (2026) e R$ 5,70 (2027).
Mas essas projeções vêm subindo a cada semana — o que mostra que há a sensação de que não haverá muito espaço para a moeda brasileira se valorizar muito no futuro próximo.
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