O real foi a moeda que mais se desvalorizou frente ao dólar entre as moedas dos países membros do Mercosul nos últimos três meses. Nesse período, a moeda norte-americana acumulou valorização de 10,36%, passando de R$ 5,50 em 22 de setembro para R$ 6,07 no fechamento de 20 de dezembro.
Para efeito de comparação, o dólar registrou valorização de 7,52% frente ao peso uruguaio e de 6,23% frente ao peso argentino. A taxa de câmbio com o guarani, no Paraguai, manteve-se praticamente estável nesse período, com ligeiro aumento de 0,09%. A moeda dos Estados Unidos bateu R$ 6,30 na semana passada e, num movimento de forte especulação, é reflexo direto de questões internas e externas.
Especialistas analisaram os principais fatores que impulsionaram a volatilidade cambial e apontaram possíveis evoluções para o mercado nos próximos meses. Para o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) César Bergo, a alta do dólar começou a se intensificar com o anúncio de um pacote fiscal considerado “insuficiente” pelo mercado, somado à proposta de isenção do Imposto de Renda para quem receber até R$ 5 mil.
“O mercado estava estressado. Havia expectativa de maior rigor fiscal, e esses anúncios geraram dúvidas sobre a sustentabilidade das contas públicas. Isso se somou à descrença de que o Congresso aprovaria o pacote em tempo hábil”, ressalta.
O especialista destacou ainda que pesou o cenário externo, com a força do dólar internacionalmente e os movimentos da política monetária nos EUA. Contudo, a combinação de incertezas internas foi decisiva para o aumento da especulação cambial.
Bergo lembra que diante da alta do dólar, o Banco Central realizou intervenções no mercado, oferecendo dólares no mercado à vista. Só nesta semana, a autoridade monetária decidiu intervir sete vezes no câmbio. Embora a medida não tenha surtido efeito imediato, declarações do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), sobre o andamento do pacote tributário ajudaram a conter o aumento.
“O dólar caiu para R$ 6,10, mas voltou a subir quando surgiram dificuldades no Senado. O Banco Central foi incisivo, oferecendo mais dólares no mercado. Desde 2020 não víamos intervenções tão frequentes, que ajudaram a estabilizar a moeda abaixo de R$ 6,10”, explica.
O economista avalia que, apesar das incertezas, a sanção presidencial do pacote fiscal trará algum alívio ao mercado. “Entendo que esse pacote não é suficiente, mas foi positivo. Durante 2025, o governo poderá encaminhar outras medidas ao Congresso, inclusive resolvendo questões mais polêmicas, como pensões militares e supersalários”, afirma Bergo.
Outro fator apontado por Bergo é o aumento da taxa Selic, que faz com que os juros reais brasileiros sejam os mais altos do mundo. “Isso atrai capital estrangeiro, além de fortalecer a balança comercial, que tem superávit. O dólar não era para estar nesse valor alto, isso é um exagero, mas deveria recuar um pouco”, finaliza.
Avaliação
A probabilidade de o dólar continuar em alta ainda é muito alta, segundo especialistas. O analista da Ouro Preto Investimentos, Sidney Lima, acredita na possibilidade de mais uma renovação da cotação do dólar e atribui isso ao cenário de incertezas fiscais internas e às expectativas de movimentos da política monetária tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. “E, dependendo do que acontecer, poderão reacender a demanda pelo dólar como proteção, abrindo espaço para novos recordes”, avalia.
O especialista lista três fatores que podem fazer com que o dólar se valorize ainda mais frente ao real: incertezas fiscais e políticas; deterioração económica; além do desalinhamento entre o governo federal e o BC (ver tabela).
“O dólar reflectiu uma combinação de fundamentos económicos e especulação. A conclusão do pacote de corte de gastos alivia parte da pressão, mas o valor ainda incorpora uma dose significativa de incerteza quando se consideram os efeitos práticos do mesmo, bem como se irá ser suficiente”, enfatiza.
Segundo o economista Otto Nogami, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), uma das principais formas de estabilizar o dólar é evitar declarações que gerem ruídos e reforcem o compromisso com a independência do Banco Central. “Avanços nas reformas estruturais e no cumprimento das metas fiscais podem melhorar a percepção de risco”, afirma.
BC e Executivo
Especialistas afirmam que a relação entre o Banco Central e o Poder Executivo reflete um ambiente de tensões institucionais e de comunicação descoordenada, fatores que contribuem para impactar os mercados financeiros, como a alta do dólar. Segundo Nogami, declarações como as do presidente Luiz Inácio Lula da Silva afetam a credibilidade institucional e podem gerar ruídos na relação entre o Banco Central e o Executivo.
“A independência do Banco Central é essencial para manter a confiança dos investidores e a previsibilidade das políticas económicas. Quando há dúvidas sobre esta autonomia, o mercado reage com cautela, aumentando o prémio de risco”, apontou o economista.
Para Otto Nogami, a percepção de interferências ou divergências internas pode aumentar a volatilidade nos mercados, principalmente em relação ao câmbio, à medida que os investidores buscam proteção contra incertezas. “A independência do Banco Central é essencial para que este possa executar uma política monetária baseada em objectivos económicos de longo prazo, como o controlo da inflação e a estabilidade económica, sem interferência política”.
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