O Correio inicia hoje uma série sobre os desafios da economia que o país enfrentará em 2025. A reportagem ouviu especialistas sobre o que esperar dos cenários macroeconômicos no próximo ano e nos anos seguintes. O consenso entre eles é que, após fazerem revisões para cima no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, sucessivas vezes, as estimativas de crescimento em 2025 e 2026 tendem a ser revisadas para baixo.
Depois que o Banco Central dobrou a taxa de aumento da taxa básica da economia (Selic) na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em 2024, para 1,0 ponto percentual, elevando-a em 12,25% ao ano, e sinalizou com outros dois Com aumentos da mesma magnitude, analistas alertam para um cenário de desaceleração da atividade econômica no próximo ano, e até de recessão —quando houver queda do PIB em dois trimestres consecutivos.
As projeções mostram que o PIB desacelera de 3,4% para 3,5% este ano para menos de 2% em 2025. E esse crescimento deverá ocorrer, em grande parte, pela carga estatística do crescimento deste ano, e não por um maior impulso à atividade económica. Lembram ainda que, como se prevê que as taxas de juro sejam mais elevadas, atingindo mais de 15% ao longo do ano, o consumo das famílias e os investimentos privados, importantes motores do crescimento deste ano, não terão a mesma força no próximo ano. .
Com taxas de juros reais — descontadas a inflação — acima de 8% ao ano, investir no país será um desafio quando o retorno for maior na renda fixa. Segundo especialistas, pelo contrário, a surpresa no PIB deverá partir do setor agrícola, pois há expectativa de nova colheita recorde no próximo ano, o que poderá minimizar uma desaceleração mais abrupta da atividade.
Outro consenso entre os analistas sobre os resultados da atividade econômica em 2024 é que, além do enorme estímulo fiscal, em 2023, com a PEC da Transição que repercutiu no ano seguinte, e a melhoria do mercado de trabalho não só no país, o As reformas estruturais realizadas no Brasil contribuíram para que o PIB potencial passasse de 1% para 1,5% para 2% para 2,5%. No entanto, reconhecem que esta melhoria económica foi subestimada nos modelos.
“A grande história de 2024 foi a piora do cenário global, que iniciou o ano negativo em relação à persistência da inflação nos Estados Unidos, contaminando o ânimo dos mercados, que agravou a situação após a eleição de Donald Trump, em os Estados Unidos, com medidas prometidas que deverão aumentar a inflação”, explica Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV.
“A inflação deu um tom otimista em 2023 e um tom pessimista ao longo de 2024 e o ponto culminante foi a decisão do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA, de sinalizar menos cortes, consolidando uma posição de juros mais elevados no mundo”, disse ele acrescenta.
“Agora, com taxas de juros mais elevadas globalmente, a expectativa de menor crescimento global significa que a leitura em relação aos mercados emergentes mudou e temas locais ganharam destaque, como a dívida pública”, destaca Padovani, que não descarta uma recessão no país. economia brasileira no segundo semestre de 2025.
Ao comentar os cenários revisados à frente, a economista Alessandra Ribeiro, diretora da Tendências Consultoria, alerta sobre as chances de o cenário pessimista estar aumentando a probabilidade de ocorrência, passando de 25% para 30%. Segundo ela, as chances devem aumentar enquanto persistirem as incertezas em relação à situação fiscal, que tende a piorar. “Sem melhorar minimamente o quadro fiscal, o governo pode não conter as chances desse cenário mais pessimista”, ressalta.
Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, reforça a tese de que os gastos públicos foram subestimados nas projeções do mercado e, após a decisão do BC na reunião deste mês, passou a prever taxas de juros de pelo menos 15% ao ano no final do ciclo de aperto monetário que começou em setembro. Pelas projeções da XP, o PIB deste ano crescerá 3,5%, passando para 2% em 2025 e 1,2% em 2026. E, mesmo com esse cenário de desaceleração, Megale reconhece que ainda é possível ser otimista em relação ao Brasil.
“A economia brasileira já tem alguns fundamentos que são muito fortes, primeiro o mercado interno e a diversificação muito interessante da economia. O Brasil é muito grande. Tem um mercado consumidor interno forte e há muitas oportunidades. Este é o primeiro ponto. A segunda é o fato de ser uma potência de commodities e o mundo precisar se alimentar”, afirma Megale.
Ele lembra que o país possui diversas fontes de energia renováveis que o diferenciam além de ser um importante exportador de minerais. “Esses são os pilares positivos, mas o terceiro fato é o forte aumento da dívida pública. Mas todo esse problema fiscal é interno. Já resolvemos isso outras vezes no passado e faremos de novo, mas é necessária disciplina fiscal”, ele acrescenta.
Novo nível
A discussão em torno do marco fiscal ainda está indefinida, porque o volume de despesas obrigatórias cresce acima do limite imposto na nova regra fiscal e, portanto, não será suficiente para estabilizar o aumento da dívida pública. Essa é a avaliação de Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco. Ele manifesta preocupação com o fato do governo querer isentar de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil.
“O governo vai isentar os 25% mais ricos da população, que ganham entre R$ 2 mil e R$ 5 mil. Essa é uma política voltada para a classe média e ainda não está claro como o governo conseguirá compensar essa perda de arrecadação e conseguir cumprir o enquadramento”, alerta.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, destaca que, com o aumento da incerteza em relação ao quadro fiscal, que vem fazendo com que o dólar permaneça acima de R$ 6 nos próximos dias, poderá contribuir para uma desaceleração mais forte da economia. Para ele, o dólar deve continuar a valorizar-se com a volta de Donald Trump ao governo dos EUA. E, como a política fiscal do governo brasileiro continua ruim e pode piorar, o dólar poderá chegar a R$ 6,5.
“Esse patamar pode ser ultrapassado rapidamente, porque o país caminha para um cenário muito complicado, e esse choque mais forte nos juros pode abrir a porta para um cenário de recessão, dependendo de onde for a taxa Selic em 2025, às vésperas de outro ano eleitoral”, alerta. Para ele, o cenário fiscal se aproxima da situação crítica do governo Dilma Rousseff. “Mas, se isso acontecer, será necessário um ajuste maior do que o feito em 2016, quando foi criado o teto de gastos”, afirma.
Para a Vale, 2024 foi o último ano positivo da gestão Lula. Os próximos dois anos, segundo ele, serão mais difíceis, pois só o agronegócio será beneficiado pelo dólar mais valorizado.
“O governo perdeu a oportunidade de fazer um ajuste fiscal e terá que administrar as adversidades de uma política econômica desordenada em meio a uma tempestade que vem de fora. A desordem interna e internacional poderá empurrar o dólar ainda mais para cima, o que poderá atingir R$ 7, num cenário de juros mais altos nos Estados Unidos E a população pagará o preço da reversão desse cenário com mais inflação”, explica.
A Vale afirma que o governo tem o hábito de culpar o mercado pelos erros na condução da política econômica. “O governo criou os seus próprios problemas e esta ideia de negar a realidade vai empurrar ainda mais a inflação e prejudicar o governo que poderá chegar em 2026, com a economia em recessão, em pleno ano eleitoral”, sublinha.
Honorato, do Bradesco, avalia que o PIB de 2025 será uma história de dois anos, com o primeiro semestre sendo muito forte, impulsionado pelo agronegócio e pelo aumento da renda e do consumo das famílias, especialmente pelo reajuste acima da inflação do salário mínimo .
“O segundo semestre poderá registar um menor crescimento ou mesmo uma queda do PIB, devido a elementos contraccionistas, como o impacto do aumento das taxas de juro, que poderá atingir 15,25% ao ano. e também nos gastos públicos, que tendem a ser menores que este ano”, afirma.
Expectativas
A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destaca também que a piora do cenário internacional tende a valorizar o dólar em 2025. “A eleição de Trump nos EUA fez o dólar subindo não em relação ao real, mas também em relação às moedas dos países ricos e emergentes. Vemos um outro mundo que mudou da água para o vinho e, portanto, o mercado amplifica o movimento negativo”, ele diz.
Depois de mais uma surpresa no PIB do terceiro trimestre, que cresceu 0,9% enquanto as projeções do Ibre eram de 0,7%, a previsão de crescimento do PIB deste ano passou de 3,3% para 3,5%. Apesar destes dados positivos, Silvia Matos reconhece também que as perspetivas para 2025 continuam a ser de abrandamento da atividade económica. “As futuras taxas de câmbio e de juros do mercado refletem preocupações com a insustentabilidade do quadro fiscal, porque o quadro externo mudou e exige reações mais contundentes na frente fiscal. Sem isso, o Banco Central não conseguirá, sozinho, reverter esta situação. situação”, alerta.
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