O dia 8 de janeiro de 2023 deve ser sempre lembrado como a data em que os democratas derrotaram o golpe, mais ou menos como em 1961, durante a posse do presidente João Goulart, o que só ocorreu graças à Campanha da Legalidade, liderada pelo então governador de Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Foi um dos momentos mais tensos da história política brasileira.
Naquele momento, a ampla rede de rádios que se formou para informar a população foi decisiva para garantir a democracia no Brasil, durante a crise política gerada pela renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto (Dia do Soldado) de 1961, e a resistência dos militares e setores conservadores à posse de Goulart.
O vice-presidente João Goulart, conhecido como Jango, como era popularmente conhecido, foi eleito porque a eleição de presidente e vice-presidente foi separada e um movimento organizado por sindicalistas paulistas, intitulado “Jan-Jan”, desequilibrou o jogo e elegeu um presidente de direita e um vice-presidente de esquerda.
Na época, como agora, setores militares e governamentais frustrados com sua renúncia temiam que Jango implementasse uma política reformista, com propostas como a nacionalização de empresas estrangeiras e uma ampla reforma agrária. O governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado de Jango, mobilizou forças políticas e sociais em defesa da Constituição de 1946, por meio da Rádio Guaíba, de Porto Alegre, que transmitiu mensagens e pediu apoio popular à legalidade.
Após intensas negociações e pressão popular, foi aprovada uma solução de compromisso: o sistema parlamentar. Esse modelo reduziu os poderes de Goulart como presidente, transferindo parte do poder executivo para o primeiro-ministro. Este acordo permitiu que Goulart assumisse a presidência em 7 de setembro de 1961.
Porém, o parlamentarismo foi revogado em 1963, após plebiscito, e Jango recuperou plenos poderes como presidente, em meio à radicalização política que culminaria no golpe militar de 1964. Esses episódios, do ponto de vista histórico, são muito importantes para compreender o processo político brasileiro subsequente e o comportamento da nossa esquerda brasileira, com repercussões ainda hoje.
O filme Ainda estou aqui, com o qual Fernanda Torres ganhou o Globo de Ouro de melhor atriz de Hollywood, é um vislumbre do que aconteceu depois do golpe que derrubou Jango. Porém, não basta a repulsa à ditadura, é preciso compreender esse processo para não repetir os erros.
Duas delas foram decisivas: primeiro, subestimar a força da oposição na sociedade e romper com os setores liberais; em segundo lugar, subordinar a questão democrática às reformas de base, especialmente à nacionalização das empresas estrangeiras e à reforma agrária “pela lei ou pela força”, que legitimaram a aliança dos Estados Unidos com os golpistas, na suposta defesa da democracia.
Aquele abraço
Brizola, então deputado federal eleito pela Guanabara, pretendia concorrer à presidência (“cunhado não é parente”). O líder comunista Luís Carlos Prestes conspirava para que Jango concorresse à reeleição. Liberais, como Ulysses Guimarães e Juscelino Kubitschek, foram empurrados para os braços da oposição liderada pelos governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, e de Minas Gerais, Magalhães Pinto.
Juscelino foi atacado pela esquerda por “conciliar-se com o imperialismo”, sua candidatura foi vista como um “retrocesso”. Lacerda foi o líder furioso da direita brasileira, sendo seu desentendimento com Jânio Quadros uma das causas da renúncia do presidente eleito em 1960. Ambos acreditavam que os militares manteriam as eleições marcadas para 1965. Pura ilusão. Tantos anos depois, o que esta história tem a ver com as comemorações desta quarta-feira? Muitas coisas, merecem até outra coluna.
O Palácio do Planalto preparou uma série de eventos em memória dos dois anos desde os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 —quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram e causaram destruição na sede dos Três Poderes em Brasília. Pela manhã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Palácio do Planalto, promoverá a reintegração de importantes obras de arte, incluindo um relógio do século XVII.
Essas obras foram vandalizadas no dia 8 de janeiro de 2023. O relógio, que pertenceu a Dom João VI e chegou ao Brasil em 1808, foi consertado na Suíça, sem nenhum custo para o governo. Haverá também a inauguração da obra As mulatas, de Di Cavalcanti, destruída durante atos de vandalismo, que foi restaurada. Após, Lula participará de cerimônia com a presença de autoridades dos Três Poderes e descerá a rampa do Palácio do Planalto para ato simbólico na Praça dos Três Poderes, onde participará do “Abraço da Democracia”, com a presença do público e das autoridades.
O evento deveria reunir os presidentes dos Três Poderes no Palácio do Planalto, porém, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não participará das cerimônias, pois está viajando. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também não confirmou presença. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, será representado pelo ministro Luiz Fachin, vice-presidente da Corte. Algo está errado aí.
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