No dia 8 de janeiro de 2023, poucas horas depois de o Brasil passar por uma das maiores provas democráticas de sua história, o então secretário executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, foi nomeado interventor em segurança pública no Distrito Federal.
Escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi responsável por executar ações para prender extremistas, proteger a Esplanada dos Ministérios e outros órgãos públicos e devolver a estabilidade à capital do país. Na época, o secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, estava nos Estados Unidos e era suspeito de participar do movimento golpista.
Neste segundo aniversário da investida antidemocrática, disse Cappelli, em entrevista ao Correspondênciaque testemunhou veículos blindados do Exército e policiais do Exército impedindo a entrada de tropas da Polícia Militar no Setor Militar Urbano.
“Defendo as Forças Armadas, mas defendo também que quem errou é responsável por eles, porque a instituição Exército não pode ser responsabilizada por erros no CPF dos particulares”, enfatizou Cappelli, hoje presidente da Associação Brasileira de Direito Industrial ( ABDI).
Na avaliação dele, 2025 será um ano histórico, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar a liderança da tentativa de golpe.
Em novembro, a Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas por participarem de uma tentativa de golpe de Estado que culminou nos ataques de 8 de janeiro. Segundo a corporação, o ex-presidente-executivo estava no centro da trama. O relatório final foi encaminhado pelo STF ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, que decidirá se apresentará queixa contra os envolvidos. Abaixo estão os principais trechos da entrevista:
Dois anos depois do 8 de janeiro, o Brasil conseguiu eliminar a ameaça à democracia ou ainda há risco para as instituições?
Acho que as instituições deram uma resposta muito forte. O Supremo Tribunal Federal tem desempenhado um papel fundamental e decisivo. E este 2025 é um ano que ficará para a história brasileira. Por que? Porque o Brasil, ao longo da sua história, foi vítima de muitas tramas golpistas. Mas esta é a primeira vez na história do país que teremos no banco dos réus uma conspiração golpista, em que os conspiradores, pela primeira vez, serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal com base na investigação muito bem conduzida, de forma profissional. e técnica, pela Polícia Federal. Então é um ano histórico. Nunca antes na história do Brasil uma conspiração golpista foi a julgamento, e este ano será.
O julgamento histórico ao qual você se refere é o de Bolsonaro e de outras pessoas envolvidas?
Já são 36 pessoas indiciadas pela Polícia Federal, entre militares e civis. A Polícia Federal recomendou o indiciamento, inclusive dos generais, ex-ministros, etc. A lei deve valer para todos, civis e militares. A lei é para todos, espero que todos sejam julgados, porque é inadmissível que alguém conspire contra a democracia brasileira.
Como você avalia o peso desse julgamento?
É um julgamento que poderá estabelecer um marco na democracia brasileira. Deixando claro, de uma vez por todas, que você pode ser de direita, pode ser de esquerda, pode votar e fazer suas escolhas livremente. Mas uma vez terminado o processo eleitoral, não se pode querer chutar o juiz; Você não pode, porque perdeu, tentar dar um golpe, que foi o que aconteceu em 2023. Tenho muita confiança na investigação conduzida pela Polícia Federal e no julgamento do Supremo Tribunal Federal, que, na minha opinião, irá estabelecer um marco definitivo, consolidando de uma vez por todas a democracia brasileira.
No dia 8 de janeiro de 2023, o Exército colocou tanques na SMU para evitar a prisão dos extremistas que participaram dos ataques. A Força se recusa a dizer quem deu a ordem para colocar os blindados na rua. Você acredita que o papel do comando do Exército em relação aos atos golpistas ainda precisa ser esclarecido?
Eu estava lá. E era eu quem comandava pessoalmente as tropas da Polícia Militar no asfalto. Vi diretamente não só veículos blindados, mas também a Polícia do Exército se movimentando para forçar a linha que protegia o Setor Militar Urbano. Acho que quanto mais luz sobre o que aconteceu, quem deu a ordem, por que deram a ordem para movimentar os blindados, quanto mais esclarecimentos, melhor. Precisamos separar os indivíduos da instituição das Forças Armadas. Não há país orgulhoso, forte e soberano sem Forças Armadas fortes. Defendo as Forças Armadas, mas defendo também que quem errou é responsável por eles, porque a instituição do Exército não pode ser responsabilizada pelo erro de CPF de particulares.
No próximo ano teremos novas eleições. Você acredita que a punição aos golpistas neste julgamento servirá de exemplo para reduzir o extremismo em 2026? Teremos novamente uma eleição polarizada com atos de radicalismo?
Falta muito para 2026. Muita coisa ainda vai acontecer até lá. O Brasil voltou a crescer e a se movimentar. O PIB, entre 2023 e 2024, cresceu mais de 6%. Foi um dos maiores crescimentos da economia de um país no mundo. Tenho muita confiança de que o Brasil continuará nesse caminho. E é claro que este julgamento acontecerá este ano. É um fato objetivo que estabelecerá uma página inédita na história do Brasil. E, certamente, nas eleições do próximo ano, a questão democrática estará presente. 86% da população brasileira não concorda com o que aconteceu no dia 8 de janeiro. Então, há um corte claro: você pode ser de direita ou de esquerda, agora não pode querer dar um golpe. Ou você está do lado da democracia ou do lado dos golpistas, não há meio-termo nesta questão. A democracia é um valor sagrado, que deve ser defendido por todos.
A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos poderia provocar algum tipo de pressão externa no Brasil por anistia aos golpistas de 8 de janeiro e às autoridades envolvidas, considerando que ele é aliado de Bolsonaro?
Não acredito nisso, porque as relações internacionais são movidas pelos interesses pragmáticos dos países. Veja Milei (presidente da Argentina). Ele fez muito blá-blá-blá, muita pirotecnia. Agora, qual foi a medida concreta que você tomou contra o Brasil? Nenhum, zero. Então, uma coisa é o que o governante faz, o blá-blá-blá para o público; Outra coisa é a conta do comércio exterior, a conta relativa ao comércio internacional, que movimenta pragmaticamente as economias dos países. Trump faz o blá-blá-blá, ele tem seu discurso para a base política. Portanto, não acredito numa consequência baseada numa posição ideológica da administração Trump.
Qual a mensagem que você deixa nestes dois anos de 8 de janeiro?
A mensagem é de confiança no Brasil. Confiança nas instituições brasileiras. O Brasil passou por um momento difícil, triste, mas superou. Ele superou e está ainda mais forte. O desenvolvimento do Brasil bate recordes em termos de crescimento. Tem o desemprego mais baixo dos últimos 10 anos. Então, minha mensagem é que confiem na democracia, porque saímos desse episódio ainda mais fortes, fazendo o Brasil crescer, se desenvolver e gerar esperança para o povo brasileiro.
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