O registo da Organização Meteorológica Mundial (OMM) e do observatório europeu Coperincus de que, em 2024, o aumento da temperatura foi superior aos níveis pré-industriais é um alerta sobre a viabilidade do Acordo de Paris, dizem os especialistas. O limite de 1,5ºC, estabelecido para 2100, foi ultrapassado nos últimos 12 meses e, embora não seja uma tendência irreversível, indica que o corte nas emissões de gases com efeito de estufa está muito abaixo do necessário para evitar o sobreaquecimento global.
“Um ano de condições climáticas extremas mostrou quão perigosa é a vida a 1,5°C”, observa Friederike Otto, do Centro de Política Ambiental do Imperial College London, na Inglaterra. “A seca na Amazónia, as inundações em Valência, os furacões nos Estados Unidos e os tufões nas Filipinas são apenas quatro catástrofes do ano passado agravadas pelas alterações climáticas.
Otto lembra que o caminho para chegar ao Acordo de Paris já é conhecido. Este ano, a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima será em Belém, no Pará. Antes da COP29, os países precisam de apresentar uma revisão dos seus objetivos, aumentando o nível de ambição.
“O mundo não precisa de inventar uma solução mágica para impedir que as coisas piorem em 2025. Sabemos exactamente o que precisamos de fazer para parar de usar combustíveis fósseis, parar a desflorestação e tornar as sociedades mais resilientes às mudanças climáticas que vemos tão claramente no relatório de Copérnico.”
Além do documento europeu, que detectou um aumento de 1,6ºC face ao século XIX, a OMM, agência da ONU, confirmou ontem que 2024 foi o ano mais quente alguma vez registado desde 1860, altura em que começaram a ser feitas medições. Observou também que, pela primeira vez, um ano ultrapassou a marca de 1,5ºC —no caso da OMM, o cálculo foi de 1,55ºC.
Indiscutível
Num comunicado, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que a avaliação “prova mais uma vez que o aquecimento global é um facto indiscutível”. Sublinhou, no entanto, que o facto de os anos individuais ultrapassarem o limite estabelecido pelo Acordo de Paris não significa o fracasso do objectivo de longo prazo. “O que isto significa é que precisamos de lutar ainda mais para seguirmos no caminho certo. Ainda há tempo para evitar o pior da catástrofe climática, mas os líderes devem agir agora.”
O meteorologista Ernesto Rodríguez Camino, da Associação Meteorológica Espanhola, concorda que o Acordo de Paris ainda não foi totalmente comprometido e lembra que, além do aquecimento provocado pelo aumento contínuo das emissões de gases com efeito de estufa, 2024 foi afetado pelo fenómeno natural El Niño. “O que é realmente importante é evitar que este número se torne uma nova norma a longo prazo. O que está a ser feito para limitar as emissões de gases com efeito de estufa que provocam este aumento progressivo da temperatura é claramente insuficiente.
O aumento da temperatura em 2024 foi acompanhado pela intensificação de eventos extremos. Copérnico cita 86 tempestades tropicais, incluindo a Acará, que chegou ao Brasil em fevereiro. Destes, 43 tornaram-se ciclones e 22 ciclones principais. O relatório vai ao encontro de estudo lançado no final de dezembro pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, coordenada pela Universidade Federal de São Paulo em parceria com a Fundação Grupo Boticário. Segundo a pesquisa, nos últimos quatro anos os desastres no país aumentaram 250% (leia entrevista).
Ronaldo Christofoletti, cientista da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), presidente do Grupo de Especialistas em Cultura Oceânica da UNESCO e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
O que podemos esperar em relação aos desastres ambientais?
No final de dezembro, lançamos o estudo Brasil em Transformação, que mostra um aumento de mais de 250% nos desastres no país nas últimas décadas. Em quatro anos (2020 a 2023), tivemos mais do dobro de desastres ambientais do que em toda a última década. Esse aumento ocorre porque o aumento da temperatura vai se acumulando: por menos que suba, o vidro transborda mais. O impacto econômico disso é muito grande: estamos falando de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro só nos últimos anos, sem contar o número de vidas perdidas. Nas últimas três décadas, mais de 90% dos municípios brasileiros sofreram algum tipo de desastre. Infelizmente, é muito difícil passar uma semana sem um desastre. Agora serão chuvas, deslizamentos de terra, ondas de calor. Depois fica mais seco, os incêndios, as tempestades marítimas, a erosão costeira… Estes processos são cada vez mais frequentes.
Como anfitrião da COP30, como o Brasil deve se posicionar em relação aos dados divulgados pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Copernicus?
Definitivamente, como anfitrião da COP e presidente do BRICS deste ano, o Brasil tem a responsabilidade de trazer a urgência da adaptação e mitigação climática. As ações de adaptação são aquelas que irão minimizar os impactos dos desastres ambientais no curto prazo. Mas é preciso exigir fortemente acordos e metas mais claras para a mitigação, que é reduzir a emissão de gases geradores do aquecimento global. A COP30 é um marco muito grande, porque é quando as metas (de redução de emissões) dos países serão revistas, e elas terão que ser mais ousadas. O Brasil entregou suas metas revisadas na COP29, fez progressos, mas poderia ser ainda mais ousado. O Brasil tem a obrigação de exigir isso dos outros países, dando o exemplo.
Como deverá a provável saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris interferir com a meta de 1,5ºC?
Hoje o grande problema, o elefante branco na sala, é a possível saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, porque é um dos maiores emissores de gases com efeito de estufa do mundo. O pior não é apenas abandonar o Acordo de Paris, é ter um novo líder (o presidente eleito Donald Trump) que diz que irá emitir mais gases, deliberadamente. Então, é um grande gol contra, mas é um gol contra de um país que afeta o mundo inteiro. Será muito mais difícil atingir a meta sem os Estados Unidos juntos, e sem falar que o outro grande conflito em toda essa discussão é que para atingir a meta e adaptar as cidades estamos falando de muito investimento econômico. O grande problema na COP29, no Azerbaijão, foi o financiamento climático, o que não implica que os países darão dinheiro aos mais pobres; significa responsabilidade. Quando os Estados Unidos manifestam a possibilidade de aumentar as emissões, o país está a piorar as coisas no longo prazo e a dificultar as coisas no curto prazo, pois também retirará os seus recursos financeiros desta história. É uma decisão unilateral que tem um enorme impacto global.
*Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), presidente do Grupo de Especialistas em Cultura Oceânica da UNESCO e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
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