No centro de Ipatinga, no Vale do Açoa rotina continuou como qualquer outro dia na manhã de ontem (14/1). À medida que avança pela cidade você notará as ruas ainda cobertas de lama e moradores e equipes de limpeza com rodos na mão. A poucos metros da região central, no bairro Bethânia, o cenário é de devastação. Os deslizamentos de terra que causaram 10 mortes na cidadeincluindo duas crianças, deixaram um rastro de destruição e angústia entre os moradores, que vivenciam o peso da perda e a incerteza de quem não sabe se o próximo deslizamento poderá atingir suas casas.
Na madrugada de domingo (1/12) para segunda-feira (13/1), uma chuva torrencial de 204 milímetros em poucas horas – quase o volume previsto para todo o mês de janeiro – devastou o bairro, destruindo casas e sonhos. Alexandre Ribeiro da Silva, de 23 anos, ainda revive na mente os momentos finais de Hiago Vitor Rosário, de apenas 8 anos, a quem chamava de “meu menino”. O enteado morreu após ser soterrado em um deslizamento de terra que atingiu a casa da família, na Boston Street, que morava lá há pouco mais de um ano.
Ontem, Alexandre voltou à casa destruída para mostrar ao Estado de Minas o ponto onde a terra invadiu o quarto do casal. A dor e o choque se refletem em suas palavras e no olhar perdido que tenta conter as lágrimas ao mostrar ao repórter o que sobrou da casa onde morava com a companheira, Thaislaine, a filha mais nova, de 1 ano e meio, e seu pequeno Hiago. Ao entrar na sala, o chão cheio de lama, entulhos e restos de móveis tombados revelam a violência do deslizamento.
Acompanhe o canal Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Encostado a uma parede que ainda está de pé, Alexandre murmurou para si mesmo: “Nossa, só de ver…”, enquanto fechava os olhos com força para conter as lágrimas. Ele se lembra de como o pequeno Hiago insistiu em dormir com os pais naquela noite. Ele quase não voltou para casa depois de uma discussão com o companheiro. Foi Hiago quem lhe abriu a porta e o recebeu com o sorriso de quem já o via como pai. “Ele ficou brincando comigo por horas. Depois ele pediu para dormir conosco, então colocamos o colchão dele no nosso quarto”, contou.
De madrugada, sem aviso nem barulho, o aterro cedeu e destruiu em instantes o quarto do casal. “Eu estava olhando para o meu celular. Quando era por volta das 2h, a luz apagou e aí tudo aconteceu muito rápido”, relatou. Ele tentou proteger sua família, enquanto gritava para que todos corressem. “Tentei sustentar a parede com a mão. A certa altura apanhei o Hiago, mas quando me virei ele já não estava lá. Quando eu vi, só havia sua cabecinha e seu corpinho embaixo da terra. Tentei puxar, mas não teve mais o que fazer”, disse ele com a voz embargada. O menino foi enterrado a poucos centímetros da porta do quarto.
Agora, Alexandre, Thaislaine e o bebê estão na casa da mãe, a poucos metros da tragédia. Contudo, o refúgio ainda não oferece segurança: a ravina próxima parece ameaçar ceder a qualquer momento. A Defesa Civil ainda não esteve na residência e, por isso, a incerteza sobre o futuro pesa sobre a família. Moradores da região relatam que, cerca de cinco anos antes, duas casas acima da da família de Alexandre já haviam desabado e nenhum imóvel do entorno havia sido vistoriado. “Nem depois da morte do meu filho eles vieram fechar ou avaliar a área”, diz Alexandre.
No mesmo beco onde a tragédia já ceifou vidas, Marcela Ranale de Oliveira Perdigão, 34 anos, enfrenta o dilema de proteger os pais, que moram ao lado da casa destruída de Alexandre e Thaise. Ela tenta convencê-los a não voltarem para a propriedade, mas encontra resistência. Abrigados em sua casa, a cerca de dois quarteirões de distância, a mãe, de 64 anos, e o pai, de 73, acreditam que podem limpar a lama e voltar. “Minha mãe é teimosa. Ela espera voltar. Meu pai também está aqui desde ontem (segunda-feira)”, conta.
O barranco atrás da casa parava na janela da sobrinha de Marcela — que tem 16 anos — onde a terra espreita esperando a próxima chuva invadir a casa. “Ela ouviu o barulho e viu a água lamacenta descendo. Ele correu para acordar a avó e chegou gritando na minha casa: ‘Tia, me ajuda! A casa da Tatá está enchendo de sujeira, a casa da vó está enchendo de sujeira”, diz ela. O coração de Marcela logo congelou, principalmente porque o próprio filho mora com a mãe.
Marcela se arrisca ao entrar no imóvel para mostrar ao repórter o cenário de destruição. Embora a casa não tenha sido invadida por terra, o solo lamacento e os sinais de que o barranco poderia ceder a qualquer momento deixam claro o perigo. O irmão dela ainda abriu um buraco no banheiro para escoar um pouco da água acumulada na casa. “Eu venho aqui, pego algumas roupas e deixo trancadas. Parece que a casa vem assim (faz sinal de inclinação)”, apesar de reconhecer que poderia ser apenas um cisma por susto.
“Pequeno papel amarelo”
A Defesa Civil ainda não fechou oficialmente o imóvel, mas Marcela espera que o “papelzinho amarelo”, como ficou conhecido entre os moradores atingidos, consiga convencer os pais do risco que correm. Enquanto isso, ele teme perder os móveis e eletrodomésticos que permanecem na casa, que já apresenta sinais de alerta, como grandes rachaduras nas paredes laterais.
A situação é semelhante à de muitos moradores do bairro que vivem entre a necessidade de abandonar suas casas e o desejo de proteger o pouco que possuem. Na manhã de ontem, o movimento era constante: moradores angustiados, indo e vindo na escola municipal Zélia Duarte, em busca de uma avaliação da Defesa Civil que garantisse a segurança ou justificasse a evacuação. Duas casas e um prédio na Rua Valência, também no bairro Bethânia, foram fechados ontem após moradores ouvirem barulhos altos e a Defesa Civil constatar o risco. Até o momento, 90 pessoas estão desabrigadas, morando em escolas públicas e no estádio da cidade, e outras 400 estão desabrigadas.
Perda dupla
Também no bairro Bethânia, na Rua Turim, Edmar de Oliveira, 61 anos, viveu o que descreve como o pior dia de sua vida na madrugada do último domingo. Pai de Simone Maria de Oliveira Silva, 40, que morreu enterrada junto com a filha, Sofia, 7, Edmar lembra com angústia os minutos que antecederam a tragédia. “Acordei com uma chuva muito forte. Havia água até na calçada. Na hora lembrei da minha filha e mandei mensagem, mas não chegou. Comecei a ficar preocupado porque ela não atendia o telefone”, disse ele.
O medo se concretizou quando um vizinho bateu à sua porta trazendo a notícia de que a casa de sua filha havia desabado. “Ele disse que achava que não havia sobrado ninguém. Eu disse ‘sem brincadeira’, mas ele confirmou. Só tive tempo de vestir as calças e fugir.” Ao chegar ao local, subindo as escadas enquanto a lama chegava aos joelhos, Edmar descreveu seu desespero ao ver o que restava das casas. “Olhei para aquela situação e desanimei. Era tudo lama, entulho, lixo caindo junto com a água. Eu nunca tinha visto chuva assim.”
Lá, ele encontrou seu neto Gabriel, de 15 anos, que havia escapado por pouco. “Ele estava apenas de cueca, em pé. Alguém o ajudou. Quando o vi ali pensei: ‘Se ele se salvou, minha filha também poderia ter sobrevivido’. Mas ele, chorando, me disse: ‘Minha mãe foi embora’. Naquele momento, eu sabia que não havia jeito. Agora, só a veremos no céu.”
Simone, que era a filha mais velha e única mulher entre os filhos de Edmar, estava na casa com a sogra, Maria das Dores Granja Silva, 75, e duas cunhadas, Alvani Granja Silva, 55, e Diane Granja da Silva, de 48 anos. Todos morreram enterrados. Gabriel e um primo de 16 anos foram os únicos que escaparam com vida. O marido de Simone, pastor Glaudson Silva, trabalhava no momento do acidente. “Se ele estivesse lá, ele teria ido junto.”
Edmar ainda se lembra do último momento em que viu a filha. “Ela esteve aqui em casa na noite anterior, trouxe uma pizza e saiu por volta das 23h. Ela sempre dormia aqui, mas naquela noite nem ligamos, porque o céu estava claro, até a lua apareceu. Achei que o domingo ia ser lindo. Mas foi o pior domingo da minha vida.”
A dona de casa Maria Aparecida Silva Lopes, 57 anos, irmã do pastor Glaudson, é uma das sobreviventes, mas perdeu tudo no deslizamento. A casa onde ele morava, no terreno vizinho, também foi destruída. Restava apenas meia parede da construção com uma cama ainda visível em meio aos escombros. Ontem ela estava sentada na calçada, com os olhos perdidos e as lágrimas contidas, repetindo o tempo todo que não tinha para onde ir.
Maria só sobreviveu porque não estava em casa naquele momento. “Minha filha me convidou para sair, então eu fui. Quando voltei, não havia mais nada lá.” Chorando, ela lembra que Diane Granja, uma de suas irmãs falecidas, estava há uma semana em Ipatinga visitando a mãe. “Minha irmã veio passar alguns dias. Ela estava partindo no mesmo dia em que morreu.
As casas da família ficavam umas acima das outras, no mesmo terreno. A área já era conhecida por estar em risco. Cerca de 20 imóveis próximos foram evacuados pela Defesa Civil por precaução. Os corpos das cinco vítimas foram enterrados na segunda-feira, numa cerimónia marcada por dor e comoção.
Agora, Edmar tenta encontrar forças para sustentar o neto Gabriel, que mora em sua casa. “Ele chora o tempo todo, fica ligando muito para a Sofia, a irmã mais nova. Graças a Deus ele ainda tem.” As cicatrizes do desastre, no entanto, continuam a assombrar a família. Para Edmar, a dor de perder a filha e a neta é imensurável. “Cada vez que chovia eu pensava nela. Agora só restam lembranças e saudades.”
ra soluções financeiras
blue cartao
empresa de crédito consignado
download picpay
brx br
whatsapp bleu
cartão consignado pan como funciona
simulador crédito consignado
como funciona o cartão consignado pan
ajuda picpay.com