Os seres humanos podem estar a acelerar a decomposição da matéria orgânica em rios e riachos em todo o mundo, revela um novo estudo das universidades da Geórgia, Oakland e Kent State, nos Estados Unidos. Este fenómeno pode ameaçar a biodiversidade aquática e aumentar o carbono na atmosfera, agravando as alterações climáticas. Detalhado ontem na revista Science, o estudo é pioneiro ao combinar um experimento global com modelagem preditiva para mostrar como os impactos humanos nas vias navegáveis contribuem para a crise climática.
“Todo mundo precisa de água”, disse Krista Capps, coautora do estudo e professora da Universidade da Geórgia, em nota. “As mudanças humanas nos rios são preocupantes. O aumento da decomposição pode afectar o ciclo global do carbono e prejudicar insectos e peixes que dependem destes recursos.”
Rios e riachos são cruciais no ciclo do carbono, pois armazenam e decompõem matéria vegetal.
Um exemplo é quando as folhas caem nos rios, que normalmente são colonizados por bactérias e fungos, e consumidos por insetos e peixes. Porém, em áreas urbanizadas e agrícolas, esse processo é acelerado, liberando mais carbono na atmosfera e prejudicando a cadeia alimentar aquática.
“Pensamos nas emissões de gases como provenientes de carros e fábricas”, disse Scott Tiegs, coautor e professor em Oakland, ao Courier. “Mas muito CO2 e metano podem vir de ecossistemas aquáticos. Isso é natural, mas quando os humanos adicionam poluição por nutrientes às águas doces e aumentam a temperatura da água, aumentamos as taxas de decomposição e enviamos mais CO2 para a atmosfera.” Para os cientistas, reduzir as ações da humanidade pode melhorar a qualidade da água e combater as alterações climáticas.
Estudar
Os pesquisadores coletaram dados de 550 rios ao redor do mundo, com a colaboração de 150 cientistas de 40 países, incluindo o Brasil. A partir dos dados obtidos, estimaram taxas de decomposição em cursos d’água de diferentes regiões, inclusive nos trópicos. Eles também criaram uma ferramenta de mapeamento online gratuita que mostra a decomposição das folhas em diferentes locais.
Ao Correio, Tiegs disse que cada parceiro recebeu um kit de amostragem, contendo materiais experimentais de fácil utilização e um protocolo detalhado para garantir a padronização nos dados e na coleta de amostras. “O ensaio que usamos pode ser aplicado a praticamente qualquer ecossistema, e adaptá-lo para uso em rios foi simples”.
O experimento chamado Celldex investigou a decomposição do tecido padrão de algodão — usado como substituto de restos vegetais — em sete continentes e nos principais biomas do planeta. As descobertas foram combinadas com dados detalhados de clima, solo, geologia, vegetação e físico-químicos para criar um modelo preditivo de alta resolução da decomposição da matéria orgânica nos rios.
Usando modelagem preditiva, os estudiosos identificaram fatores como temperaturas mais altas e maiores concentrações de nutrientes como responsáveis pelo aumento da decomposição, fatores significativamente modificados pelas atividades humanas.
“A redução do impacto humano na decomposição manterá mais carbono nos rios, evitando a sua libertação como dióxido de carbono e ajudando a combater as alterações climáticas”, concluiu David Costello, coautor e professor associado da Kent State. Para os colaboradores do trabalho, a utilização do modelo para ameaças ambientais atuais e futuras permitirá aos cientistas e gestores de recursos naturais “prever mudanças no funcionamento das redes fluviais à escala planetária”.
Brasil
Ana Carolina Ribeiro, bióloga especializada em análise ambiental e desenvolvimento sustentável, detalha que, entre os fatores que aceleram a decomposição da matéria orgânica nos ecossistemas aquáticos no Brasil, está a produção de energia elétrica. “A maior parte da nossa energia vem de hidrelétricas, mas para conseguir construir uma usina é preciso bloquear a água do rio causando inundações na vegetação. Essa flora acaba se decompondo e isso libera gases de efeito estufa na atmosfera, o que altera o clima.
Para o especialista, muito precisa ser feito para evitar o cenário observado no modelo criado pelos cientistas. “O melhor é pensar nos ecossistemas urbanos que crescem de forma planejada. Muitas coisas podem ser feitas de forma mais simples, como a questão do saneamento básico, da coleta de lixo. o acúmulo de matéria orgânica e o descarte de esgoto, além de pensar no processo de reciclagem.”
Eduardo Bessa, pesquisador da rede Biota Cerrado e professor vinculado ao curso de pós-graduação em Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), acrescenta que é preciso manter a atenção no processo como um todo.
“Se essa decomposição for lenta, o carbono fica preso nos rios por mais tempo. Se for acelerada, o carbono vai para a atmosfera e piora o aquecimento global. como um escudo para evitar que impactos causados no restante da bacia hidrográfica cheguem ao rio.”, afirma.
Eduardo Bessa, pesquisador da rede Biota Cerrado e professor vinculado ao curso de pós-graduação em Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), acrescenta que o processo é lento, mas a atenção deve ser permanente. “Se essa decomposição for lenta, o carbono fica preso nos rios por mais tempo. Se for acelerada, o carbono vai para a atmosfera e piora o aquecimento global.”
Impactos
Tiegs detalhou que algumas estratégias podem ser implementadas para mitigar taxas aceleradas de decomposição em rios e córregos influenciados por ações antrópicas. “Nutrientes como o fósforo e o nitrogênio podem ser aplicados em excesso nas áreas agrícolas e urbanas, entrando nos rios e estimulando o processo de decomposição. Estamos cada vez mais percebendo que minimizar esses insumos é um passo necessário para gerenciar de forma mais eficaz nosso ciclo alimentar global.”
No futuro, a equipa planeia investigar mais a fundo a decomposição em locais dominados por atividades humanas e eventualmente “incorporar o processo de decomposição da matéria orgânica em protocolos de bioavaliação”, concluiu Scott Tiegs.
Mudanças climáticas
“A matéria orgânica do fundo dos rios é composta basicamente pelo mesmo gás que, na atmosfera, está causando as mudanças climáticas. Se essa decomposição for lenta, o carbono fica preso no interior dos rios por mais tempo. vai para a atmosfera e agrava o aquecimento global A conservação das matas ciliares pode contribuir para a estabilização das taxas de decomposição porque servem de escudo para evitar que os impactos causados no restante da bacia hidrográfica cheguem ao rio, que são um fator importante para a poluição. a estabilidade da decomposição Por fim, a mata ciliar sustentará tanto a fonte de matéria orgânica que cairá nos rios, quanto a flora e a fauna microbiana que participam desse processo de decomposição.”
Eduardo Bessa, pesquisador da rede Biota Cerrado e professor vinculado ao curso de pós-graduação em Ecologia da Universidade de Brasília (UnB)
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