Por Pedro Salles, Fernanda Gouveia e Fernando Macedo Netto* — A questão da legislação aplicável à relação jurídica estabelecida entre proprietários e inquilinos ou arrendatários quando da locação de imóveis em áreas rurais é uma das mais discutidas no âmbito do direito imobiliário brasileiro. Em particular, a questão que muitas vezes surge é se esta relação será regida pelas disposições da Lei Federal 8.245/1991 (“Lei de Arrendamentos”) ou pela Lei Federal 4.504/1964 (“Estatuto da Terra”).
A resposta dependerá fundamentalmente da finalidade dada pelos arrendatários ou inquilinos ao imóvel objeto do arrendamento, quando este se situe em zona rural. De um lado, a Lei de Locações dispõe sobre a locação de imóveis em área urbana para fins residenciais, para temporada (modalidade de aluguel residencial) ou para fins comerciais (arts. 1º, 46 e seguintes da Lei de Locações).
Por outro lado, o Estatuto da Terra regulamenta, nos termos do seu art. 1º, “os direitos e obrigações relativos ao patrimônio imobiliário rural”, que, nos termos do art. 4º, inciso I, do Estatuto da Terra, são definidos como “a edificação rústica, de área contínua qualquer que seja sua localização, que se destine à exploração agrícola extrativista, pecuária ou agroindustrial, seja por meio de planos públicos de valorização, seja por iniciativa privada”. “.
Analisando os conceitos jurídicos, percebe-se que o fator preponderante para a aplicabilidade de uma ou outra norma jurídica é justamente a destinação e/ou utilização do imóvel locado, seja em zona urbana ou rural, independentemente de sua localização geográfica ou matrícula. , seja na respectiva prefeitura ou no Sistema Nacional de Cadastro Rural.
A arte. 3º do Decreto 59.566/66 (que regulamentou o Estatuto da Terra) definiu o “contrato” de arrendamento rural como aquele “pelo qual uma pessoa se obriga a ceder a outra, por prazo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou parte dele, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e/ou instalações, com a finalidade de realizar atividades agrícolas, pecuárias, agroindustriais, extrativistas ou mistas, mediante remuneração ou aluguel determinado, observados os limites percentuais do Lei”.
Embora o referido dispositivo mencione expressamente a propriedade rural para efeitos do conceito de contrato de arrendamento, esclarece que o seu objecto deve necessariamente ser o exercício (na propriedade) de actividades agrícolas, pecuárias e/ou agro-industriais pelo arrendatário, sublinhando , assim, novamente o fator da destinação que será dada ao imóvel ou locação para definir as normas jurídicas a serem adotadas no caso concreto.
Portanto, para que possamos considerar a aplicação do disposto no Estatuto da Terra a um determinado arrendamento rural, é necessário que o imóvel tenha efetivamente uma destinação rural, sendo assim utilizado para fins de exploração agroindustrial, agrícola e/ou agrícola. ou pecuária, de modo que, caso o aluguel deste mesmo imóvel em área rural se destine à exploração de atividade econômica empresarial e/ou residencial, o contrato será regido pela Lei do Locação.
Vale refletir, na mesma linha, que, embora não seja comum, as regras do Estatuto da Terra devem ser aplicadas ao aluguel de imóvel em área urbana quando o destino for, de fato, a exploração de agropecuárias. atividades industriais, agrícolas e/ou pecuárias. .
Conclui-se, portanto, que a questão da natureza rural ou urbana do imóvel para efeitos de aplicabilidade do disposto na Lei do Arrendamento ou no Estatuto da Terra não depende, em última instância, da sua localização geográfica, mas sim da sua utilização efectiva e da atividade ali desenvolvida. Num país onde as dinâmicas rurais e urbanas estão cada vez mais interligadas, compreender estas nuances é essencial para garantir que as relações sejam reguladas de forma adequada, protegendo os direitos de todas as partes envolvidas.
*Sócios e advogados do Salles Nogueira Advogados, com atuação nas áreas de Agronegócio e Contratos Comerciais
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