Com a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, nesta segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Itamaraty aguardam com expectativa o que o republicano vai tirar do papel em relação ao Brasil. O país será representado na cerimônia pela embaixadora em Washington, Maria Luiza Viotti.
As políticas econômicas já anunciadas por Trump visam manter o dólar em patamar elevado, pressionando os preços brasileiros, e preocupam o setor produtivo pela possibilidade de altas taxas nas exportações para os Estados Unidos. Na política externa, Trump sinaliza buscar o aumento da influência norte-americana na América Latina, retomando as sanções contra Venezuela e Cuba, o que causa desconforto na diplomacia brasileira.
Por sua vez, o governo brasileiro quer manter uma relação pragmática com Trump, apesar da distância ideológica entre ele e Lula.
Na economia, as medidas protecionistas são as mais preocupantes. Trump ameaçou taxar pesadamente as exportações brasileiras para os Estados Unidos e cobrar tributo de “100%” dos países do Brics
— bloco presidido este ano pelo Brasil — se avançarem na desdolarização de suas relações comerciais. Isto é mau para os sectores de matérias-primas, como a agricultura e a indústria siderúrgica, uma vez que os Estados Unidos estão entre os maiores mercados para as exportações brasileiras.
A gerente de pesquisas da Nomad, Paula Zogbi, destaca que políticas protecionistas podem manter o dólar em patamar elevado no médio prazo. Um custo mais elevado das importações pressiona a inflação e, como consequência, mantém as taxas de juro elevadas. “Quanto mais tempo as taxas de juro permanecerem elevadas nos EUA, maior será o apelo do dólar para os investidores a nível mundial e maior será a pressão sobre o preço. No primeiro mandato de Trump, o dólar valorizou-se cerca de 13%, no meio de tarifas sobre vários países, incluindo a China e México”, explica. Ela destaca, no entanto, que é razoável esperar que algumas das medidas anunciadas até agora sejam relaxadas, uma vez que o eleitorado de Trump é sensível aos aumentos de preços.
Outra área de incerteza é o próximo secretário do Departamento de Estado norte-americano, Marco Rubio, que assumirá cargo equivalente ao de ministro das Relações Exteriores do Brasil. O senador é considerado “linha-dura” em suas posições sobre a América Latina e pode ser fator de conflitos. Ele foi questionado nesta quarta pelo Senado dos Estados Unidos e mencionou que ampliar a influência do país na região é uma das prioridades de Trump — além de intensificar o embate com a China. Rubio não mencionou o Brasil em seu discurso, mas fez fortes elogios ao presidente da Argentina, Javier Milei.
Convidado argentino
Milei, aliás, é um dos únicos chefes de estado convidados a participar da posse de Trump. Tradicionalmente, os Estados Unidos apenas convocam embaixadores para a cerimónia. Em novembro, Trump ligou pessoalmente para Milei e o chamou de seu “presidente favorito”. Todos estes gestos apontam para uma futura aproximação entre líderes de extrema direita.
A maior interferência dos Estados Unidos na América Latina contradiz a posição brasileira de soberania na região. Trump sinalizou que poderá endurecer as sanções contra a Venezuela com a reeleição de Nicolás Maduro, marcada por fraudes e falta de transparência. Em sua audiência, Rubio defendeu a revisão das permissões para as empresas petrolíferas negociarem com a Venezuela. “Temos agora licenças gerais onde empresas como a Chevron estão a despejar milhares de milhões de dólares nos cofres do regime, e o regime não cumpriu nenhuma das promessas que fez. Portanto, isto precisa de ser reconsiderado”, disse ele.
O futuro chefe do Departamento de Estado também admitiu a possibilidade de voltar atrás na decisão anunciada esta semana pelo governo Biden, que retirou Cuba da lista de estados que financiam o terrorismo —algo que o Itamaraty havia comemorado em nota oficial. Na diplomacia brasileira, o entendimento é que é preciso esperar para ver quais medidas serão colocadas em prática e quais são apenas retórica do governo Trump. Nas recentes administrações, inclusive no mandato anterior do republicano, os Estados Unidos deram menos importância à América Latina.
Pesa também a aproximação das grandes plataformas digitais com a administração Trump. Elon Musk, dono da X, ocupará um departamento. Mark Zuckerberg, dono da Meta — que controla Instagram, WhatsApp e Facebook — também fez acenos a Trump e até financiou sua campanha eleitoral. O empresário anunciou medidas em plataformas que podem violar leis brasileiras que protegem direitos nas redes. Ele também criticou os “tribunais secretos” na América Latina que julgam casos relacionados a plataformas.
Ainda não está claro se a administração Trump, após tomar posse, aplicará pressão política para tentar impedir a nova tentativa de regulação de redes que está sendo iniciada pelo governo federal. As empresas, por sua vez, certamente o farão — como fizeram com o Projeto de Lei das Fake News (PL) em 2023, que conseguiram bloquear.
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