Depois de um atraso de cerca de três horas, o cessar-fogo entre Israel e o Hamas entrou ontem em vigor, com a libertação dos três primeiros reféns israelitas — estavam confinados há 471 dias —, de um total de 33. E, sobre a Palestina lado, esperava-se que 90 prisioneiros fossem libertados, incluindo mulheres e crianças. A expectativa ao longo do dia foi intensa, pois o acordo envolve diferentes etapas (ver tabela). No entanto, as articulações políticas sinalizam negociações longas, já que a trégua ocorre num momento em que a administração de Benjamin Netanyahu está enfraquecida — três ministros renunciaram em retaliação ao acordo, incluindo o ministro da Segurança Interna, Itamar Ben-Gvir — e sob forte pressão internacional.
Porém, o primeiro momento é de comemoração com a libertação de Emily Damari, de 28 anos, Romi Gonen, de 24, e Doron Steinbrecher, de 31. Longos abraços dos pais, choros e videochamadas marcaram o encontro com os familiares. Eles foram transportados por soldados do Hamas até a fronteira, de lá, membros das Forças de Segurança de Israel os levaram para avaliação médica e psicológica. Segundo o governo, eles estão “estáveis”, embora Emily tenha perdido dois dedos devido a um tiro.
“Emily, Doron e Romi estão finalmente voltando para casa”, disse o porta-voz do Exército, contra-almirante Daniel Hagari. “É um momento muito emocionante.” Netanyahu destacou que os reféns passaram pelo “inferno” após o seu sequestro no sul de Israel, em 7 de outubro de 2023, no ataque do Hamas que deu início à guerra em Gaza.
Milhares de pessoas, tanto do lado palestiniano como israelita, esperavam pelos reféns e prisioneiros. Bandeiras de Israel e da Autoridade Nacional Palestina, fotografias e cartazes tomaram conta das ruas. Muita emoção também prevaleceu. Entre os palestinos, um jovem nos ombros de outro começou a entoar cânticos em homenagem a Yahya Sinwar, um dos responsáveis pelos ataques de 7 de outubro de 2023, morto por soldados israelenses no sul de Gaza.
Em declarações ao Correio, o jornalista palestino Motasem Dalloul emocionou-se ao narrar as reações de milhares de pessoas no centro da Cidade de Gaza que assistiam à libertação dos três reféns. “As Brigadas Al-Qassam trouxeram os israelenses, conforme acordado no acordo de cessar-fogo. Eles chegaram em comboio. Abordei os combatentes do Hamas e pedi para fotografá-los e filmá-los. porque era uma grande multidão gritando o nome do Hamas”, relatou o repórter, que perdeu a esposa e os dois filhos na guerra.
Em 15 meses de conflito, a maioria dos 2,4 milhões de palestinianos foram forçados a abandonar as suas casas. Muitos começaram a viver em campos de refugiados em condições subumanas. Com a entrada em vigor da trégua, milhares de deslocados fizeram-se à estrada com os seus pertences na esperança de regressarem às suas casas. “Chegamos aqui às 6h da manhã e enfrentamos uma destruição massiva, nunca vista antes”, disse Walid Abu Jiab ao retornar a Jabaliya, no norte de Gaza.
Articulação política
Há dúvidas se o cessar-fogo será temporário. Inicialmente, a previsão é de seis semanas. Mas anteontem Netanyahu afirmou que a trégua poderia ser suspensa a qualquer momento se todos os nomes dos reféns não fossem divulgados e eles fossem libertados. A negociação envolve questões históricas, como o reconhecimento de dois estados — Palestina e Israel —, a administração da região e o fim do Hamas, além da reconstrução de Gaza, processo que leva anos. O braço armado do Hamas disse que a trégua dependia de Israel “cumprir os seus compromissos”.
Nas vésperas de tomar posse, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, creditou-se ontem pela negociação do cessar-fogo e indicou aumento da pressão internacional. Em seu discurso, ele comemorou a libertação dos três reféns e alertou que vai “acabar com a guerra no Oriente Médio”. “Evitarei a Terceira Guerra Mundial”, prometeu, informando que também irá interferir no conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
Mike Waltz, principal conselheiro de segurança nacional da nova administração, indicou como o Hamas será tratado: tolerância zero. “Eles não podem mais ser uma organização terrorista e nunca governarão Gaza”, disse ele à CNN. “Israel fará o que for preciso para garantir a sua segurança. E os Estados Unidos, sob a administração Trump, apoiarão” para “garantir que o Hamas nunca mais governe Gaza”.
Um dia antes de deixar o governo, o presidente dos EUA, Joe Biden, optou por um tom mais suave. “Depois de tanta dor, morte e perda de vidas, hoje as armas silenciam em Gaza”, reagiu, simbolizando também um sentimento comum a palestinianos e israelitas. “Estou muito, muito feliz”, disse o refugiado Wafa al Habeel. “Quero voltar e beijar o chão de Gaza. Sinto falta (da cidade de) Gaza e sinto falta dos nossos entes queridos”, destacou no meio de uma multidão que se reuniu para ver a libertação dos reféns sob o coro “ Deus é o maior!” em árabe.
Doses homeopáticas
O acordo de cessar-fogo deve ser implementado em três fases, segundo os negociadores internacionais — Estados Unidos, Catar e Egito —, a primeira das quais foi ontem. A última será uma longa articulação, pois envolve o reconhecimento da Palestina como Estado e a administração da região. Inicialmente, a previsão é que de três a cinco reféns sejam libertados por semana. O não cumprimento de uma das fases do acordo pode levar ao rompimento da trégua. Siga o cronograma.
1ª fase: cessar-fogo e libertação de reféns
A partir de ontem, houve a libertação de três mulheres detidas pelo Hamas. Em seguida, Israel se comprometeu a entregar 95 prisioneiros palestinos —na lista de nomes não há menção a líderes do grupo terrorista. Mas há mulheres, crianças e homens detidos sem julgamento.
Previsto para o próximo sábado, o Hamas entrega mais cinco mulheres israelenses vivas. Também neste dia, Israel deve entregar até 250 palestinos. Lentamente, os residentes do norte de Gaza serão autorizados a regressar a casa. Ao mesmo tempo, as tropas israelitas devem ser retiradas da região, especialmente do corredor Netzarim, que dá acesso a Gaza. É autorizada a entrada de ajuda humanitária aos palestinos.
Em fevereiro, as liberações devem ocorrer dos dois lados. No total, haverá 33 reféns israelenses – vivos ou mortos – e 1.904 prisioneiros palestinos, segundo o The Times of Israel.
2ª etapa: libertação de mais reféns e suspensão dos ataques
A previsão é que mais reféns vivos, como soldados e homens, sejam libertados. Há também o compromisso de entregar os corpos dos israelenses mortos. Para o Judaísmo, o corpo sem vida merece ser purificado e honrado para “entrar no mundo espiritual”. Para o Haaretz, há 98 pessoas sob o controle do grupo terrorista, das quais 36 estariam mortas.
3ª etapa: reconstrução de Gaza e articulação política na região
O debate histórico sobre o reconhecimento da Palestina como Estado continua. Israel não aceita este tema nem reconhece o Hamas como porta-voz político. Há pressão internacional para começar a reconstruir Gaza. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam 60% de destruição de edifícios, a um custo relativo de 40 mil milhões de dólares em 16 anos.
(Rodrigo Craveiro colaborou)
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