O abandono do Acordo de Paris, anunciado pelo presidente norte-americano, Donald Trump, atrasará a adaptação global às alterações climáticas, num momento já crítico para o planeta, em que o mundo ultrapassou, pela primeira vez, a marca dos 1,5ºC acima do pré- temperatura industrial. Embora nenhum país esteja imune, a conta será paga principalmente pelas nações mais pobres, que menos contribuem para as emissões de gases com efeito de estufa e que têm menos estrutura para enfrentar as consequências do aquecimento.
“Todos perderemos”, afirma Carlos Eduardo Young, professor e coordenador do Grupo de Economia Ambiental e Desenvolvimento Sustentável (Gema) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O cientista, que também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), destaca, no entanto, que os países que vivenciam extremos climáticos serão os mais afetados. “A desigualdade aumentará; as consequências socioeconômicas serão muito diferentes”, afirma. Young exemplifica o Nordeste brasileiro, que, segundo as projeções, será uma das regiões mais impactadas pelas mudanças climáticas, com desertificação e perdas agrícolas, entre outras consequências, embora contribua pouco para as emissões, sejam elas relacionadas à energia ou ao desmatamento.
“O segundo maior emissor mundial de gases de efeito estufa (o primeiro é a China) está virando as costas a um acordo histórico num ano em que os países devem apresentar compromissos mais ambiciosos antes da próxima cúpula sobre mudanças climáticas no Brasil, em novembro”, destaca Bob Ward, diretor de políticas e comunicações do Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment, em Londres. “Na prática, Trump renuncia a uma oportunidade de proteger os americanos que sofrem danos crescentes com as alterações climáticas, incluindo incêndios florestais”, avalia.
Prazo
Embora o presidente tenha anunciado a saída “imediata” do Acordo de Paris, isso não será possível, pois o documento assinado pelas partes, incluindo os Estados Unidos, estabelece um prazo de 12 meses para a retirada. Entretanto, o governo norte-americano continua vinculado ao tratado climático, cujo principal objetivo é evitar um aumento da temperatura superior a 1,5°C até 2100, com base nos níveis pré-industriais.
Os principais observatórios meteorológicos globais, incluindo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), anunciaram recentemente que, em 2024, o mundo ultrapassará esta marca. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), porém, ainda há tempo para salvar a meta, com maior empenho dos signatários do Acordo de Paris —que agora terão que trabalhar ainda mais. “Os esforços dos países que continuarem na agenda de mitigação climática serão diluídos entre eles”, observa Young, da UFRJ.
Para Chris Hillson, diretor do Centro de Leitura para o Clima e Justiça, na Inglaterra, porém, “a presidência de Trump pode acabar latindo muito e mordendo pouco”. “Outros países continuarão sem os Estados Unidos”, afirma, lembrando que, em 2017, o magnata retirou o país do acordo climático pela primeira vez. Hilson reconhece que as emissões norte-americanas representam uma grande fatia do bolo global, mas acredita que grande parte do discurso de Trump acabará por ser pura bravata.
O especialista lembra que os anúncios do presidente não são sustentáveis no cenário global. Por exemplo, o antecessor Joe Biden instituiu medidas para reduzir as emissões de metano, um importante gás com efeito de estufa. Mesmo que Trump prometa reverter as ações, se quiser negociar petróleo e gás com a Europa, não será capaz de o fazer.
Metano
“A nova lei do metano da União Europeia não permite importações de países com controlos fracos do metano. O comércio é uma das ferramentas políticas favoritas de Trump, mas também poderá ser usado contra ele se tentar envolver-se numa corrida climática até ao fundo do poço”, afirma Hilson. Carlos Eduardo Young reforça que Donald Trump está também a oferecer à União Europeia e à China a oportunidade de liderarem a transição energética, uma tendência aparentemente irreversível — a capacidade de geração a partir de fontes limpas cresceu 50% em 2023, representando 10% do Produto Interno Bruto (PIB) global naquele ano.
Da mesma forma que aconteceu em 2017, empresas, cidades e estados norte-americanos estão comprometidos em manter as metas de descarbonização. Num comunicado, a Climate Mayors, uma rede bipartidária de 350 presidentes de câmara norte-americanos que representam 46 estados, afirmou que não seguirá a política climática de Trump. “Independentemente das ações do governo federal, os Prefeitos do Clima não estão recuando em nosso compromisso com o Acordo de Paris. O custo da inacção é simplesmente demasiado elevado. Como vimos recentemente com os devastadores incêndios florestais em Los Angeles, as temperaturas extremas do verão em Phoenix e os violentos furacões na Carolina do Norte e na Flórida, os efeitos das mudanças climáticas estão à nossa porta”, escreveu Kate Gallego, presidente da rede e prefeita de Fênix.
Eletrificação
Chris Hilson, da Universidade de Reading, aposta que a indústria norte-americana continuará no caminho de uma economia descarbonizada. “À medida que a eletrificação avança, a procura de petróleo e gás diminuirá para metade. Trump é um empresário. E ele gosta de vencer. A manutenção de uma economia de combustíveis fósseis provavelmente não posicionará a economia dos EUA para a vitória. Não é uma questão climática, é uma questão de negócios.”
O Brasil, de fato, deveria rever seus planos de exploração de petróleo na Margem Equatorial, acredita Carlos Eduardo Young, da UFRJ e do RECN. “Com o ‘perfurar, querido, perfurar’ de Trump (sinalizando que haverá maior exploração de combustíveis fósseis), os Estados Unidos estão a queimar reservas de carbono. Se nós, cientistas, estivermos certos, os problemas associados às alterações climáticas irão acelerar, muito claramente, na próxima década. Serão necessárias medidas mais drásticas para reduzir as emissões.” Para ele, o investimento da Petrobras — previsto em US$ 3,1 bilhões até 2028 — não compensará as perdas. “O risco de uma crise financeira é muito alto.”
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