O legado de Elis Regina, uma das principais intérpretes da história da música popular brasileira, é mais uma vez abordado, com a versão inédita de Para Lennon e McCartney, composta por Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges e Fernando Brant, clássico do Clube da Esquina. A gravação foi registrada em single lançado recentemente pela gravadora Trama, que acaba de chegar às plataformas digitais.
A música fez parte do repertório de Luz das estrelaso LP póstumo do cantor, produzido por Max Pierre para a Philips — hoje Universal Music —, que reuniu composições inéditas, arranjadas a partir de áudio de um programa de TV Bandeirantesde 1976. O restauro foi realizado por Ricardo Camara.
Primeira grande artista a surgir no contexto dos festivais, em meados da década de 1960, influenciada por Ângela Maria, ícone da época de ouro do rádio, Elis rompeu com a Bossa Nova. Ela era a antítese do estilo musical que tinha como característica básica o tom grave e suave, ouvido no Bottles e em outros bares do Beco das Garrafas, em Copacabana, onde se apresentou, ao chegar ao Rio de Janeiro, vindo de Porto Alegre .
Mas foi vencendo o Festival TV Exelcior, em São Paulo, liberando a voz e os braços para interpretar Rede de pesca (Edu Lobo e Vinicius de Moraes), que o Brasil descobriu Elis. O sucesso foi tão grande que posteriormente ela recebeu um convite de Gravação de TV para, ao lado de Jair Rodrigues, apresentar o programa Fino da Bossa.
Ao longo de sua carreira lançou 28 álbuns — alguns icônicos, como Elis e Tom, Falso Brilhante, Aquela Mulher Isso é saudade do Brasil. Entre os clássicos de sua obra destacam-se: Madalena, Águas de Março, Como nossos pais Isso é O bêbado e o equilibrista. Pimentinha, como era chamada pelos mais próximos, também brilhou no palco, apresentando shows antológicos, cantando criações de Milton Nascimento, Ivan Lins, Renato Teixeira, Belchior, João Bosco e Aldir Blanc. Em entrevista, João Marcello Bôscoli, filho da cantora, fala sobre a importância de Elis e da relação dela com a mãe. Confira abaixo os principais trechos.
João, na sua opinião, qual a importância de Elis Regina para a música brasileira?
Para mim é muito grande a importância de Elis Regina para a música brasileira, assim como de outros grandes artistas que vimos surgir no século XX. De Chiquinha Gonzaga, que nasceu no século XIX, mas trabalhou no século XX. Carlos Gomes, Guiomar Novaes, Ernesto Nazareth, Pixinguinha e assim por diante. Cada época tem seus grandes artistas e Elis é uma das grandes artistas de sua época. Dada a distância até à sua morte, 42 anos, a sua estadia também é um caso interessante. No que diz respeito ao canto, acho que representa uma escola, como existem outras escolas de canto dentro da música brasileira.
Que lembranças você tem do seu relacionamento pessoal com sua mãe?
As lembranças da relação entre mãe e filho são algumas das melhores lembranças que tenho na minha vida. Lá fora, desde o nascimento dos meus filhos, as memórias que crio com eles são memórias iguais, às vezes até superáveis, mas essas primeiras memórias das coisas mais simples do dia a dia… minha mãe me levando para a escola, cobrindo meus cadernos, indo à feira, ouvindo música juntos, ensaiando e assistindo, na piscina, no jardim, enfim… as coisas triviais são as mais extraordinárias. Isso realmente permanece vivo para mim.
Quando ela saiu, você já sabia da contribuição de Elis para a MPB?
Quando minha mãe foi embora, eu, aos 11 anos, já reconhecia a importância dela como artista, tanto pelo que ouvia das pessoas quanto pelo que sentia. Contudo, só mais tarde é que esta percepção se consolidou. Ela era uma figura pública cuja música tocava o coração das pessoas, mas uma compreensão mais profunda veio com o tempo, à medida que eu experimentava e compreendia mais. Sempre soube da sua importância, mas a verdadeira extensão do seu contributo só se revelou com o passar dos anos.
Dos álbuns que ela lançou, qual você ouve com mais frequência?
Olha, pensando nisso, acho que acabo ouvindo Elis de três maneiras, basicamente, hoje em dia. Primeiro, é aleatório: nas redes sociais, no rádio, eventualmente na TV. A segunda está em ação, a cada álbum restauramos, remixamos e remasterizamos. É um período de imersão naquele repertório específico, né? Esse é um aspecto que adoro na minha vida e que faz parte da minha relação com ela, que é trabalhar com música. E tem um terceiro momento, quando escuto a avó dos meus filhos junto com eles. A gente escuta, eles começam a puxar o repertório. Eles também ficam sabendo pelos amigos, nas redes sociais ou até na escola. Ambos já fizeram aula sobre Elis. Então, é muito, muito interessante.
Dentre as muitas músicas gravadas por Elis, qual você considera a mais relevante e por quê?
Elis gravou músicas em um período de grande produção e muitas novidades, com composições consagradas no campo da composição no Brasil. Elis lançou várias dessas músicas de compositores e compositoras, num momento bastante efervescente. Então, você tem músicas de Gil, Milton, João Bosco, Aldir Blanc, Gonzaguinha, Ivan Lins, Belchior, Jorge Ben e Tom Jobim, não precisa citar. Edu Lobo, que ganhou no festival. É demais. Agora, existem campeões de audiência, Águas de marçoo que é impressionante, Atirando em Álvaro, como nossos pais. No próprio Spotify, há uma lista inicial surpreendente. Fora isso é difícil, porque é um trabalho que tem muita densidade, muita coisa boa, pela qualidade da composição daquele período.
O que vem depois da versão inédita de Para Lennon e McCartney?
Este single faz parte de um conjunto de 10 músicas que temos aqui. Ele é mestre de família (eu, meu irmão Pedro Mariano e minha irmã Maria Rita). Tivemos esse mestre por mais de um ano e meio. Surgiu então a oportunidade de gravar em homenagem ao seu aniversário. Tocamos durante um mês nas rádios da rede, em 12 emissoras espalhadas pelo Brasil. Isso foi realmente interessante, uma chance de apresentar a música. Agora, foi lançado nas plataformas digitais, no dia 10 de maio, véspera do Dia das Mães. Os seguintes fazem parte desta coleção. Ele tem Corsário, por exemplo. Depois precisamos conversar e decidir se tratamos essas músicas como um álbum único, com músicos, arranjos e conceitos semelhantes, ou se tratamos cada faixa de uma forma diferente. Este será o resultado de uma conversa. Naturalmente, esta resposta que estou lhe dando contribui para desenvolver o melhor caminho. A reação, a interação com a música, a resposta, tudo isso cria uma energia, um élan vital para o projeto que aponta a direção que devemos seguir.
Como o trabalho da Elis pertence, se não me engano, ao acervo da gravadora Universal, poderia haver uma parceria com a Trama, para novos lançamentos?
Nossa relação com a Universal tem sido muito boa desde o primeiro projeto, quando lançamos o DVD Ensaio em 2003. Tivemos tudo acertado e deu tudo certo. Da mesma forma, quando relançamos em Super Audio CD o Elis e Tom, falso brilhante e outros projetos Elis, nos quais continuaremos trabalhando. Quase todo o trabalho da Elis é na Universal e temos um relacionamento muito bom. Trabalhamos no catálogo deles e eles trabalham no nosso. Está tudo bem, realmente.
Há planos de lançar obras de Gal Costa, Tom Zé, Baden Powell, Jair Rodrigues e Banda de Pífanos de Caruaru?
Os artistas que você mencionou já foram digitalizados. É importante lembrar que estamos digitalizando 23 mil mídias. Alguns já estavam em HD, mas há material em fita profissional, beta digital, mini DV e outras mídias. Nosso plano é começar a disponibilizar, a partir de junho, o material já restaurado, com ajustes de áudio e upscaling para 4K. Porém, digitalizar todo o acervo é um trabalho que levará os próximos dois anos e meio a três anos. Portanto, há muito trabalho pela frente. Iniciamos esse processo há dois anos. A digitalização ocorre em nossos estúdios, Trama NaCena, na Central de Transcrição Trama, onde as fitas são organizadas e catalogadas, e em outro local onde estão todas as máquinas de reprodução. Após a digitalização, o material retorna ao estúdio. Este é um ciclo que não pode ser acelerado, pois envolve a reprodução em máquinas lineares. Temos material novo, como Elza Soares com Hermeto Pascoal, por exemplo. Além disso, temos multitracks gravados em áudio, que podem e serão remixados. Portanto, há muito conteúdo para os próximos 5 a 7 anos.
Trama revelou Max de Castro, Luciana Mello, Otto, Simoninha, entre outros. Há novos nomes a serem lançados?
Nossa, que bom relembrar todos esses artistas e tantos outros, como Rappin Hood, Fernanda Porto, DJ Marky, Patife, entre tantos nomes legais. Sim, há muitas pessoas a serem libertadas. Hoje, existe um grande fluxo de produção. Somente através do nosso distribuidor, One RPM, 20.000 novas músicas são lançadas por dia. Portanto, o desafio é realmente se destacar da multidão, encontrar o seu público, o seu público, que tenha interesse em te ouvir e poder se conectar através da música. Nosso foco aqui é a música. Acredito que tem muita gente fazendo coisas incríveis, mas talvez falte um pouco, nesse momento, para ajudar nessa cena específica da chamada MPB. Porque esta sigla é tão abrangente quanto o que realmente significa: Música Popular Brasileira. Tem muita coisa acontecendo, talvez precisemos ligar um pouco mais os pontos, as pessoas e os lugares onde isso acontece, seja no mundo digital ou fora dele.
O esboço do programa de rádio já foi preparado O novo sempre chega? Quando será o lançamento?
Estreiaremos no dia 30 de maio e iremos ao ar semanalmente, às quintas-feiras, às 22h. No essencial, o programa já está preparado: a abertura, a obra plástica, a pesquisa de repertório. Pensamos também na linha editorial das 12 rádios que fazem parte da rede Novabrasil FM. Será um espaço de descobertas musicais e conexões entre gerações de talentos.
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