A vida nas cidades, disse o naturalista americano Henry David Thoreau, consiste em milhões de pessoas sozinhas, juntas. Desde que ele afirmou isso, no século XIX, os centros urbanos passaram por transformações, como o saneamento e a iluminação pública, que tornaram a experiência menos penosa para quem sente falta do campo acolhedor. Contudo, estudos mostram que morar na cidade ainda é um desafio para a saúde mental.
De acordo com a startup norte-americana Center for Urban Design and Mental Health (UD/MH), os moradores das grandes cidades têm um risco quase 40% maior de depressão, um risco 20% maior de ansiedade e duas vezes mais chances de serem diagnosticados com esquizofrenia, em comparação com os habitantes do interior. Uma preocupação entre os especialistas é o impacto futuro nos jovens: o Fundo das Nações Unidas para a Infância estima que, em 2050, 70% dos adolescentes do mundo viverão em centros urbanos.
“Neste momento, vivemos com a maior população de adolescentes da história do mundo. Investir nos jovens é um investimento no seu bem-estar presente e no seu potencial futuro, e é um investimento na próxima geração – nas crianças que eles suportará”, destaca Pamela Collins, presidente do Departamento de Saúde Mental da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. É autora principal de um estudo publicado na revista Nature que identificou as características que as cidades devem ter para promover a saúde mental dos jovens. A equipe entrevistou mais de 400 pessoas, incluindo 327 com idades entre 14 e 25 anos, de 53 países para o estudo – Colômbia e Argentina representam a América do Sul.
“Os transtornos mentais são as principais causas de incapacidade entre jovens de 10 a 24 anos em todo o mundo”, alerta Collins. “A exposição à desigualdade urbana, à violência, à falta de espaços verdes e ao medo do deslocamento afecta desproporcionalmente os grupos marginalizados, aumentando o risco de problemas de saúde mental entre os jovens urbanos”, destaca.
Desigualdade
A psicóloga clínica e escolar Tanize Viçosa Cardoso, de Goiás, destaca a forma diferenciada como o ambiente urbano afeta seus moradores. “Temos que pensar que a classe social e o poder de compra influenciarão a forma como as pessoas vivenciam as cidades”, diz ela. “O que vai afetar a saúde mental de uma pessoa que mora, por exemplo, na Asa Norte e trabalha em casa, pode ser diferente do que vai influenciar na saúde mental de uma pessoa que mora em Taguatinga e precisa trabalhar todos os dias no Plano Piloto , gastando, em média, duas horas de deslocamento”, afirma.
No estudo, os investigadores utilizaram um modelo baseado em seis níveis – pessoal, interpessoal, comunitário, organizacional, político e ambiente – para categorizar uma cidade amigável do ponto de vista da saúde mental. Dentro destes domínios, as características basearam-se no impacto imediato na saúde mental dos jovens.
As conclusões indicam que a criação de uma cidade que promova a saúde mental dos jovens requer investimentos em múltiplos setores interligados, como os transportes, a habitação, o emprego, a saúde e o planeamento urbano, com foco central na equidade social e económica. Os participantes do estudo também exigem políticas de planeamento sustentáveis, sem expandir os privilégios existentes. “Uma cidade que respeita a saúde mental tem baixos níveis de discriminação e favorece a equidade. Neste e em outros estudos semelhantes, destaca-se a importância dos espaços verdes, que não só proporcionam uma vida mais saudável, mas também oportunidades de socialização mais saudável”, afirma Filka Sekulova , pesquisador de Ciências Sociais da Universidade Aberta da Catalunha, na Espanha, que não participou do estudo.
Aos 31 anos, Heloí Fernandes, moradora da Área Octogonal, em Brasília, concorda que o planejamento urbano influencia a saúde mental. “Somos animais sociáveis por natureza e uma das nossas necessidades mais básicas é a interação com outras pessoas. Então é muito importante que uma cidade proporcione isso, seja com parques, museus, locais onde possam ser realizados eventos culturais, ou até mesmo uma cidade que seja visualmente acolhedor”, acredita. “Concordo que a presença de áreas verdes na cidade como um todo, e não apenas nos parques, é um elemento importante para a saúde mental. Uma cidade concreta traz muitos problemas, como calor excessivo, enchentes e, consequentemente, afeta a vida cotidiano das pessoas.”
Três perguntas para Bárbara Campos, arquiteta e urbanista e professora da Faculdade Anhanguera de Brasília
Como o urbanismo se relaciona com a saúde mental?
Se pensarmos que o tempo que vivemos nas cidades é relativamente novo para o ser humano, a sociedade passou muito mais tempo em contato direto com a natureza. Ao morar na cidade, onde vemos mais concreto, poluição e menos verde, tornamos viver em algo opressivo e nossa saúde mental é diretamente afetada pelo ambiente em que vivemos, com isso, a sociedade tem uma forte tendência a voltar a ser mais lugares arborizados para alegrar o dia. diariamente nas cidades.
Pensar não só na funcionalidade e na beleza de uma cidade, mas também investir em estratégias de bem-estar, é um novo conceito de urbanismo?
Acredito que hoje temos uma grande tendência a pensar no bem-estar das pessoas, sim, como uma prioridade geral, tanto no urbanismo como na arquitetura. Uma cidade planejada para os carros e não para os seres que a habitam não está funcionando, mas ainda acho que temos um longo desafio pela frente, que deve ser assumido por nós, sociedade.
De modo geral, você considera que o planejamento urbano de Brasília favorece o bem-estar mental de seus moradores?
Quando falamos de Brasília, uma cidade que foi planejada, temos um bom urbanismo que não foi pensado no futuro que a cidade poderia se tornar. Este é o dilema que temos à medida que continuamos a planeá-lo, limitando o bem-estar às pequenas áreas verdes entre os edifícios, que são o espaço para respirar da cidade. Nas regiões administrativas temos uma grande carência de planejamento urbano.
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