O Brasil exporta anualmente cerca de 45 mil toneladas de borracha natural, ou látex. Mercado que gerou US$ 73 milhões no ano passado, segundo o sistema de dados do comércio exterior brasileiro administrado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). São Paulo é o estado que mais produz e exporta látex – responsável por 70% da produção nacional.
Embora os números pareçam impressionantes, as exportações brasileiras de látex estão caindo. Entre 2023 e 2024 a redução foi de 21% e, segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a atividade está em crise, pois enfrenta preços de venda muito baixos, num nível que impossibilita a manutenção da produção. Além disso, a borracha brasileira tem um custo de produção superior ao da borracha asiática.
Segundo a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), um dos grandes problemas em relação à competitividade do produto nacional com o produto asiático é o alto custo atribuído à implantação e manutenção dos seringais brasileiros. , já que toda a operação de extração do látex ocorre manualmente no país. Esses trabalhadores são chamados de sangradores, responsáveis pelo manejo da sangria e obtenção do produto final.
O Brasil já foi o maior produtor de borracha do mundo. Entre 1870 e 1910, com inúmeras dificuldades logísticas, o país exportou em média 16 mil toneladas de borracha bruta para o Reino Unido e os Estados Unidos, segundo o professor Felipe Tamega Fernandes, doutor em história econômica pela London School of Economics. “A hévea [seringueira] foi a base do poder de mercado brasileiro no mercado de borracha: graças a uma combinação de qualidade e quantidade, a Amazônia brasileira assumiu posição de liderança no mercado mundial de borracha bruta”, afirma o pesquisador.
Naquela época, o látex servia para atender às demandas globais impostas pela Revolução Industrial, mas, a partir de 1910, as seringueiras plantadas na Ásia começaram a produzir, e houve uma queda na exportação da borracha brasileira, encerrando o primeiro ciclo da borracha. na Amazônia. .
O látex produzido na Malásia foi utilizado na produção de pneus e artefatos de guerra nos Estados Unidos, mas, com a Segunda Guerra Mundial, conflitos geopolíticos impediram a continuidade do comércio, no exato momento em que os Aliados precisavam de insumos. Os norte-americanos fizeram um acordo com o Brasil para retomar as exportações de látex e o governo brasileiro, por sua vez, mobilizou e alistou trabalhadores – a grande maioria do Nordeste – como soldados da borracha, iniciando o segundo ciclo da borracha.
Reenquadramento
Hoje, em plena Amazônia, descendentes desses trabalhadores recontam histórias de seus pais e avós e alguns ressignificam a missão adotada em 1945 por meio do empreendedorismo, mantendo a dinâmica da sustentabilidade e do respeito à floresta. É o caso de José Rodrigues de Araújo, de 51 anos, conhecido mundialmente como Doutor da Borracha.
Natural do Acre, Doutor da Borracha mora na cidade de Epitaciolândia, município com pouco mais de 18 mil habitantes. Ele extrai látex e produz sapatos e acessórios originais, de forma manual e artesanal, e vende o produto amazônico para todo o mundo.
A marca Dr da Borracha foi criada em 2007 e atualmente é vendida em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte. Clientes fiéis também utilizam o produto nos Estados Unidos, Portugal, Grécia, China e Suíça. Os sapatos de borracha seringa já desfilaram na Expo Milano, na Itália, em 2014. “Vendemos bem. Sempre me surpreendo, porque todos os dias aparecem pessoas novas. E quem comprou há 10 anos sempre tenta comprar um modelo novo todo ano e conta para os amigos que o calçado é bom”, afirma.
Ciência como aliada
Toda a produção, desde a extracção do látex até à confecção dos sapatos, é feita pela família de José Rodrigues e alguns vizinhos. Cerca de 10 pessoas estão envolvidas no processo, incluindo o design e a criação do designer do calçado. O empresário participou de cursos e treinamentos onde combinou conhecimentos tradicionais com técnicas desenvolvidas pelo professor Floriano Pastore Júnior, por meio do projeto Tecnologias da Borracha para a Amazônia para produção de Folha de Fumaça Líquida (FDL).
Doutor em tecnologias químicas e biológicas pela Universidade de Brasília (UnB), Pastore Júnior é responsável por desenvolver quatro técnicas para melhorar o uso do látex. Um deles, o FDL, foi compartilhado com o Doutor da Borracha durante curso realizado no Acre. “O médico pegou essa técnica e fez uma coisa espetacular: desenvolveu uma técnica de colar uma tira na outra sem tirar depois, e com isso desenvolveu uma versatilidade muito grande e faz sapatos maravilhosos”, relatou a pesquisadora.
O professor destaca que o trabalho dos seringueiros na Amazônia deve ser respeitado e valorizado, pois é fundamental para a preservação do bioma. “É importante dizer que o seringueiro amazônico é o guardião da floresta e merece maior respeito da população brasileira e do governo. Precisa de todo o apoio. Se houver incentivo, a produção pode ser melhorada, o emprego e a renda podem ser aumentados e a proteção da Amazônia pode ser aumentada”, enfatiza o pesquisador.
No mesmo sentido, a ONG WWF-Brasil defende que, ao utilizar a borracha natural amazônica em vez da borracha plantada em florestas artificiais, os empresários e o setor produtivo, em geral, podem ajudar a conservar a biodiversidade amazônica.
Reconhecimento global
O trabalho desenvolvido na Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) Seringal Nova Esperança pelo Doutor da Borracha no Acre rendeu a José Rodrigues de Araújo reconhecimento mundial. Conduziu a tocha olímpica em 2016, durante uma visita ao Norte do país, e recebeu prémios mundiais de empreendedorismo e turismo sustentável. “Fui considerado um dos maiores ambientalistas do mundo em 2006 e 2022, no Top 100 mundial. O Parque Ecológico Doutor da Borracha virou atração turística e hoje estou montando um ambiente para contar a história dos seringueiros, quando eles vieram do Nordeste para a Amazônia”, comentou.
Orgulhoso, Doutor da Borracha sente-se seguro e satisfeito com o trabalho que desenvolve de forma respeitosa e sustentável com a natureza. “Se eu continuasse desmatando, me sentiria inseguro vivendo assim. Mas, com a forma como trabalho, sinto-me firme. A sensação é muito boa, porque consegui levar a história do meu avô e do meu pai para fora do Brasil. Me sinto muito feliz por Deus ter me dado esse dom, como artista, como artesão, e por eu ter conseguido fazer essa troca na borracha e ser valorizado”, afirma José Rodrigues de Araújo.
Você gostou do artigo? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê sua opinião! O Correio tem espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores através do e-mail sredat.df@dabr.com.br
ge esporte
globo online
globo esporte site
uol melhor conteúdo
globo noticias de hoje