Por Claudia Abrosio e Vitória Machado de Madureira — Carros sustentáveis. Este é um dos anseios de um futuro mais ecológico para as próximas décadas, que parece estar em alta velocidade no Brasil e que nos leva à seguinte questão: até que ponto esse cenário é viável em nível nacional? Para atender a essa demanda, percebemos a implementação de diversos programas voltados à função extrafiscal dos tributos, como o Programa de Inovação em Mobilidade Verde (Mover), e algumas reflexões sobre a Reforma Tributária (EC nº 132/2023), especialmente em relação ao Imposto Seletivo (IS).
O Mover foi instituído pela MP nº 1.205/2023, que atualmente tramita com urgência na Câmara dos Deputados, em paralelo ao PL nº 914/2024. O IS, por sua vez, embora ainda pendente de regulamentação específica em direito comum quanto à fixação de suas alíquotas, foi inicialmente regulamentado no PLP nº 29/2024, apresentado em março, em relação às suas disposições gerais e, recentemente, no PLP nº 68/ 2024, apresentada no final de abril, que estabelece a Lei Geral do IBS, CBS e IS.
No caso da indústria automobilística, é possível observar a utilização da função extrafiscal, abrangida pelo critério de seletividade, para proteção do meio ambiente, reforçando a ideia de que a eficiência ambiental deve ser levada em conta para garantir menor ou maior carga tributária. Contudo, até que ponto este critério é, de facto, selectivo e eficaz na vida quotidiana?
O fato é que a função extrafiscal pode ser implementada de diferentes formas no sistema tributário, como adoção de técnicas progressivas e alíquotas diferenciadas, concessão de isenções e outros incentivos fiscais.
É neste ponto que a Mover pretende descarbonizar a indústria automobilística, através da concessão de benefícios fiscais, como a diferenciação progressiva das alíquotas do IPI para veículos que atendam requisitos estabelecidos em ato específico, considerando a variação mínima de (I) 2% com em relação à eficiência energética, (II) 1% de desempenho estrutural e tecnologia de auxílio à direção e (III) 2% em relação à reciclabilidade, a partir de janeiro de 2025, além de considerar as particularidades dos veículos, como a fonte de energia e tecnologia de propulsão, potência do veículo e pegada de carbono.
Estima-se também que até 31 de dezembro de 2026, os veículos híbridos terão uma diferença de alíquota de até 3% em relação aos veículos convencionais. Uma inovação em relação ao seu antecessor, o Rota 2030, é a inclusão das medidas (I) “ciclo do poço à roda” e, a partir de 2027, (II) “ciclo do berço ao túmulo”, que parecem considerar a produção processo em sua totalidade, incluindo a extração de recursos naturais e a fabricação de autopeças na montagem e descarte de veículos.
O programa também prevê a concessão de créditos financeiros em relação aos gastos relacionados à Pesquisa e Desenvolvimento, desde que atendidos requisitos específicos estabelecidos pelo MDIC e pela Portaria GM/MDIC nº 43/2024.
Por outro lado, sabe-se que, no que diz respeito aos SI, a seletividade é atribuída a bens ou serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, tendo como principal função incentivar ou desencorajar o consumo de determinada operação (produção, extração , comercialização ou importação).
No PLP nº 68/2024 foi definido que o IS, conforme já previsto no PLP nº 29/2024, terá alíquotas progressivas, que, assim como no Mover, considerarão as especificidades do veículo: (a) potência; (b) eficiência energética; (c) desempenho estrutural e tecnologias de apoio à direção; (d) reciclabilidade de materiais; (e) pegada de carbono; e (f) densidade tecnológica.
O PLP nº 68/2024 também trouxe a possibilidade de redução a zero da alíquota do IS para veículos classificados como sustentáveis, cuja possibilidade de registro também está prevista na MP nº 1.205/2023, que deve atender a critérios específicos relacionados às emissões de dióxido de carbono (eficiência energética ambiental). ), considerando o ciclo do poço à roda, a reciclabilidade do veículo, a realização das etapas de fabricação no país e a categoria do veículo.
Ressalte-se que o PLP nº 29/2024 também prevê que a Lei Complementar que institui o SI deverá estabelecer metas relacionadas à proteção do meio ambiente e da saúde, condição que ainda não foi bem estudada pelo Projeto de Lei Geral, o que torna nos indica que a seletividade do imposto ainda é duvidosa.
Porém, como já demonstrado em outros artigos por nós, esta tarefa deve ser realizada com cautela e razoabilidade. Bem então. Outro fator importante é que, quando falamos em veículos sustentáveis, como os carros elétricos, enfrentamos dificuldades práticas pouco exploradas pelo governo: falta infraestrutura, como a ausência de pontos de recarga para carros elétricos plug-in ; e a desigualdade social, dado que os carros elétricos e híbridos são, em regra, mais caros que os convencionais, entre outros.
O fato é que a atuação do Estado deve observar não apenas a fiscalização, mas os incentivos e o planejamento prévio, de forma que a função extrafiscal deve levar em conta todos os aspectos socioeconômicos, realizando esforços entre as políticas fiscais e as políticas públicas capazes de garantir a sua verdadeira eficácia.
Agora, se o objetivo é garantir o consumo e a produção sustentáveis, na prática, devem ser promovidos meios que possibilitem o acesso a todos os setores, interligando as cadeias produtivas e a população. Isto inclui mesmo a atribuição de um papel específico com o objectivo de atingir o objectivo do SI e fazer justiça à sua função, o que ainda nos parece muito tímido e nos leva à seguinte questão: o papel principal será desencorajar o consumo que é prejudicial ao meio ambiente ou aumenta a receita?
Até o momento, os veículos sustentáveis parecem ser o foco das disputas legislativas em relação aos SI, mas vale lembrar que eles, por si só, não são responsáveis pela calamidade ecológica em que vivemos e nem serão os heróis do meio ambiente. Isso porque, para garantir um ambiente ecologicamente equilibrado para as próximas gerações, é necessário que todos os setores sejam observados, bem como seus efeitos. Além disso, não podemos esquecer que a extrafiscalidade é um mecanismo auxiliar, que deve atuar em conjunto com outras políticas públicas.
Ao final, percebemos que, neste momento de alvoroço legislativo, o importante é garantir que esse mecanismo extrafiscal não perca o seu propósito principal: garantir a proteção do meio ambiente e da saúde. Afinal, as políticas públicas com fins extrafiscais devem ser concedidas por prazo determinado, até que seu objetivo seja alcançado.
*Claudia Abrosio é sócia do Ayres Ribeiro Advogados, com mestrado em direito constitucional e processual tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
*Vitória Machado de Madureira é advogada tributária do Ayres Ribeiro Advogados e formada em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
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