Parecia mais um campo de batalha. De um lado, manifestantes armados com paus e pedras. Por outro lado, a polícia usou canhões de água, bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha na tentativa de conter a multidão enfurecida. O caos irrompeu do lado de fora do prédio do Congresso, no coração de Buenos Aires, enquanto os senadores debatiam um megapacote de reformas consideradas cruciais para o presidente ultraliberal Javier Milei, dois dias depois de ele completar seis meses no governo. Por volta das 23h30 desta quarta-feira (12), o Senado aprovou o texto geral com o voto de desempate de Victoria Villaruel, presidente da Câmara e vice-presidente do país. Durante a noite, os senadores votariam cada ponto do projeto. Com aprovação geral, irá para votação na Câmara, que deverá ocorrer no início da próxima semana.
Mais cedo, na noite de quarta-feira (6/12), o gabinete de Milei divulgou nota nas redes sociais em que “parabeniza as forças de segurança pela excelente atuação na repressão aos grupos terroristas, que, com paus, pedras e até granadas, tentaram um golpe de Estado”. ‘état, atacando o normal funcionamento do Congresso da Nação Argentina”.
Em discurso durante conferência do Instituto Cato e da Fundação Liberdade e Progresso, intitulada “O renascimento da liberdade na Argentina e no mundo”, Milei falou sobre os incidentes violentos. “Não descarte a metodologia de jogar mortos nas ruas”, alertou. “Esperamos continuar com o sucesso que alcançámos e ter dois mandatos, para iniciar a era liberal”, acrescentou, admitindo que irá tentar a reeleição.
Segundo o jornal argentino Clarin, a manifestação foi organizada por entidades de esquerda e movimentos grevistas. No momento em que este artigo foi escrito, 29 pessoas haviam sido detidas. O motim começou quando os manifestantes tentaram superar as barricadas montadas para isolar o Congresso. A polícia repeliu violentamente o avanço, o que provocou a fúria da multidão. Pedras foram atiradas contra a polícia. Dois carros pegaram fogo perto do prédio —incluindo um da rádio Cadena 3.
Cinco deputados peronistas (oposição) participaram da manifestação e tiveram que ser hospitalizados após serem atingidos por gás lacrimogêneo: Eduardo Valdés, Carlos Castagnetto, Leopoldo Moreau, Juan Manuel Pedrini, Carolina Yutrovic e Luis Basterra. Pelo menos 20 policiais ficaram feridos.
Na pauta, os senadores tratavam da Lei Básica, texto de 238 artigos e versão reduzida em um terço da Lei Omnibus que fracassou na votação de fevereiro, na Câmara. Entre outras medidas, a Lei Básica amplia os poderes de Milei, ao delegar poderes do Legislativo ao Executivo, estabelecendo incentivos para grandes investimentos ao longo de três décadas e privatizando empresas públicas.
“É um dia muito violento, em 40 anos de democracia nunca vi uma repressão como esta”, disse a deputada da oposição Cecilia Moreau à France-Presse (AFP). O debate estava previsto para durar até a madrugada de hoje. O senador da oposição Mariano Recalde admitiu à AFP que a reforma laboral prevista na Lei Básica “regressa ao século passado, quando os trabalhadores não tinham direitos laborais;
“O governo Milei está disposto a enfrentar qualquer custo político da repressão, pois necessita da aprovação da Lei Básica”, explicou ao Correspondência Miguel De Luca, professor de ciência política da Universidade de Buenos Aires (UBA). Ele não acredita que a repressão violenta terá um impacto negativo nos eleitores durões de Milei. “Quem votou no atual presidente pede lei e ordem. Entre os eleitores linha-dura de Milei, é possível que alguns até tenham usado paus para espancar os manifestantes”, brincou.
Negociações
Sonia Ramella, especialista em participação cidadã e cientista política da Universidade del Salvador (em Buenos Aires), disse ao repórter que trabalhava a oito quarteirões do Congresso. “Pudemos perceber que seria um dia muito pesado e difícil. Tinha muita gente com bandeiras e coletivos. Sabíamos que a situação seria complicada”, comentou. “Em relação às consequências políticas, é difícil projetar o que acontecerá depois da votação e da repressão. O governo de Milei é minoritário e tem apenas sete senadores. Por isso, teve que fazer negociações”.
O estudioso lembra que esta não é a primeira vez que a Argentina presencia cenas de violência durante manifestações. “Durante o governo de Mauricio Macri, quando foram votadas as leis de ajuste, houve situações semelhantes. Não há como mensurar, de forma real e tangível, a tradução desses incidentes de hoje (ontem) em apoio a Milei”, disse Ramella.
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