Somente após o aumento da temperatura é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu criticar o Projeto de Lei 1.904/24 — que equipara o aborto, após a 22ª semana de gestação, ao homicídio. Na entrevista coletiva que concedeu após o encerramento da Cúpula do G7, classificou o PL como “uma loucura”. O presidente, porém, fez questão de destacar que, pessoalmente, é contra o aborto.
“Eu, Luiz Inácio Lula da Silva, fui casado, tive cinco filhos, oito netos e uma bisneta. Sou contra o aborto. Porém, como o aborto é uma realidade, precisamos tratá-lo como uma questão de saúde pública. É uma loucura alguém querer punir uma mulher com pena maior que a do criminoso que cometeu o estupro. Isso é, no mínimo, uma loucura”, enfatizou.
As críticas de Lula fecham a posição de oposição do governo ao PL. Para o presidente, o Brasil trata o tema de forma “civilizada” devido à lei existente sobre a interrupção forçada da gravidez.
“Tenho certeza de que o que está na lei já garante, de forma civilizada, tratar o estuprador com rigor e respeito à vítima. rigorosamente que o estuprador, não é sério, sinceramente, não é sério”, criticou, acrescentando que se aprofundará no assunto quando retornar ao Brasil.
Se o PL 1.904, que tramita com urgência na Câmara dos Deputados, for aprovado, o país terá uma legislação mais dura do que a das nações governadas pela Sharia —conjunto de leis islâmicas baseadas no Alcorão—, que prevê até sete anos de prisão para a mulher que aborta.
Atraso
Apesar da indignação de Lula, ele está atrasado para o debate que ocorre desde que a urgência do PL foi aprovada, na terça-feira, de forma simbólica e em apenas 24 segundos. O presidente foi questionado sobre o tema em Genebra, na Suíça, mas evitou comentar. Na última quinta-feira, após sair da 112ª Conferência Anual da Organização Mundial do Trabalho (OIT), ele respondeu ao repórter que queria saber o que ele achava do projeto: “Você acha que não é justo – acabei de sair de uma palestra – vir falar sobre algo que está sendo discutido na Câmara Deixa eu voltar ao Brasil e fazer um balanço da situação Aí você pergunta e eu vou falar com você”, reagiu.
Mas antes que Lula evitasse comentar o PL, a articulação política do governo estava sendo criticada — especialmente nas redes sociais, de onde veio a principal mobilização contra o projeto do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) — por não se esforçar para evitar o avanço na Câmara. Acima de tudo, surpreendeu a reação do líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), ao afirmar que a proposta “não é do interesse do governo”.
Na sexta-feira, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha — que até então não havia feito nenhum comentário sobre o PL — deixou o silêncio de lado. “Não contem com o governo para nenhuma mudança na legislação sobre o aborto no país. Principalmente um projeto que estabelece uma pena para meninas e mulheres estupradas que pode ser até duas vezes maior que a do estuprador”, alertou em um comunicado social. rede.
Lula chega ao debate depois que a primeira-dama Janja — que até sexta-feira também não havia comentado o projeto — publicou um longo pronunciamento no X (antigo Twitter). “É preocupante para nós, como sociedade, que este projeto tramite sem a devida discussão nas comissões temáticas da Câmara. Os proponentes do PL parecem desconhecer as batalhas que mulheres, meninas e suas famílias enfrentam para exercer seu direito à justiça e o aborto seguro no Brasil Isso agride a dignidade das mulheres e meninas, garantida pela Constituição Cidadã.
Até então, apenas as ministras Cida Gonçalves (Mulheres), Anielle Franco (Igualdade Racial), Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Marina Silva (Meio Ambiente e Mudanças Climáticas), além do ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos e Cidadania), eram os vozes do governo federal contra o PL.
Votação rápida e reação intensa
A Câmara aprovou a urgência do PL na última quarta-feira. A votação rápida ocorreu sem que o nome do projeto fosse mencionado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quando discutido no plenário. Alguns parlamentares nem perceberam o que estava sendo votado. Houve reclamações principalmente do PSol, que é contra a iniciativa.
Após forte reação contrária, Lira afirmou que nomearia um relator para a matéria que produziria um parecer “equilibrado” —especulou-se que a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), que é evangélica, poderia denunciar o PL, mas com a oposição do governo ao assunto tornou-se provável. Sóstenes Cavalcante, por sua vez, anunciou que pretende apresentar uma emenda aumentando a pena do estuprador para 30 anos —na versão atual do projeto, o agressor teria pena menor do que a da mulher que sofreu violência sexual.
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