O mundo hoje está claramente dividido em dois grandes grupos de países, dependendo da forma como são governados. Um grupo são os países não democráticos, aqueles em que o poder é exercido de forma autocrática, sem controlo social e sem a verdadeira separação de poderes. Alguns destes países mantêm uma fachada de instituições democráticas, realizando eleições controladas e mantendo algum tipo de Parlamento aberto, na velha tradição de o vício honrar a virtude. Neles governa-se pela força e pelo medo.
O outro grupo são os países democráticos, aqueles em que os governantes são escolhidos livremente pela população e em que os governos são responsáveis perante o povo. Nas democracias reais, os mandatos não são procurações em branco e as agendas governamentais têm de acompanhar as mudanças na opinião pública. Nas democracias atuais, as opiniões formam-se sem controlo e as maiorias são efémeras, obrigando os governos a manter agendas abertas e flexíveis em resposta às opiniões dos grupos relevantes, sob pena de se isolarem e perderem legitimidade política. Eles são regidos pelo livre consentimento e de acordo com as leis.
Faço estas digressões inspirado nas recentes eleições para o Parlamento Europeu e nas atuais adversidades do governo Lula. Como foi anunciado detalhadamente, os resultados das eleições na União Europeia expuseram movimentos interessantes na opinião pública.
Em geral, a maioria não mudou, com o centro político mantendo o controlo do Parlamento. Centro-direita, centro-esquerda e liberais elegeram 403 parlamentares de um total de 720. O avanço anunciado da direita radical não foi o previsto. A nível nacional, porém, vários governos sofreram derrotas importantes, revelando uma mudança de opinião que não poderia ser ignorada, como, por exemplo, em França, Alemanha e Bélgica. Na Itália ocorreu o contrário, com grande fortalecimento da primeira-ministra de direita, Giorgia Meloni. Nada disso parece importar para nós, que temos nossos próprios problemas. Mas há lições a serem aprendidas.
A vitória do líder italiano não representou simplesmente um fortalecimento da extrema direita. Os dois principais partidos de direita, Força Itália e Liga Norte, de Matteo Salvini, aliado dos Bolsonaros, foram reduzidos a quase nada. Giorgia Meloni no poder abandonou as agendas mais radicais e alinhou-se com o centro da política europeia na questão do apoio à Ucrânia e outras questões de política externa. Pode-se chegar ao poder com um discurso mais radical, mas na democracia só o centro tem permanência.
Em França, o Presidente Macron, confrontado com os resultados eleitorais, admitiu que tinha perdido a maioria e tentou convocar eleições parlamentares imediatamente, para determinar qual a maioria que deveria governar o país, num claro sinal de submissão à voz popular. Na Bélgica, dado o sentimento expresso nas urnas, o governo demitiu-se espontaneamente.
Todos estes casos são o melhor que a democracia nos oferece. E quanto a nós? O governo Lula não foi eleito para executar o programa do seu partido. Nas eleições de 2022, o PT elegeu apenas 67 deputados federais, 9% da Câmara. No Senado, há apenas nove senadores, 11% do total. Porém, o presidente formou um governo inteiramente a partir do PT: Casa Civil, Fazenda, Educação, Saúde e todos os ministros que atuam no Palácio do Planalto. Sem falar nos presidentes do Banco do Brasil, da Petrobras e do BNDES. Os outros partidos têm ministérios periféricos, quase todos ocupados por políticos periféricos sem autonomia. É essencialmente um governo petista e, portanto, um governo que escolheu ser minoritário e impor as suas ideias e vontade à maioria.
A democracia não funciona assim. O resultado é a polarização da sociedade, a baixa aprovação do presidente, o conflito permanente com o Poder Legislativo e o embate constante com o setor produtivo e o mercado financeiro. Não são conversas que faltam, mas sim uma mudança de agenda, para que o governo governe para a maioria, por consentimento e não pela força.
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