Os acusados de planejar a morte do vereador do Rio Marielle Franco (PSOL) tornaram-se réus nesta terça-feira (18) por decisão unânime da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
Domingos Brazão, assessor do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE); Chiquinho Brazão, deputado federal (sem partido-RJ); Rivaldo Barbosa, ex-diretor da Polícia Civil do Rio; e o ex-policial Ronald Paulo de Alves responderá criminalmente pelas acusações de homicídio qualificado e tentativa de homicídio da assessora Fernanda Chaves.
Domingos Brazão, Chiquinho Brazão e Rivaldo Barbosa já haviam sido presos preventivamente em março. Segundo o portal G1, Ronald Paulo de Alves já cumpria pena por outros crimes (quatro homicídios e ocultação de cadáver).
Os irmãos Brazão e o ex-assessor Robson Calixto Fonseca também responderão por organização criminosa.
Marielle e o motorista Anderson Gomes foram mortos a tiros em 2018, quando estavam em um carro no centro do Rio. Fernanda Chaves, que também estava no veículo, sobreviveu.
Segundo fonte da Polícia Federal (PF) entrevistada pela BBC News Brasil, a morte foi ordenada devido à resistência de Marielle e da bancada do PSOL a um projeto de lei que regularizaria condomínios na zona oeste do Rio, onde há controle bairros por milicianos que operam empreendimentos imobiliários ilegais.
Como Chiquinho Brazão é parlamentar e tem prerrogativa de foro, a ação seguiu para o STF.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF, se mostrou favorável à continuidade do caso, e estava acompanhado dos demais ministros da Primeira Turma: Flávio Dino, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
A denúncia foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) — que, na avaliação de Moraes, trouxe provas suficientes para comprovar as acusações decorrentes da delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, que confessou ter cometido o homicídio.
As defesas dos acusados rejeitaram as acusações e negaram que houvesse provas suficientes para apoiar as acusações.
Segundo o site do STF, o advogado Marcelo Ferreira de Souza, que defende Rivaldo Barbosa, refutou na Justiça que seu cliente tenha sido indicado para a chefia por interesses políticos e que tenha interferido nas investigações em favor dos demais réus.
O advogado Cléber Lopes de Oliveira, que defende Chiquinho Brazão, afirmou que o político tinha uma “relação de respeito com Marielle” e não teria participado do crime.
A BBC News Brasil tentou contato com a defesa de Domingos Brazão pelo telefone do escritório de advocacia e com a defesa de Robson Calixto Fonseca por e-mail, mas ainda não obteve resposta.
A reportagem também busca contatos de defesa de Ronald Paulo de Alves.
Os irmãos Brazão
Os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão têm envolvimento de longa data na política do Rio de Janeiro.
Chiquinho Brazão, o mais velho, é deputado federal pelo RJ. Logo após o pedido de sua prisão preventiva, o União Brasil, até então seu partido, decidiu expulsá-lo do partido.
Porém, em votação na Câmara em abril para decidir se sua prisão preventiva seria mantida — e foi —, vários representantes da União Brasil votaram pela sua saída da prisão.
O Conselho de Ética da Casa também avalia uma representação contra ele que pode levar à perda do mandato.
Em outubro de 2023, Chiquinho havia sido indicado pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), para a Secretaria Especial de Ação Comunitária, mas deixou o cargo após o nome de sua família ser citado no depoimento de Elcio Queiroz, ex-PM preso sob acusação de ter dirigido o carro utilizado no dia do assassinato de Marielle e Anderson.
Domingos Brazão mantém o cargo de conselheiro do TCE.
Ex-deputado estadual e empresário de combustíveis, Domingos venceu a primeira eleição em 1996, quando se tornou vereador na capital fluminense.
Sua base eleitoral é a zona oeste do Rio, berço das milícias no estado. Em 2000, disputou a prefeitura, mas ficou em oitavo lugar —seu desempenho sempre foi regional.
Teve mais cinco mandatos como deputado estadual. Interrompeu a quinta em 2015, quando foi eleito conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Como político, integrou o PL, o PT do B e o PMDB (hoje MDB).
Polêmico, Brazão teve seu nome incluído no Relatório Final da CPI das Milícias da Assembleia Legislativa do Rio, em 2007. Foi citado no depoimento do vereador Josinaldo Francisco da Cruz, o Nadinho de Rio das Pedras, como um político que fez campanha na comunidade.
O atual conselheiro do Tribunal de Contas sempre negou acusações de alegado envolvimento em crimes e irregularidades. Ele os atribuiu às disputas políticas e à luta por votos e redutos eleitorais.
Brazão admitiu, porém, que já havia matado um homem. Ele contou o episódio por causa de uma discussão com a deputada Cidinha Campos (PDT), no plenário da Alerj em 2014. A parlamentar acusou o adversário de homicídio.
“Sim, matei alguém”, disse Brazão, que também reconheceu ter sido preso pelo crime, mas afirmou ter sido absolvido, segundo o jornal O Dia.
“Mas isso foi há mais de 30 anos, quando eu tinha 22 anos. Foi um criminoso que veio à minha rua, à minha casa, no meu aniversário, para confrontar a mim e à minha família.
O mandato de Brazão na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) foi cassado em 2011 pela Justiça Eleitoral. A acusação foi de compra de votos nas eleições de 2010, em urnas na zona oeste. Não durou muito: uma liminar do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) devolveu-lhe o lugar na Câmara e na política.
Uma delação premiada do ex-presidente do TCE Jonas Lopes de Carvalho Júnior levou à prisão temporária de Brazão e de outros quatro conselheiros judiciais, além de um conselheiro aposentado, em março de 2017. Na Operação Quinto do Ouro da Polícia Federal, implantação local de Lava Jato, Lopes denunciou um suposto esquema de suborno.
Os presos, afastados de seus cargos, negaram envolvimento em irregularidades e foram libertados em abril de 2017. Brazão retornou ao cargo no TCE, em março de 2023, por ordem do Tribunal.
Nas investigações sobre a morte de Marielle, em junho de 2018, o conselheiro prestou depoimento, sob suspeita de plantar informações falsas para atrapalhar a investigação. Chiquinho Brazão negou a acusação.
Em 2019, foi denunciado pela PGR, junto com outras quatro pessoas, por supostos crimes cometidos para dificultar as investigações, mas foi absolvido.
A ação foi arquivada definitivamente em janeiro do ano passado.
Delegado Rivaldo Barbosa
Rivaldo Barbosa, ex-diretor da Polícia Civil do Rio de Janeiro, assumiu o comando do órgão um dia antes da morte de Marielle.
Ele é suspeito de ter usado seu cargo para proteger os irmãos Brazão e impedir que as investigações chegassem aos dois.
Barbosa chefiou a polícia entre março e dezembro de 2018 —deixando o cargo após a posse do ex-governador Wilson Witzel.
Formado em Direito pela UniSuam em 1997, cursou MBA em Inteligência e Estratégia pela Universidade Salgado de Oliveira.
Tornou-se delegado na década de 2010, quando foi diretor da Delegacia de Homicídios, de 2012 a 2015. Sua atuação à frente de uma equipe reforçada, nos governos de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, resultou no aumento da solução de casos de homicídio no rio.
Anteriormente, Barbosa foi Subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança (Seseg), de 2008 a 2011, além de vice-diretor da Divisão de Inspeção de Armas e Explosivos (DFAE) e chefe da Assessoria de Planejamento.
Barbosa foi nomeado chefe da Polícia Civil durante a intervenção federal de segurança pública no Rio de Janeiro, decretada pelo então presidente Michel Temer em 2018 após uma explosão de crimes durante o Carnaval.
Durante a primeira fase das investigações do caso Marielle, ele garantiu que haveria comprometimento com a investigação e que o crime não ficaria impune.
O então delegado se opôs à federalização das investigações do duplo homicídio.
Após sua prisão preventiva, em março deste ano, diversas pessoas próximas a Marielle relataram decepção com a notícia de seu suposto envolvimento no caso.
Em postagem no X (antigo Twitter), Marcelo Freixo, que na época do crime era deputado estadual pelo PSOL, escreveu: “Foi para Rivaldo Barbosa para quem liguei quando soube do assassinato de Marielle e Anderson e estava indo para o local do crime Ele era chefe da Polícia Civil e recebeu as famílias comigo no dia seguinte. Agora Rivaldo está preso por ter agido para proteger os mandantes do crime, impedindo o andamento das investigações.
Em entrevista à GloboNews, a mãe de Marielle, Marinete Silva, confirmou que o policial recebeu a família após o crime.
“Foi um homem que disse que era uma questão de honra esclarecer este caso”, declarou ela.
Ex-PMs acusados
O ex-policial militar Ronald Paulo de Alves, conhecido como Major Ronald, é acusado de monitorar Marielle. Ele Ele já havia sido preso por atuação na milícia de Rio das Pedras e região, na zona oeste do Rio..
Em 2004, já recebeu uma moção de elogio do então deputado Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, por serviços prestados ao Estado.
Ronald foi lotado no 22º Batalhão da Polícia Militar, no Complexo da Maré, e foi homenageado pelo parlamentar após operação que matou três criminosos na comunidade.
Robson Calixto Fonseca, conhecido como Peixe, é militar reformado da PM e ex-assessor do Brazão na Alerj e posteriormente no TCE. Segundo denúncia da PGR, ele também participa de milícias cariocas.
*Com informações de Wilson Tosta para BBC News Brasil
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