O Plano Real, que completará 30 anos no dia 1º de julho, tem o mérito de fazer com que os jovens da geração Z não tenham ideia de como é conviver com a hiperinflação. O economista e escritor Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, que começou a ser criado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), onde foi professor, lembra, em entrevista ao Correspondênciacomo o real foi criado.
Olhando para trás, Bacha, que também participou do fracassado Plano Cruzado de controle da inflação, avalia que o Plano Real teve sucesso em seu propósito. “O Plano Real obteve sucesso em seu propósito básico”, diz o imortal, dono da cadeira 40 da Academia Brasileira de Letras (ABL).
O economista, porém, reconhece que ainda não é possível ser otimista em relação ao Brasil, pois falta mais equidade tributária e maior abertura da economia. Bacha, que cunhou o termo Belíndia para definir o Brasil como uma junção entre a Bélgica, um país pequeno e rico, e a Índia, um país grande e pobre, afirma que “Belindia ainda está lá”.
Ao lado de Gustavo Franco e Pedro Malan, Bacha lança, este mês, o livro “30 anos de Real: crônicas no calor do momento”. A primeira noite de autógrafos será amanhã, em São Paulo, na Livraria da Travessa Iguatemi.
Abaixo estão os principais trechos da entrevista:
O que o levou a escrever o livro? “30 anos de Plano Real” e qual será o futuro, como propõe o último capítulo?
Na verdade, o livro é uma avaliação do Plano Real. É um equilíbrio peculiar, pois, como diz o subtítulo, são crônicas no calor do momento. Não estamos refletindo a partir de agora sobre o que ocorreu no passado, exceto no último capítulo. Mas mostrando como foram as nossas reações a cada cinco anos, em relação à evolução dos problemas que a economia brasileira tem enfrentado desde a introdução do real.
Como foi o processo de mudança de moeda, depois de vários planos fracassados? As origens foram o plano Larida, idealizado pelos economistas Pérsio Arida e André Lara Resende, seus alunos na PUC-RIO…
Durante a ditadura, houve dois planos fracassados. A discussão na PUC, no início dos anos 1980, se devia justamente ao fracasso da ditadura no combate à inflação. O que conseguiu foi causar uma grande recessão entre 1981 e 1983. Mas a inflação continuou a subir durante a transição da ditadura. Na democracia estava chegando a 200% ao ano e lembro que, quando criamos o Plano Cruzado, a inflação estava em 15% ao mês e perto de 500% ao ano. Então, procurávamos alternativas à metodologia desta ditadura, que consistia basicamente em aplicar o torniquete monetário, que estrangulava a capacidade de produção das empresas, e aplicar o aperto salarial, que reduzia a procura dos trabalhadores. Foi nesse processo que se criou um conjunto de ideias e alternativas dentro da PUC. Uma das propostas, identificada com Francisco Lopes, foi o choque heterodoxo, que já tinha sido aplicado com sucesso em Israel. O plano era, fundamentalmente, um congelamento temporário de preços e salários para parar o processo de inércia inflacionista e depois, três meses depois, um pacto social em Israel para sair do congelamento sem uma explosão de preços. Lá, foi feito de forma muito inteligente. Aqui fizemos isso de uma forma muito estúpida.
Isso estava no Plano Cruzado?
Sim. Em vez de considerar o congelamento apenas como um mecanismo de parada repentina, mas não como um mecanismo de estabilização, o congelamento tornou-se estabilização. E então, quando o congelamento foi eliminado, a inflação mudou. E depois teve o Plano Bresser, o Plano Verão, o Plano Collor 1, o Plano Collor 2, e nada funcionou. Aí entrou Marcílio Marques Moreira (ex-ministro da Fazenda no governo Collor), que era o ministro “sem plano”, como ele disse. Isso foi muito bom, porque a inércia voltou sem aqueles altos e baixos causados pelos aviões congelados. Quando entramos (após o impeachment do Collor), com o Plano Real, os preços estavam razoavelmente alinhados durante todo um processo de ajuste. Cada preço tinha sua regra. Salários a cada quatro meses, aluguel a cada seis, ônibus todos os meses e tarifas diferenciadas. Unificamos com a URV, sem ajustes. Os preços estavam alinhados. Apenas convertemos tudo em média. E a média foi boa, entre aspas. Conseguimos fixar tanto a URV quanto o real posteriormente, e conseguimos ancorá-lo no dólar, porque havia reserva internacional para isso.
Podemos dizer que o Plano Real funcionou?
Nestes 30 anos, o IPCA aumentou 708%, menos da metade da inflação de 1993… Podemos, sim, dizer que o Plano Real funcionou. A inflação anual foi de quase 3.000% e agora está próxima da meta de 3%. Não dá nem para comparar.
Quais foram os principais sucessos do plano real?
O sucesso foi acabar com a inflação. Foi isso que ele se propôs a fazer. O Plano Real obteve êxito em seu propósito básico. Durante quatro anos ele segurou a inflação com base na âncora cambial. E em 1999 foi introduzido o tripé económico que ainda hoje existe. E esse tripé só enfraqueceu por algum tempo quando a (ex-presidente) Dilma Rousseff e seus assessores inventaram a Nova Matriz Macroeconômica que, basicamente, era uma licença para gastar, escondendo o resultado com pedaladas e controlando a inflação congelando os preços da energia e do petróleo . Acho que aprenderam esta lição: não se pode brincar com a inflação.
E o Lula, quando deputado, votou contra o Plano Real… Ele e o PT aprenderam isso?
O grande teste será quem vão colocar na presidência do Banco Central, quando Roberto Campos Neto sair. A independência do Banco Central, que fazia parte da agenda de reformas pós-Plano Real, só ocorreu em 2021.
Você acha que está ameaçado?
Não está ameaçado porque Lula não vai mudar a lei. Se ele tentar mudar a lei, o Congresso não a aprovará. Nos Estados Unidos dizem que são pombos e falcões. O que ele pode tentar fazer é nomear pombos e apenas criar um conselho de pombos, mais ou menos como foi no governo Dilma. Mas terá que passar pelo Congresso, pelo Senado. Não será fácil se Lula não nomear um economista renomado ou respeitado pelo mercado. E, se for aprovado no Congresso, o mercado reagirá imediatamente. O dólar vai subir e as taxas de juros futuras também.
Eles já estão subindo. O mercado vem se antecipando a esse medo e, durante o ano, o real já se desvalorizou quase 11%…
Existe essa percepção de enfraquecimento de Fernando Haddad. Haddad, hoje, funciona como uma certa âncora de estabilidade, junto com Roberto Campos Neto, obviamente. E, se além de trocar Campos Neto, Lula quiser trocar Haddad, ele sai. O terceiro mandato de Lula se assemelha cada vez mais ao segundo mandato de Dilma.
Quais são os riscos disso?
O problema é o seguinte, pelo menos no início do primeiro mandato de Dilma, havia uma composição política com o Congresso que era majoritária. E ainda estávamos no auge das commodities. O governo tinha muito dinheiro. Agora ele não tem esse dinheiro e é muito difícil produzir superávit primário. E, certamente, Lula não tem maioria no Congresso. A situação, seja econômica ou política, é muito diferente da que Dilma enfrentou e pode fazer todas essas loucuras. Lula não tem espaço, nem econômico nem político, para isso.
Mesmo assim, o fiscal ainda será o grande desafio daqui para frente, para que o tripé continue de pé?
Claro, o tripé não tem duas pernas, o banco tem três pernas para ficar de pé. Se não tiver fiscal, cai. Vamos esperar.
Voltando ao livro, vi que a dedicatória é para Fernando Henrique Cardoso…
Sim, com um aspecto sentimental aí. Com uma certa tristeza de não poder comemorar muito conosco. Ele era certamente um maestro. Além disso, conseguiu controlar Itamar Franco.
No livro você reforça muito o fato de que o principal motivo do sucesso do real foi a conscientização da população sobre os malefícios que a inflação causa à economia…
Isso é algo sobre o qual sempre conversamos. A inflação é o pior dos impostos, porque afecta as pessoas mais pobres, que não têm como se proteger. Ele tinha que ir ao supermercado no dia em que recebia o pagamento, porque os preços subiam diariamente. Foi um horror para os trabalhadores em geral. E foi por isso que quando veio esse sentimento de estabilidade, a popularidade de Fernando Henrique nas pesquisas presidenciais disparou imediatamente e ele venceu no primeiro turno.
Criticou o facto de os pobres serem tributados muito mais do que os ricos. Como o senhor avalia a reforma tributária que está sendo regulamentada?
Essa reforma tributária que sairá do Congresso vai ser boa. Será um alívio para os mais pobres, porque haverá cashback. Mas isso se conseguirmos fazer uma pequena cesta básica, tirar o filé mignon e o foie gras. Estou impressionado, porque os ricos podem ir aos Estados Unidos duas vezes por ano, três vezes por ano, gastar o que quiserem lá. E você ainda pode gastar mais US$ 1 mil no free shop.
E tem a polêmica da taxa da blusa…
No momento em que os pobres encontram um pequeno canal chinês para importar blusas e ténis por 50 dólares, o mundo desaba. Todas as associações empresariais dizem que estão destruindo empregos, estão destruindo empresas brasileiras. É uma concorrência desleal. Agora isso foi uma coisa interessante. Eles queriam 60% e estão ficando com 20%. Mas digo que, se eu fosse senador, introduziria também uma pequena alteração às compras isentas de impostos a 20%. Apenas para fazer com que os ricos paguem o mesmo que os pobres.
Você usou o termo Belíndia para explicar o Brasil no passado. Hoje é possível atualizar esta classificação?
Belíndia está lá. E, junto com Belíndia, há o que o Delfim chamava de Ingana: os impostos da Inglaterra com os serviços públicos de Gana. Há também o que Mário Henrique Simonsen chamou de Bangladania: a pobreza de Bangladesh juntamente com o fechamento da Albânia. E agora vem o que chamei de Rumala, que é a corrupção na Rússia e a criminalidade na Guatemala. Mas teve outra expressão que inventei durante o governo Bolsonaro, que se chama Ember: um país em chamas, que está destruindo a Amazônia e liquidando os povos originários. De qualquer forma, males não nos faltam.
Você gostou do artigo? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê sua opinião! O Correio tem espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores através do e-mail sredat.df@dabr.com.br
ra soluções financeiras
blue cartao
empresa de crédito consignado
download picpay
brx br
whatsapp bleu
cartão consignado pan como funciona
simulador crédito consignado
como funciona o cartão consignado pan
ajuda picpay.com