Poucos dias antes de o Plano Real completar 30 anos, no dia 1º de julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou, ontem, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso — que chefiava o Ministério da Fazenda quando o programa que estabilizou a economia brasileira, após décadas de hiperinflação e tentativas fracassadas de controlá-lo. O encontro entre eles também foi no aniversário de FHC, que completou 93 anos no dia 18 de junho.
Apesar de terem sido adversários nas eleições de 1994 e 1998 —em ambas o petista foi derrotado—, Lula e o ex-presidente têm uma longa relação, que passou por momentos importantes na história do país. Como a campanha das Diretas Já, em 1983, e, antes, pela anistia política. A Lei 6.683, sancionada pelo então presidente João Batista Figueiredo, em 28 de agosto de 1979, permitiu o retorno ao Brasil de exilados no exterior e a libertação de presos políticos das prisões da ditadura militar.
A aproximação entre Lula e FHC se consolidou em 1978, quando o líder dos metalúrgicos do ABC paulista fez campanha para o sociólogo, cientista político e professor universitário, que disputava uma vaga no Senado pelo MDB. Os dois, porém, se conheceram na década de 1970 e, segundo seus interlocutores, mais do que diferenças políticas, eles se admiram.
Ainda em 1978, o atual presidente esteve à frente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Paulo, e liderou uma série de greves em que montadoras de veículos e fabricantes de peças da região exigiam melhores condições de trabalho e salários adequados. O movimento contou com o apoio de intelectuais e acadêmicos —incluindo FHC.
Mais recentemente, os dois estiveram novamente do mesmo lado do espectro político nas eleições de 2022. O ex-presidente manifestou apoio a Lula contra a reeleição de Jair Bolsonaro. No X (antigo Twitter), FHC registrou: “Neste segundo turno, voto por uma história de luta pela democracia e pela inclusão social. Voto em Luiz Inácio Lula da Silva”.
O presidente aproveitou o dia para visitar velhos amigos, assim como FHC. Esteve com o escritor Raduan Nassar e o lingüista e filósofo americano Noam Chomsky. Os dois o visitaram enquanto ele estava preso no presídio da Polícia Federal (PF), em Curitiba (PR). Chomsky está se recuperando de um derrame que o deixou sem palavras e afetou o lado direito do corpo. Lula também se reuniu com o jornalista e escritor Mino Carta.
Plano de recall dos economistas
Depois de estar com Lula, o ex-presidente recebeu a equipe de economistas responsáveis pela elaboração do Plano Real. Ainda Ministro da Fazenda do então presidente Itamar Franco, FHC chefiou a equipe que desenhou o programa econômico que tirou o país da hiperinflação e estabilizou a moeda brasileira.
O grupo era composto por André Lara Resende, Armínio Fraga, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan e Pérsio Arida — que classificaram o plano como “não repetível”. Para ele tudo deu certo graças à capacidade política e intelectual de FHC.
“É difícil imaginar um Ministro das Finanças que consiga, ao mesmo tempo, convencer o Presidente da República, que tinha ideias muito diferentes – todas erradas, aliás”, lembrou Arida, num debate no Fundação Fernando Henrique Cardoso.
Armínio Fraga, que chefiou o Banco Central (BC) entre março de 1999 e janeiro de 2003, destacou que o Plano Real possibilitou que a dimensão social assumisse a vanguarda do planejamento do Estado, uma vez que a nova moeda trouxe a estabilização monetária. “A âncora é social e é o que me permite ter alguma esperança de que mudanças que possam vir ao Banco Central possam ser evitadas. Caso contrário, todos serão penalizados”, disse, citando pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre Roberto Campos Neto, responsável pelo BC, em relação à taxa básica de juros da economia (atualmente em 10,50%).
Gustavo Franco destacou que, quando o Real surgiu, o país acumulava 15 anos de inflação média de 16% ao mês. “Não é possível ter vida económica inteligente neste tipo de ambiente e foi assim que começámos a trabalhar. Acho que talvez o grande desafio tenha sido diagnosticar a doença monetária”, apontou. O economista antecedeu Fraga na chefia do BC, entre agosto de 1997 e março de 1999.
Franco lembrou que, no último mês do plano anterior, Collor 2, a inflação chegou a 9,185% ao ano e caiu para 33% no primeiro ano do Real. Com 30 meses de vigência, a nova moeda reduziu a fome para 5% ao ano e, em 1998, caiu para 1,6%.
Rubens Ricúpero, que sucedeu a FHC no Ministério da Fazenda em 1994, criticou o descuido com que os políticos tratam a responsabilidade fiscal — “a começar pelos níveis mais altos, não fazem ligação entre causa e efeito”, frisou. “Para eles, a inflação não tem nada a ver com gasto público. Para eles, é uma variável independente. Confesso que a maior tristeza que tenho é ver que, de tudo que não pegou, foi a responsabilidade fiscal. É o É o mais difícil. É difícil para os americanos, para os franceses, para os alemães… É muito difícil, mas eles abandonaram-se aqui”, lamentou.
Ricúpero ressaltou que o Real é “uma conquista” para o país e, segundo ele, se houvesse dúvidas sobre isso, “basta olhar para a vizinha Argentina”. “Eles estão onde estávamos há 30 anos. Uma diferença colossal”, disse ele.
Para Ricúpero, FHC é o grande personagem do plano que estabilizou a economia brasileira. “O real, como toda grande obra, é coletivo e houve muitas contribuições. Mas algumas são mais duradouras e fundamentais que outras. A dele, sem dúvida, foi a mais importante, tanto do ponto de vista qualitativo quanto quantitativo. Os brasileiros, na verdade, estavam convencidos da malignidade da inflação. Quanto aos políticos, não tenho tanta certeza”, frisou.
Hiperinflação
O Plano Real encerrou um dos períodos mais instáveis da economia brasileira. O processo de estabilização começou em 1993, com a Unidade Real de Valor (URV) como transição para a moeda que ainda vigora no país. O objetivo era controlar a inflação, que na época ultrapassava os quatro dígitos. Antes do Real vieram outros planos econômicos, todos fracassados: Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e Collor II. E antes da moeda receber o nome de real, existiam o Cruzado, o Cruzado Nova e o Cruzeiro Real como meios circulantes.
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