Poucos jovens artistas são reconhecidos pelas suas conquistas na vida. Yamandu Costa despontou na carreira musical em 2001, com o lançamento de seu primeiro álbum solo, autointitulado Yamandú. Depois de mais de 20 anos, ele continua sendo um dos melhores de sua geração. Aos 44 anos, o violonista foi o vencedor da última edição do Prêmio da Música Brasileira, realizado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Yamandu Costa levou para casa o prêmio na categoria Lançamento de Música Instrumental, pelo álbum Encontro das Águas, feito ao lado do também instrumentista Armandinho Macedo.
Natural de Passo Fundo (RS), Yamandu Costa construiu uma trajetória invejável na música instrumental. Com dedilhados precisos no violão de sete cordas — instrumento pelo qual é conhecido mundialmente — o violonista é constantemente creditado como um dos instrumentistas mais influentes do século XXI. As composições de Costa estão quase sempre isentas de serem classificadas em um gênero musical específico. Isso porque a música de Yamandu engloba inúmeros estilos e sonoridades, como choro, bossa nova, milonga, tango, jazz, samba e chamaé — ritmo apreciado em Mato Grosso do Sul.
Para o Correspondência, o guitarrista fala da parceria com o músico português António Zambujo, com quem produziu o álbum Prenda minha. O disco de 14 faixas e 44 minutos proporcionou aos dois artistas uma turnê de muito sucesso. O gaúcho Yamandu Costa aproveita a entrevista para chamar a atenção para a recente tragédia climática que afetou o estado onde nasceu. Confira!
Entrevista//Yamandu Costa
Como se desenvolveu o processo de parceria entre você e o Zambujo? O que você acredita que ambos ganharam com essa parceria?
Esta parceria nasceu de um forte sentimento de amizade, uma relação que surgiu naturalmente. Quando nos conhecemos, em 2008, nos demos bem instantaneamente. Acho que nos complementamos muito bem. O público sente a verdade que existe no nosso encontro, como uma ponte musical entre Brasil e Portugal. O álbum Prenda Minha é uma grande celebração da nossa amizade.
Em que espaço sua arte dialoga?
O diálogo se dá nos gostos musicais. Nossas preferências artísticas formam uma grande área de intersecção. É por isso que a América Latina, em geral, está tão presente no álbum. Gostamos de muitas coisas semelhantes. Gosto pela tradição, mas sempre olhando para o futuro.
O álbum passa pelas referências e artistas que te inspiram. Como foi montar o repertório para passar por tudo que você queria? tocar e prestar homenagem?
O repertório é uma compilação de coisas que gostamos de ouvir. É como se revisitássemos nossas raízes musicais, buscando influências e sonoridades que marcaram nossa trajetória. Não houve uma escolha de músicas muito elaborada. Tocamos e cantamos o que gostamos de ouvir.
Que intersecção entre culturas você encontrou e explorou durante sua colaboração?
O Brasil é, de certa forma, a continuação de Portugal. Daí esta grande celebração dos ritmos lusófonos no álbum que gravamos juntos. Ouve-se bossa nova, música tradicional portuguesa, choro, chamaé, guarânia. Nos reconhecemos nessas idas e vindas.
Como o álbum foi recebido e de shows juntos?
O álbum está indo muito bem. Já tocamos esse repertório em vários países. É o retrato fiel da nossa amizade em forma sonora. As pessoas se emocionam porque sentem o prazer que temos em compartilhar amizade e música. Eles percebem essa cumplicidade na nossa parceria.
Recentemente, você alcançou a primeira posição ao se apresentar com a Orquestra Sinfônica de Xangai. Como você vê esse reconhecimento e essa conquista?
Este concerto foi especial porque faz parte do festival de música clássica mais tradicional da China. Tivemos uma noite inteiramente dedicada ao violão, o que é raro quando se trata de música clássica. Melhor ainda foi reunir violão e orquestra na Shangyin Opera House, o teatro de maior prestígio da China. Um evento único. Estou muito feliz em viajar pelo mundo e mostrar minha música. Não quero pensar em méritos. Para mim, é uma viagem só de ida, sem destino. Um caminho que me leva o mais longe possível.
Quão importante é que os valores brasileiros abram portas para que a música brasileira conquiste o mundo?
A música brasileira tem uma importância que não percebemos. Precisamos valorizar e compreender a nossa arte como a chave que nos abre as portas do mundo. Música para mim é remédio, é um modo de vida. Ainda existe uma percepção muito superficial dessa linguagem. Se a música fizesse realmente parte do quotidiano das pessoas, os seus dias teriam, sem dúvida, mais significado, mais profundidade.
Como você acha que é possível abrir mais espaço para a música instrumental atingir um público mais amplo no Brasil?
O problema começa com o rótulo atribuído à música instrumental. Quando você vai a um show de rap, você não diz que vai a um show de “música cantada”. Acho que é uma percepção. Aqui estamos falando de educação, algo que faz muita falta em nosso país. Precisamos entender que música é música. Está muito acima de qualquer rótulo.
Como você está acompanhando a situação de calamidade em seu estado natal? O que você fez e viu em relação a isso?
Vivemos uma tragédia anunciada no Rio Grande do Sul. Neste caso específico, as informações recebidas sobre as inundações foram negligenciadas. Houve falta de preparo na manutenção dos equipamentos, entre outros problemas. E choveu uma quantidade de água nunca vista antes. Muito triste saber que quem realmente mais sofre é a população mais humilde. Conheço meu pessoal e sei que vamos mudar as coisas. Foi um momento em que um povo dividido pela política finalmente encontrou um motivo para se unir. E ele confirmou sua reputação de ser afetuoso e solidário. Esses são os sentimentos mais lindos que podemos ter.
*Estagiário sob supervisão de Severino Francisco
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