Por oito votos a três, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal. Quando o julgamento for retomado hoje, os ministros deverão definir o valor que diferenciará o usuário do traficante. A decisão amplia a crise entre o Tribunal e o Legislativo. O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reagiu prontamente e acusou o Judiciário de invadir prerrogativas do Parlamento. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou a formação de uma comissão especial para analisar a PEC das Drogas.
Ao ser retomado o julgamento, nesta terça-feira, o ministro Dias Toffoli esclareceu seu voto, apresentado na sessão anterior e que provocou mais de uma interpretação. Ele ressaltou que seu entendimento é pela descriminalização. Na avaliação do juiz, a Lei sobre Drogas de 2006 não trata mais a posse para consumo como infração penal, sendo, portanto, contra-ordenação. Ele destacou ainda que seu voto abrange todas as drogas, embora a Corte esteja analisando recurso referente à maconha. “O meu (voto) é o mais radical de todos, o meu é descriminalizar todas as drogas no que diz respeito ao usuário”, destacou.
Toffoli se declarou favorável ao estabelecimento de uma espécie de “período de transição” para processos semelhantes que estão em curso. “Então, sinto muito, não adianta dizer que a ação está em julgamento desde 2015 e que temos que resolver imediatamente. Se fosse fácil, seria resolvido, pelo Congresso, pelo Poder Público do Poder Público. Executivo, pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ou pelo Judiciário. Se fosse fácil seria resolvido;
Segundo o ministro, mesmo sendo favorável à descriminalização do uso de drogas, o conceito não pode ser confundido “nem com a penalização, que mantém os efeitos penais, muito menos com a legalização, que é uma política de Estado como um todo”. “E não estamos tratando de legalização. Até porque o tráfico é crime, segundo a lei de 2006”, acrescentou.
“A legalização é uma abordagem mais abrangente. Não só autoriza, do ponto de vista da descriminalização, a posse de drogas para consumo pessoal, mas é o Estado que regula a produção, a comercialização, que é o que acontece com o tabaco e o álcool – para falar sobre duas das drogas lícitas mais comuns em nosso meio social”, afirmou.
O relator da ação, reitor Gilmar Mendes, destacou que a Lei sobre Drogas pretendia “se não descriminalizar, pelo menos descriminalizar (o uso)”. “Mas como também nós, neste fecundo debate que tivemos ao longo deste tempo, sabemos que, a rigor, a vida prática não só conduziu, como vimos neste caso, à aplicação de sanções ao utilizador, mas também muitas vezes levou a confundir usuário com traficante”, disse.
Gilmar Mendes acrescentou: “É claro que todos vemos com alegria o voto de Vossa Excelência (Toffoli) de que o assunto já teria sido descriminalizado. Mas na vida como ela é, as pessoas continuam a ser condenadas, como usuários, e condenadas em processos penais. E, a partir daí, sofrendo os efeitos da condenação criminal”.
Agulha
O ministro Luiz Fux também votou pela descriminalização e atacou o Congresso, argumentando que as deliberações sobre a criminalização da maconha não são de responsabilidade do Judiciário.
“Não somos juízes eleitos. O Brasil não tem governo de juízes, e por isso o chamado ativismo judicial é afirmado e criticado, com vozes intensas. Quando o Judiciário é acusado de se intrometer nos campos dos outros Poderes , isso para o Judiciário é uma preocupação cara e muito significativa”, sustentou. “Vemos todos os dias o Judiciário sendo solicitado a decidir questões para as quais não tem capacidade institucional. (…) Em consequência, o que acontece: o Judiciário é instado, os próprios órgãos não resolvem os problemas e o preço social é pago pelo Judiciário Por quê? Como não somos juízes eleitos, não devemos satisfação aos eleitores, então manda para o Judiciário”, disse.
A ministra Cármen Lúcia também votou pela descriminalização. Ela destacou o tratamento desigual dado aos usuários. “Aquele menino, aquele jovem, aquela pessoa que foi flagrada em determinado local, com determinadas características pessoais, era considerado traficante, com uma quantidade de droga muito menor que outro, em outra situação, em outro local, com outras características pessoais. características, passou a ser considerado apenas um utilizador”, frisou.
Cármen Lúcia enfatizou: “Isso resultou em um tratamento jurídico penal, com consequências absolutamente diferentes para a vida de ambos, o que quebra a igualdade. Quebra mais: quebra a segurança jurídica individual, porque cada um de nós sabe – se deve beber, dirigir, se você sofrer um acidente, será responsável civil e criminalmente, dependendo das consequências. Pode ser eu, pode ser outra pessoa, pode ser qualquer um de nós, mas sabemos quais são as consequências. E acrescentou em relação à coisa julgada: “Neste contexto, há uma anomia definidora de critérios que leva à desigualdade no tratamento do próprio Estado, que é obrigado pela Constituição a promover a igualdade e, ainda, uma insegurança, porque a pessoa não sabe se ela usa a droga, quais serão as consequências”, declarou.
Não há necessidade de diferenciar usuário de traficante
A decisão do STF não significa que a maconha foi liberada no país nem que haverá comércio legal da planta ou de flores prontas para consumo. O entendimento dos ministros abrange apenas a posse da substância, em quantidades ainda a serem decididas.
A segunda etapa do julgamento gira em torno justamente da quantidade de medicamentos que deve ser utilizada como parâmetro para distinguir o consumidor do traficante. As propostas apresentadas até agora vão de 25g a 60g. Os ministros têm conversado para aprovar uma quantidade intermediária de 40g.
Este é um ponto central porque, na opinião do juiz, ajudará a uniformizar as sentenças e evitar abordagens preconceituosas. Estudos citados no plenário do STF mostram que negros são condenados como traficantes de drogas com valores menores do que brancos. O nível de escolaridade também gera distorções nas convicções — a tolerância é maior para quem tem mais escolaridade.
“A quantidade tem sido utilizada, lamentavelmente, como forma de discriminação social”, criticou o ministro Alexandre de Moraes.
A quantidade, porém, não será um parâmetro soberano. Outros elementos podem ser usados para analisar cada caso. Se alguém tiver uma balança de precisão, por exemplo, pode ser denunciado como traficante, mesmo que tenha uma quantidade de droga abaixo do limite.
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