Depois de 2.487 dias confinado na Embaixada do Equador em Londres e 1.901 dias detido na prisão de Belmarsh, no Reino Unido, Julian Assange, de 52 anos, deixou o Tribunal Federal dos EUA, nas Ilhas Marianas do Norte, como um homem livre. O fundador do site WikiLeaks, responsável pela divulgação de 70 mil documentos confidenciais sobre as operações da coligação internacional liderada por Washington no Afeganistão; 400 mil relatórios sobre a invasão do Iraque; e 250 mil telegramas diplomáticos cumpriram acordo firmado com EUA e Austrália.
Quando questionado pela juíza Ramona Manglona se se declararia culpado ou inocente de “conspiração para obter e divulgar informações de defesa nacional”, ele respondeu: “culpado pela informação”. O juiz ordenou a destruição de material confidencial e perguntou a Assange se ele foi coagido ou intimidado a admitir a culpa. “Sou, de fato, culpada das acusações”, declarou ela. Ele então brincou com o juiz, dizendo que sua satisfação com o acordo “depende do resultado da audiência”.
Manglona condenou Assange a 62 meses de prisão. “Com base no gravíssimo caso de espionagem contra você, eu o condeno ao período de tempo cumprido”, disse ela, aludindo ao confinamento domiciliar e à prisão de Belmarsh. “Parece que este caso termina aqui em Saipan”, acrescentou o juiz. Animado, Assange assentiu. “Agora que há um pouco de paz, você precisa se recuperar quando sair daqui e buscar sua vida como um homem livre.” A libertação de Assange ocorreu uma semana antes de seu 53º aniversário e poucos dias antes da data marcada para análise do recurso de extradição para os Estados Unidos — a Corte examinaria o caso nos dias 9 e 10 de julho. Lei de Espionagem e correu o risco de ser condenado a até 175 anos de prisão.
O avião fretado pelo governo australiano ao custo de US$ 520 mil (cerca de R$ 2,8 milhões) pousou em Saipan, a maior das ilhas do território norte-americano, às 6h16 de hoje (17h15 de ontem em Brasília). Stella Assange, esposa de Julian, apelou por doações no Instagram para cobrir as despesas. Julian chegou ao tribunal acompanhado pelo ex-primeiro-ministro australiano Kevin Rudd.
A notícia do acordo e da libertação iminente de Assange foi celebrada por organizações de direitos humanos e chefes de Estado. “O mundo está hoje um pouco melhor e menos injusto. Julian Assange está livre após 1.901 dias de prisão. A sua libertação e o seu regresso a casa, mesmo que tardio, representam uma vitória democrática e a luta pela liberdade de imprensa”, escreveu na rede social X Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Por sua vez, o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel Bermúdez, afirmou que “o longo e cruel castigo imposto pelas suas denúncias de crimes imperialistas permanecerá na memória do povo como prova do pouco que os seus carcereiros acreditam na liberdade de imprensa”.
Elizabeth Throssel, porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, comemorou “o progresso significativo no sentido de uma resolução definitiva do caso”, o que “levantou uma série de preocupações relacionadas com os direitos humanos”. Por sua vez, Rebecca Vincent, diretora da organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF), alertou que Assange “não deveria ter sido privado da sua liberdade um só dia por ter publicado informação de interesse público”.
“Aceitável”
Especialista em casos de segurança nacional, o advogado americano Mark S. Zaid explicou ao Correspondência que o acordo judicial, com a admissão de culpa, foi um resultado aceitável tanto para Assange como para os Estados Unidos. “Em essência, a acusação contra ele era um caso muito comum ao abrigo da Lei de Espionagem para a divulgação ilegal de informações de defesa nacional. Embora as mentes razoáveis possam divergir quanto a se Assange é um jornalista – e não acredito que seja – de um do ponto de vista jurídico, não fez absolutamente nenhuma diferença”, disse ele. Zaid sustentou que não há proteção na Primeira Emenda da Constituição dos EUA (a garantia da liberdade de expressão) capaz de prevalecer durante o julgamento de Assange que justifique a retenção e divulgação de informações sensíveis para a segurança nacional.
Na semana passada, Anthony Bellanger — secretário-geral da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) — viajou de Bruxelas para Londres, onde participou num protesto em frente à prisão de Belmarsh. “Considero a sua libertação uma vitória. O mais importante é que Assange poderá cuidar de si e da sua família. Não podemos imaginar o inferno que enfrentou, quando tudo o que fez foi cumprir a sua missão de denunciar os crimes de guerra cometidos por nos Estados Unidos”, disse ele Correspondência, por email. “A sua prisão não foi apenas injusta, mas insustentável. Ele não merecia ser colocado numa cela solitária nos arredores de Londres. Podemos pensar o que quisermos sobre Assange. No entanto, ele ficará para a história como o homem que lançou o maior consórcio internacional de jornalistas investigativos, que deu origem a importantes revelações de interesse público.”
Diretor de Advocacia da Press Freedom Foundation (em Nova York), Seth Stern disse Correspondência ficar “aliviado” por o pior cenário ter sido evitado: uma condenação ao abrigo da Lei da Espionagem. “Isto poderia abrir um precedente legal para que jornalistas fossem processados por obterem segredos governamentais de fontes”, admitiu.
EU PENSO…
“Até que tenhamos pleno conhecimento dos detalhes do acordo, teremos motivos para nos preocupar. O ponto principal é o facto de que isto poderá abrir precedentes para a condenação de jornalistas que também realizam o seu trabalho de investigação. O que devemos pensar de um Reino Unido? jornalista que investiga um caso de corrupção no Qatar no Parlamento Europeu, em Bruxelas, por exemplo?
Antonio Bellanger, Secretário Geral da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ)
“Se Assange tivesse sido trazido para os Estados Unidos após a acusação de 2018, ou em 2019, quando a acusação substitutiva foi emitida, a pena esperada, caso tivesse sido condenado, teria sido de três a seis anos. O tempo cumprido numa prisão de segurança máxima (mais os anos que Assange passou em prisão domiciliária na Embaixada do Equador) é uma medida completamente consistente com a pena que teria cumprido. Esperemos que Assange possa continuar com a sua vida de forma produtiva”.
Marcos S. ZaidAdvogado americano especializado em casos de segurança nacional
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