A primeira fase da reforma monetária do Plano Real ocorreu em 28 de fevereiro de 1994, quando o governo enviou ao Congresso Nacional a medida provisória para a criação de uma segunda moeda, a Unidade Real de Valor (URV), que antecedeu o real. e tinha paridade com o dólar. Naquele mês, a inflação acumulada em 12 meses foi de pouco mais de 3.000%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Nenhum padrão monetário foi tão duradouro e bem comportado entre todos os oito que tivemos desde o Cruzeiro em 1942. Sua criação em 1994 é o que designa, sem exagero, uma conquista histórica”, escreve Gustavo Franco, um dos pais do Plano Real, na introdução do livro recém-lançado em parceria com os economistas Pedro Malan e Edmar Bacha, que fizeram parte da equipe que idealizou e implementou o plano: 30 anos de Real: Crônicas no calor do momento.
Nos meses seguintes até o lançamento do real, em 1º de julho, a inflação continuou subindo e atingiu 4,922% em junho. Mas, no final do ano, com o plano real em andamento, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, começou a cair e, em dezembro, caiu 916% ao ano. A partir de 1996, o IPCA finalmente ficou abaixo de um dígito e, desde o início do regime de metas de inflação, iniciado em 1999, o limite superior foi violado sete vezes. A última foi em 2022, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que não conseguiu se reeleger apesar de aumentar os gastos em pleno ano eleitoral, chegando a pedalar o pagamento de dívidas judiciais , os precatórios, para entregar um superávit primário fictício.
“O Plano Real deixou como legado o fim da hiperinflação, que permitiu a normalização da vida dos brasileiros. Com uma moeda estável, empresários e consumidores podem planejar seus gastos sem a imprevisibilidade causada pelas constantes variações de preços”, resume o ex-ministro da Fazenda e o ex-presidente do Banco Central do primeiro e segundo mandatos de Lula, Henrique Meirelles.
O ex-diretor do Banco Central, Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), lembra que o Plano Real foi um marco para as diversas reformas micro e macroeconômicas que se seguiram. “E algo emblemático ocorreu: para a concepção e aprovação do Plano Real, os três Poderes se uniram em torno da proposta ao lado da sociedade. O real provou que, quando há lideranças políticas engajadas, focadas na causa dos problemas, com uma boa equipe técnica, o país faz coisas que não se imaginavam possíveis”, afirma.
Edmar Bacha destaca que o lançamento do real foi resultado de uma operação de guerra, do Exército e das Forças Armadas para levar cédulas de reais a todos os cantos do país. “Estávamos trabalhando e importando moedas desde, sei lá, março. Assim que enviamos a medida provisória da URV ao Congresso, a Casa da Moeda foi contatada e o padrão da nota foi definido.”
A economista Selene Peres Nunes, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), lembra que o Plano Real foi, além de inovador, capaz de baixar a hiperinflação para valores abaixo de 10% ao ano. “Acho que foi um plano muito inovador, lembrando que já havíamos tentado cinco congelamentos antes, sem sucesso. Então, foram vários planos e todos sem sucesso. setor privado e do setor privado, além do cidadão, em geral”, destaca.
Riscos fiscais
O economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), e o ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, também alertam sobre os riscos fiscais que estão no radar, especialmente diante do forte aumento das despesas sem que as receitas cresçam no mesmo ritmo, gerando uma pressão crescente sobre o orçamento público. Eles lembram que a falta de controle fiscal pode comprometer a estabilidade financeira proporcionada pelo real, apesar de a inflação acumulada desde o início do plano, de 708%, ainda ser inferior à hiperinflação do passado. “Enquanto o governo conseguiu aumentar a carga tributária para fazer o ajuste fiscal, ela aumentou. Essa foi a primeira etapa, então, não dava mais para aumentar o imposto, começaram a aumentar a dívida pública. . E o grande risco é voltar a ter uma inflação mais alta e o governo começar a emitir dinheiro para pagar a conta e cobrir o rombo fiscal”, alerta o professor da USP.
Na avaliação de Bacha, o Plano Real obteve êxito em seu propósito básico. “O sucesso foi acabar com a inflação. Foi isso que ele propôs”, enfatiza. “Durante quatro anos, ele segurou a inflação baixa com base na âncora cambial. E, em 1999, foi introduzido o tripé econômico que existe até hoje. Só enfraqueceu por um tempo quando a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e seus assessores inventaram a Nova Matriz Macroeconômica, que, basicamente, era uma licença para gastar, e esconder o resultado pedalando e controlando a inflação controlando os preços da energia e do petróleo”, afirma.
Bacha lembra que, na Argentina atual, com o custo de vida subindo quase 300% em 12 meses, não é possível ter ideia de como foi conviver com uma fome de 3.000% ao ano no Brasil, principalmente por o mais pobre. , que precisavam ir ao supermercado no mesmo dia em que recebiam o salário, caso contrário não seria possível abastecer adequadamente a despensa, pois os preços eram reajustados mais de uma vez ao dia. O Brasil teve a inflação mais alta do mundo, segundo o professor Simão Davi Silber, da Universidade de São Paulo (USP). Segundo seus cálculos, entre 1980 e 1994, ano de lançamento do Plano Real, o custo de vida ultrapassou 13,3 trilhões por cento, algo inimaginável nos dias de hoje.
salto de gato
Segundo o acadêmico da USP, o maior erro do Plano Real foi a indexação da URV ao dólar. “Portanto, é óbvio que uma transição para uma moeda forte teve que contar com muita engenhosidade na arte e uma enorme âncora de credibilidade”, diz ele. “A âncora era o dólar e o câmbio não oscilou muito no primeiro ano do Plano Real. Isso foi fundamental”, acrescenta Silber. Ele lembra que os planos de combate à hiperinflação na década de 1920, após a Primeira Guerra Mundial na Alemanha, buscavam essa indexação ao dólar.
“Como Gustavo Franco fez doutorado em Harvard e estudou a hiperinflação alemã de 1921 a 1924, ele aplicou a mesma coisa. Os alemães criaram uma nova moeda, o marco real. fabricado na Alemanha em 1924″, explica.
Silber destaca ainda que um dos principais motivos do sucesso do real foi o fato de que tanto no governo Fernando Henrique quanto no governo Lula, na época de Henrique Meirelles, o Banco Central era independente para controlar a inflação, apesar de ainda não ter autonomia aprovada pelo Congresso. Já no terceiro mandato de Lula, o Banco Central brasileiro é independente, como a maioria dos bancos centrais dos países desenvolvidos e da América Latina, como Chile, México e Colômbia.
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