Os primeiros resultados das sondagens à saída indicam que o partido de direita radical Reunião Nacional saiu na frente na primeira volta das eleições parlamentares em França neste domingo (30/6).
De acordo com um pesquisa publicada pela rede de TV France 2, Reunião Nacional (RN) obteve 34% dos votos. A Nova Frente Popular, coligação de esquerda, obteve 28,1% dos votos. A coligação liderada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, obteve 20,3%. Outros 10% dos eleitores votaram no Partido Republicano.
Da forma como a votação está organizada em França, a primeira volta elimina apenas os candidatos com menos votos nas suas zonas eleitorais. E os candidatos que obtiverem mais de 50% dos votos com uma participação de pelo menos um quarto do eleitorado vencem automaticamente.
Os restantes assentos – bem como a composição final do Parlamento e do novo primeiro-ministro – só serão decididos após a segunda volta, em 7 de julho.
Mas o desenvolvimento da primeira volta mostra a força da direita radical e da Jordan Bardela.
O aliado de Marina Le Pencom apenas 28 anos, é o atual presidente do Reagrupamento Nacional, de direita radical, e poderá tornar-se o novo primeiro-ministro.
Emmanuel Macron convocou eleições logo após o seu partido foi derrotado pelo Reagrupamento Nacional nas eleições para o Parlamento Europeu, que tiveram lugar no início de Junho.
O partido da direita radical obteve 31,5% dos votos – mais do dobro dos obtidos pela Renascença de Macron.
Mas a convocação de eleições antecipadas foi vista como um elevado risco político pelo presidente francês.
Se a Reunião Nacional obtiver a maioria no Parlamento, Macron será forçado a escolher um primeiro-ministro da coligação vencedora, ou seja, a ter um adversário político como primeiro-ministro do seu governo.
Em casos como este, o presidente costuma desempenhar um papel mais discreto. Ele ainda mantém poderes, como o comando das Forças Armadas e a política externa, mas tem menos controle sobre as políticas internas, que são ditadas pelo partido com maioria absoluta no Parlamento.
Controle de imigração
A Reunião Nacional enfrenta as atuais eleições com uma agenda que tem como foco principal o controle da imigração.
Segundo Alessio Scopelliti, pesquisador de partidos de direita radical da Universidade de Bristol, a política se baseia em ideias como “soberania nacional, manutenção da lei e da ordem, autoritarismo e nativismo”.
O nativismo mencionado pelo especialista é a política de promoção dos interesses de uma população nativa contra os dos imigrantes.
Além de facilitar a expulsão de estrangeiros que cometem crimes, a Reunião Nacional propõe restringir o chamado direito à terra, ou jus solisque garante ao indivíduo o direito à nacionalidade do lugar onde nasceu.
Na França, aqueles que têm pelo menos um dos pais franceses são considerados nacionais. Os filhos de estrangeiros nascidos no país também têm direito à nacionalidade, mas só a adquirem aos 18 anos e desde que vivam em França há pelo menos cinco anos e desde os 11 anos.
Bardella pretende acabar com este direito, para que apenas os filhos de pais franceses sejam considerados cidadãos.
Esta grande mudança seria acompanhada pelo que o político chama de um corte “drástico” nos níveis de imigração. Para o conseguir, propõe medidas como a retirada da residência dos migrantes que não trabalham há mais de um ano, o fim dos vistos de reagrupamento familiar e a deportação sistemática dos migrantes irregulares.
Outra promessa é erradicar as ideologias islâmicas que classifica como “perigosas”, com medidas para fechar mesquitas e deportar pessoas consideradas radicalizadas.
Ele também disse que queria proibir o uso do hijab, o véu islâmico, em público.
A atual lei francesa já proíbe o uso de véu nas escolas públicas e proíbe o uso de roupas que cubram todo o rosto, como a burca, em público. O governo de Macron também proibiu no ano passado o uso da abaya, um vestido de corpo inteiro frequentemente usado por mulheres muçulmanas, nas escolas.
Em entrevista ao jornal Financial Times, Bardella disse mesmo que pretende travar uma “batalha cultural” nesta área.
“O véu não é desejável na sociedade francesa”, disse ele. “A batalha é parcialmente legislativa, mas é também uma batalha cultural que precisa ser travada”.
Melhorando a França para os franceses
Na área económica, o foco está no aumento do apoio àqueles que o partido chama de “verdadeiros franceses”, ou seja, os não-imigrantes.
“Bardella e Le Pen apoiam um tipo de protecionismo económico que defende as pequenas e médias empresas francesas”, afirma Alessio Scopelliti.
A investigadora afirma ainda que o partido tem promovido ideias geralmente associadas à esquerda, como a defesa dos direitos e interesses da classe trabalhadora.
“Eles defendem a expansão do bem-estar social, mas apenas para os nativos franceses brancos, excluindo automaticamente todos os outros grupos étnicos”.
Bardella prometeu defender o poder de compra da população cortando impostos sobre combustíveis, gás e eletricidade. Ele também propõe redução de impostos para as empresas caso estas aumentem em até 10% os salários dos empregados de baixa e média renda.
Ele também quer reverter a reforma previdenciária aprovada por Macron, que elevou a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos.
Os críticos salientam que todas estas promessas de campanha provavelmente custarão mais milhares de milhões aos cofres públicos. Mas Bardella disse que financiaria as medidas cortando, entre outras palavras, “gastos que incentivam a imigração legal e ilegal” e colmatando o que chama de “brechas fiscais”.
O político também é muito crítico em relação à União Europeia. Mas o seu partido abandona gradualmente a proposta de saída definitiva do bloco e passa a defender reformas estruturais, realizadas a partir de dentro da organização.
Depois das consequências económicas e até sociais do Brexit [a saída do Reino Unido da União Europeia] tornou-se mais claro, muitos partidos de direita radical começaram a concentrar-se mais num discurso que se centra na mudança da União Europeia a partir de dentro”, afirma Alessio Scopelliti, da Universidade de Bristol.
“Eles falam em proporcionar o que chamam de um verdadeiro tipo de integração europeia, em que os povos europeus colaboram entre si, mas cada um vive separadamente no seu próprio país, com as suas próprias identidades e com as suas próprias economias.”
Na política externa, o tema principal das eleições é o envio de ajuda económica para Ucrânia pelos aliados europeus.
Ao longo dos anos, a Reunião Nacional tem sido acusada de manter uma relação estreita com Rússia e com Vladímir Putin.
Mas Bardella tem lutado para tornar explícito o seu apoio à Ucrânia, embora rejeite a possibilidade de enviar mísseis de longo alcance para Kiev ou para as tropas francesas – algo que Macron sugeriu.
O partido de Bardella também se opõe à adesão da Ucrânia à União Europeia e à NATO.
Todas estas políticas, juntamente com a apatia dos eleitores centristas, aumentaram o apoio a Bardella, especialmente no interior da França.
Segundo os especialistas, os eleitores das zonas rurais e menos industrializadas poderão ser cruciais para o desempenho da direita radical nestas eleições.
“Estas zonas rurais são afetadas pelo desemprego e pela desindustrialização. E a população muitas vezes é menos escolarizada e enfrenta dificuldades socioprofissionais. Nesta região a infelicidade é mais aparente e a oportunidade é pouco provável, razão pela qual o RN obtém maior sucesso”, explica Vincent. Lebrou.
Mesmas ideias, novo tom
Bardella teve uma ascensão meteórica na ultradireita francesa: de desempregado que abandonou os estudos nos subúrbios de Paris, tornou-se protegido de Marine Le Pen e presidente do partido.
Segundo Cécile Alduy, professora da Universidade de Stanford, ele defende as mesmas mensagens e ideias que Marine Le Pen e o resto do partido. Mas ele o faz de uma forma mais educada e calma, o que ajuda o partido a se afastar de seu passado controverso.
“Bardella fala de forma calma e respeitosa. Ele não tem aquele sarcasmo ou ironia que até Marine Le Pen às vezes usa contra jornalistas. Ele nunca levanta a voz, nunca zomba”, afirma.
“E isso é uma vantagem para quem representa o Rally Nacional, porque a história do partido é ter alguém como Jean-Marie Le Pen que fez discursos na TV e atacou adversários”.
“Mas eles mantêm as mesmas questões-chave, a mesma retórica e os mesmos argumentos. É Marine Le Pen quem elabora a agenda e a plataforma e lhe diz sobre o que falar. Ele a vocaliza, mas com um tom mais baixo e um bom fachada.”
Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, foi o primeiro presidente do partido de direita radical e permaneceu à frente do partido até 2011, quando foi sucedido por sua filha.
O partido, anteriormente denominado Frente Nacional, nasceu em 1972 e desde o início apoiou o nacionalismo francês e o controlo da imigração. Ele também foi marcado por seu passado racista e antissemita.
A liderança do partido de Jean-Marie Le Pen foi marcada por inúmeras controvérsias. Ele foi condenado diversas vezes por comentários xenófobos, antissemitas e homofóbicos.
Depois que Marine assumiu o partido, seu pai foi expulso do partido em 2015 após afirmar que as câmaras de gás eram um “detalhe” na história do partido. Segunda Guerra Mundial.
Poucos dias depois, em entrevista a um jornal de direita radical, garantiu que era preciso “salvar a Europa Boreal e o mundo branco”. Também defendeu o marechal Philippe Pétain, chefe de Estado francês durante a ocupação e arquitecto da colaboração com a Alemanha nazi.
Em 2018, Marine Le Pen liderou uma renovação do partido numa tentativa de se livrar do seu passado e alcançar novos eleitores.
Mas os críticos dizem que este processo significou pouco mais do que mudar o nome do partido, uma vez que muitos dos seus ideais permaneceram os mesmos – os seus líderes tornaram-se simplesmente menos vocais e agressivos em algumas questões.
Por tudo isto, Marine Le Pen continua marcada pelas opiniões radicais que expressou sobre temas como a imigração, o nacionalismo e o Islão.
Portanto, segundo especialistas, a escolha de Jordan Bardella como novo rosto do partido não foi por acaso.
Deputado ao Parlamento Europeu desde 2019, o jovem político é neto de avós italianos e tem bisavó argelina – o que é sublinhado pela sua campanha em mais uma tentativa de se afastar do passado racista.
Bardella diz ainda que crescer numa comunidade desfavorecida e conviver com o flagelo das drogas, da pobreza, da ilegalidade e da imigração descontrolada o fez acreditar que só a direita radical tinha a resposta.
E de acordo com Pascal Humeau, profissional de formação de mídia que trabalhou com Bardella durante quatro anos, Le Pen rapidamente percebeu como a formação do jovem poderia ser útil para o partido.
Mas Humeau está longe de elogiar Bardella. Os dois se separaram após uma discussão sobre dinheiro, então sua opinião precisa ser encarada com cautela. Hoje ele descreve o líder da Reunião Nacional como um “produto de marketing”.
O francês tem mais de 1,7 milhão de seguidores no TikTok – e parte de seu sucesso atual é atribuído à sua capacidade de atrair e reter eleitores por meio das redes sociais.
“Ele é um político que mobiliza as redes sociais e o faz de uma forma muito confortável. Isso é algo que tem contribuído significativamente para o perfil dele. Você não sabe exatamente o que ele está propondo, mas você vê isso em todos os lugares”, explica Vincent. Lebrou, professor da Universidade de Franche-Comté.
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