As bactérias resistentes aos antibióticos são mestres em criar estratégias para evitar serem eliminadas pelos medicamentos. Uma delas é a Pseudomonas aeruginosa, naturalmente presente no solo e na água, mas comum em ambientes hospitalares. Várias cepas de P. aeruginosa encontradas em hospitais são imunes à maioria dos antibióticos existentes. Pensando nisso, uma equipe de pesquisadores da Universidade do Sul da Dinamarca descobriu uma fragilidade no microrganismo, que pode se tornar um alvo para combatê-lo. A pesquisa foi detalhada na revista Microbiology Spectrum.
Os cientistas identificaram um mecanismo que reduz a formação de biofilme na superfície das bactérias. Esse material pegajoso e viscoso que cobre o microrganismo é utilizado como forma de proteção contra antibióticos. “Esse biofilme pode ser tão espesso e pegajoso que o antibiótico não consegue penetrar na superfície da célula e atingir seu alvo dentro dela”, disse Clare Kirkpatrick, chefe de pesquisa do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular e líder do estudo, em um comunicado. declaração. “Talvez um dia consigamos estimular farmacologicamente esse mecanismo para reduzir o desenvolvimento de biofilme na superfície da P. aeruginosa”, destacou o cientista.
Para o estudo, os pesquisadores se aprofundaram em três genes recém-descobertos em uma cepa de P. aeruginosa cultivada em laboratório. Quando esses genes foram superexpressos, houve uma grande redução no biofilme.
Segundo a equipe, o sistema afetado pelos genes faz parte do genoma central da P. aeruginosa, o que significa que está presente em todas as cepas da bactéria sequenciadas até o momento.
“Fazendo parte do genoma central da P.aeruginosa, este sistema foi encontrado em todas as cepas investigadas, incluindo uma grande cepa isolada em alguns pacientes. Portanto, há razões para acreditar que a redução do biofilme através deste sistema deve ser eficaz em todas as cepas conhecidas de P. . aeruginosa”, disse Kirkpatrick.
Segundo Moacyr Silva, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein, a Pseudomonas é uma das principais bactérias causadoras de infecções relacionadas à saúde no mundo, inclusive no Brasil. “Tem alta endemicidade no país, é uma bactéria com predileção por UTI porque tem muitos ventiladores mecânicos, é aquática e tem essa preferência pela água de ventilador mecânico. Pensar em formas de enfraquecer as bactérias é sempre bem-vindo. Usamos antibióticos que destroem as bactérias, no caso deste estudo seria mais uma forma de enfraquecer o microrganismo. Isso vai ajudar muito a humanidade”.
Cada cepa de bactéria pode evoluir individualmente e sofrer mutações rápidas e constantes quando sob pressão. Não é incomum que pacientes infectados por P. aeruginosa respondam bem ao início do tratamento antibiótico, mas posteriormente enfrentem resistência desenvolvida pelo microrganismo. As cepas sofrem mutação, mas seu genoma central comum não muda.
Stefan Cunha Ujvari, infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, ressalta que para tratar Pseudomonas é preciso acertar o antibiótico logo no início. “Nossa dificuldade muitas vezes é escolher um antibiótico que destrua aquela bactéria, brincamos com as probabilidades. Quanto mais resistência bacteriana, maior a chance de errar o antibiótico. Bactérias como essa produzem substâncias que destroem o medicamento. antibióticos juntamente com outros medicamentos, que irão inativar a substância que a bactéria produz para destruir o medicamento principal”.
Estresse celular
Durante os experimentos, os cientistas ativaram o sistema de redução de biofilme por meio da superexpressão genética. No entanto, eles também descobriram que o sistema é naturalmente estimulado pelo estresse da parede celular. “Portanto, se estressarmos a parede celular, isso pode levar naturalmente a uma redução do biofilme, facilitando a penetração do antibiótico na parede celular. Atualmente, medicamentos direcionados à parede celular não são amplamente utilizados contra P. aeruginosa, mas talvez eles poderiam começar a ser usados como aditivos para reduzir a produção de biofilme e melhorar o acesso dos antibióticos existentes às células, disse Kirkpatrick.
A patologista clínica do Laboratório Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e membro da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), Maria Maluf, reforça que a resistência bacteriana aos antimicrobianos é um problema crescente de saúde pública. “O uso indiscriminado de antibióticos contribui para o surgimento de novos mecanismos de resistência, que, ao serem disseminados, ameaçam a capacidade médica de tratar doenças infecciosas. Quanto mais resistência, menos opções terapêuticas restam para combater essas infecções, que apresentam altas taxas de mortalidade. novas descobertas para ajudar a tratar estas infecções multirresistentes serão sempre muito importantes e úteis.”
André Bon, infectologista do Hospital Brasília, afirma que, diante da quantidade de possibilidades de mecanismos de resistência, é fundamental investir no desenvolvimento de novos medicamentos. “Aqueles que atuam especificamente nos mecanismos de resistência identificados em Pseudomonas e outros não fermentadores, o que ampliará as opções terapêuticas e prevenirá mortalidade e morbidade em pacientes internados em hospitais”.
Eu penso
“A superação da resistência bacteriana é um problema de saúde pública mundial. Organismos nacionais e internacionais chamam a atenção para o problema que vem crescendo muito nos últimos anos, principalmente pela pressão seletiva do uso inadequado de antimicrobianos. desenvolvimento de resistência. Há necessidade de implementar programas de controlo antimicrobiano, não só em humanos, mas também em veterinária e agricultura, para que possamos mitigar este problema”.
Thaís Guimarães, infectologista e coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) e diretora da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI).
Alto custo
“Pesquisas recentes descobriram que o estresse na parede celular faz com que a produção de biofilme seja reduzida. É possível que o uso de medicamentos direcionados à parede celular das bactérias possa reduzir a produção de biofilme. Portanto, os antibióticos podem agir e matar bactérias como a P. aeruginosa. De acordo com Segundo a Organização Mundial de Saúde, a resistência antimicrobiana ameaça a prevenção e o tratamento eficazes de uma gama crescente de infecções causadas por bactérias, parasitas, vírus e fungos da quimioterapia contra o cancro. O custo dos cuidados de saúde para pacientes com infecções resistentes seria mais elevado.»
Silvia Fonseca, infectologista, pediatra e professora universitária do grupo Ydqus (IDOMED)
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