Na vigorosa onda de realismo proposta pelos autores de cinema, num movimento que se estendeu pela década de 1970 (a Nova Hollywood), muitos rostos se afirmaram: entre eles, Al Pacino, com quatro indicações consecutivas ao Oscar na década de 1970, e outra em 1979. Ele teve personagens de Shakespeare, nas telonas, e outros do mundo dos gangsters, da justiça e do tráfico de drogas. E ele estava frequentemente envolvido em confrontos físicos. Este ano, esse ícone do cinema completou 84 anos, e foi exibido no CCBB Brasília, com 24 títulos, a partir de hoje, que depois serão exibidos em São Paulo.
Grita a atualidade dos temas dos filmes com Al Pacino, ao discutir câmeras corporais, a instituição do jogo, a descriminalização das drogas e os escândalos de contravenção milionários. “O cinema e Al Pacino podem sim espelhar o mundo real”, defende o curador da exposição, Paulo Santos Lima. Emblemático dos tipos penais contemporâneos, Pacino, mesmo na outra ponta, quando representa a lei, é inegável. “A personagem Hanna, de Fogo contra Fogo, traz uma ética policial imbatível. Entre a preocupação com a criminalidade na indústria do tabaco e o sensacionalismo, ele interpreta o produtor de TV em O Informante. Como prefeito, em Prefeitura (1996) Há outra ótima ilustração: um sistema disfuncional condena à dinâmica da corrupção e da troca de favores. Um exemplo do capítulo é Policial Honesto, de Serpico, do diretor Sidney Lumet, que revela a impossibilidade de corrigir a corrupção intrínseca”, aponta Lima.
Filmes pouco conhecidos como Os Viciados (1971) e O Espantalho (1973) do diretor Jerry Schatzberg, “que mereciam maior reconhecimento”, reúnem personagens colocados à margem. “O primeiro é o filme mais direto sobre viciados, sem espetacularização. Tudo é mostrado com extremo realismo, no primeiro papel principal de Pacino. Em O Espantalho, Gene Hackman e ele não se davam bem, mas o filme faz um arco muito forte entre dureza e carinho, ou um mundo cuja crueza brutal acaba gerando laços de amor cáustico”, avalia.
Passaporte para renovar o público, a exposição resgata a imagem de um “gigante do século XX”. “No século 21, ele e vários de seus colegas geracionais sofrem certo desprezo por parte da indústria. Por isso optei por filmes que ilustram a condição efetiva de um artista: Manglehorn (2014) dirigido pelo popular David Gordon Green; Tudo por Dinheiro, onde Pacino faz um milagre num filme simplesmente inteligente, e sobretudo Era Uma Vez… em Hollywood, ironicamente Al Pacino numa presença muito pontual mas brilhante, se não a melhor deste século, e obrigado, de claro, para o renome de Quentin Tarantino”, avalia o curador.
Adiado por 30 anos, o encontro cênico entre Robert De Niro e Al Pacino marcou Fogo Contra Fogo, título de Michael Mann incluído na exposição. “Talvez sejam os dois maiores atores surgidos da Nova Hollywood, e ambos devotos do Método (encenação derivada dos estudos de Stanislavski). Nisto se encarna o realismo extremo, com espaço para a tragédia, a subversão, a extroversão e a intensidade. tem pulsão radiante, mas traz desânimo intrínseco, diante da missão de resolver muitos problemas”, observa Lima. Mesmo em personagens positivos, há passividade do erro, como no caso do íntegro advogado da Justiça para Todos, que, diante de uma denúncia, “acaba justamente por alimentar o seu mau funcionamento”.
Em termos de nuances, Pacino calibra vilões como os de Advogado do Diabo, assimilando (mas, na mesma medida, criticando) defeitos de “ganância e arrogância”, na percepção do curador. Destemido adepto da recriação de personagens em remakes (Scarface e Perfume de Mulher, este último que lhe rendeu o Oscar de melhor ator), Pacino teve momentos de brilho em sua carreira, ao lado de atrizes como Michelle Pfeiffer e Chalize Theron. E com filmes como Dog Day Afternoon (1975), recebeu indicações ao Oscar de premiações em San Sebastián, na Associação de Críticos de Los Angeles e até no Bafta inglês. Compor para caras como Carlito Brigante (ex-traficante obrigado a voltar, em O Pagamento Final) e Big Boy Caprice (de Dick Tracy), além de acumular conquistas como ser diretor do Estúdio do Ator seria o suficiente para explicar como uma imagem dele (em O Poderoso Chefão II) ilustra a capa do livro de Sextante, e uma Bíblia do cinéfilo, chamada Tudo sobre cinema.
Equipe vencedora
Mas nunca podemos esquecer a peça magistral da trilogia Big Boss (de Francis Ford Coppola), que reuniu os genuínos Marlon Brando e Robert De Niro. “Michael Corleone (Pacino) se vê forçado a algo que não queria, mas o destino o obrigou a fazer: assumir os negócios da família (declarado na contravenção). Em Scarface (1983), ele assume um vilão mais completo, mas não deixa de ser vítima, neste caso, do capital”, aponta Lima. Entre as anedotas que cercam o ilustre nova-iorquino está sua recusa em interpretar Han Solo, no clássico Star Wars.
A exposição no CCBB traz ainda um título eternamente visto como polêmico em sua carreira: Parceiros da Noite (1980). “A fita causou forte reação da comunidade LGBTQIA, que se mobilizou contra o filme, repercussão que virou notícia do filme. O próprio Al Pacino odeia o filme. O que é um erro, porque ele é incrível no papel desse filme, que , Assim como os outros do diretor William Friedkin, ele fala mais de uma violência que paira sobre uma situação. O policial que Pacino interpreta passa por uma espécie de possessão que, apesar de bastante ambígua, talvez tenha menos a ver com a sexualidade do que com a violência do assassino. drive. A abordagem do filme à cena noturna gay é bastante complicada, mas o filme também mostra uma instituição policial horrenda e o policial de Pacino sempre diz, na cara, que está completamente atormentado”, destaca o curador. O filme também traz à tona o fato de Pacino ter procurado um salão que atendesse a comunidade, resultando em cabelos que ele odiava e que também irritavam Friedkin. “A solução foi conseguir um permanente, causando estranheza à imagem sempre associada ao ator”, conclui Paulo Santos Lima.
Pacino
CCBB (SCES Tr. 02). Mostra com 24 filmes, claro, debate. Hoje, às 17h, Pagamento Final e, às 20h, Parceiros Noturnos. A programação continua até 4 de agosto. Ingressos, R$ 10 e R$ 5 (meia).
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