O grupo de trabalho responsável pela análise do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024 apresentou, nesta quarta-feira (3/7), relatório sobre a regulamentação da reforma tributária, incluindo a aplicação do Imposto Seletivo para bebidas alcoólicas. A proposta baseia-se num modelo de tributação híbrido, combinando uma taxa Ad Valorem (sobre o valor dos produtos) e uma taxa Ad Rem (baseada em litros de álcool puro).
O presidente do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), Carlos Lima, entidade que representa mais de 80% do volume de cachaça comercializado no Brasil, tem esperança de que a nova regulamentação corrija as atuais assimetrias no sistema tributário. “Acreditamos que estamos no caminho da correção das assimetrias e da igualdade fiscal, desde que as taxas sejam únicas e justas para todas as bebidas alcoólicas, independentemente do teor alcoólico”, afirmou Lima. No entanto, manifestou preocupação com a falta de tratamento diferenciado para os pequenos produtores no processo de seleção.
Lima argumentou que a redução da tributação da cerveja, baseada no seu baixo teor alcoólico, poderia incentivar o consumo dessa bebida, que já é vinte vezes mais consumida que a cachaça no Brasil. “O objetivo do Imposto Seletivo é justamente evitar o consumo excessivo de determinados produtos. Uma tributação mais leve sobre a cerveja vai contra esse propósito”, explicou.
Ele argumentou que, num cenário de tributação isonômica, os micro e pequenos produtores deveriam receber tratamento diferenciado, com alíquotas Ad Valorem reduzidas. Desde a publicação da Medida Provisória 690/2015, a diferença de carga do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) entre bebidas destiladas e fermentadas aumentou consideravelmente. Atualmente, a cerveja e o vinho são tributados a 3,9% e 6,5%, respectivamente, enquanto a cachaça e outras bebidas destiladas enfrentam alíquotas de 16,25% e 19,5%.
O presidente do Ibrac destacou que a quantidade de álcool puro consumida deve ser o principal fator na regulamentação tributária das bebidas alcoólicas, e não apenas o teor alcoólico. Ele comparou uma lata de cerveja de 350ml, uma taça de vinho de 150ml e uma dose de 40ml de destilado puro, que contém aproximadamente a mesma quantidade de álcool puro: 14 gramas. Essa perspectiva é apoiada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), que recomenda que a taxa seletiva não varie em função do teor alcoólico, para não reduzir o impacto na cerveja, responsável por 90% do consumo de álcool no país.
A cadeia produtiva da cachaça é formada principalmente por micro e pequenos produtores, empregando direta e indiretamente mais de 600 mil pessoas em todo o Brasil. De acordo com o Anuário da Cachaça 2024, divulgado recentemente pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Brasil registrou aumento no número de marcas de cachaça, novos produtos e cachaçarias em 2023. Atualmente, o país conta com 10.526 marcas de cachaça, 5.998 produtos e 1.217 cachaçarias cadastradas no Mapa.
As exportações da bebida também atingiram recorde histórico, ultrapassando os 20 milhões de dólares, um aumento de 0,7% no valor total das exportações. A cachaça é exportada para 76 países. Apesar do crescimento, o setor enfrenta grandes desafios devido à elevada tributação.
Setor
Para o presidente do Instituto Cachaças de Brasília, João Chaves, o ano de 2023 marcou um período de valorização dos pequenos e médios produtores artesanais de cachaça.
“Essa valorização veio a partir de 2022. Acho que esses festivais de cachaça, por exemplo, trazem visibilidade e notoriedade ao produto que é tão marginalizado. Quanto mais levarmos a cachaça a um nível de glorificação e glamourização, melhor para o produto como um todo, até mesmo para aquela cachaça que é vendida com preço menor. Eles precisam ser valorizados se forem de qualidade”, afirmou.
Porém, os altos impostos prejudicam esses produtores cadastrados e abrem espaço para a clandestinidade. “Isso nos coloca em concorrência com produtores que não são produtores legais, não registrados, e também aumenta a possibilidade de falsificação de produtos, prejudicando a nossa margem de lucro e o crescimento do negócio”, lamentou Chaves
“Tem um valor simbólico. A cachaça é o destilado mais antigo das Américas. É um destilado que acompanha o Brasil desde o início da produção de açúcar. É um produto que representa muito da nossa história”, completou.
O produtor rural Galeno Cambéba comentou a recuperação do setor pós-pandemia. Produz a cachaça Cambéba, empresa familiar, em Alexânia (GO). “O setor passou por um período de pandemia. O ano foi de recuperação e reorganização. Em 2022, houve um grande processo na produção da cachaça. Mão de obra escassa e cara. A economia é dinâmica e cíclica, o mercado promete o surgimento de novas marcas. Os brasileiros são empreendedores por natureza.”
Galeno também abordou a questão da elevada carga tributária sobre a cachaça. “O setor de cachaça, hoje, é o item mais tributado. Para se ter uma ideia, para cada três litros vendidos, dois litros são tributados. risco para a saúde dos consumidores”. Alertou para os riscos associados ao aumento da actividade ilegal, que pode comprometer a saúde dos consumidores e a sustentabilidade do sector.
A expectativa é que, com políticas mais equitativas e novos acordos internacionais, o setor continue a expandir e a fortalecer a sua presença tanto no mercado interno como externo.
*Estagiário sob supervisão de Pedro Grigori
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