Em sessão histórica e inédita, no dia 2 de abril deste ano, a Comissão de Anistia do governo aprovou a declaração de anistia ao povo Krenak, de Minas Gerais, na primeira ação coletiva de reparação a um grupo indígena perseguido pela ditadura. Com direito a um pedido público de desculpas do Estado pelas perseguições e violações ocorridas durante esse período excepcional. O encontro e o gesto de desculpas aos ancestrais deste grupo foram conduzidos pela presidente da comissão, Eneá Stutz, no auditório principal do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, ao qual o colegiado está vinculado.
Os Krenak foram alvo de repressão nos anos de chumbo de uma Guarda Rural Indígena, criada por militares dos próprios membros da etnia, foram confinados em um presídio conhecido como reformatório Krenak e também foram submetidos a deslocamentos forçados e arbitrários, forçados deixar suas terras originais. .
Junto com a declaração de anistia a essas pessoas, a comissão listou uma série de recomendações a serem cumpridas pelos poderes públicos, como governos federais, estaduais e municipais e empresas privadas. Foi uma série de cerca de 20 recomendações para a demarcação da Terra Indígena Sete Salões, instruções da Funai à Advocacia Geral da União (AGU) para abrir mão do efeito suspensivo na Justiça que bloqueia o reconhecimento das terras como pertencentes a esses povos, demandas das mineradoras para despoluição do rio, prevê a criação de um reservatório de peixes, garantindo atendimento integral à saúde desses indígenas e a instalação de uma torre de internet na área desse grupo. O pedido de anistia ao povo Krenak foi uma ação do Ministério Público de Minas.
No dia 20 de maio, o Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, publicou a portaria sobre Diário oficial, confirmando e seguindo integralmente a decisão da Comissão de Anistia, concedendo anistia política coletiva aos Krenak, incluindo todas as demandas.
Mas a Assessoria Jurídica do ministério, por meio do procurador da AGU, Gustavo Pedrollo, se opôs à decisão da comissão e também à publicação da portaria assinada pelo ministro. O consultor do departamento argumentou em parecer, obtido pela Correspondência, que cabe apenas à Comissão de Anistia reconhecer e declarar a condição de anistia coletiva para um grupo, mas nunca fazer recomendações a outros órgãos públicos. Entenda que não existe tal previsão legal.
Pedrollo concluiu então que todas as recomendações da comissão previstas na portaria assinada por Silvio Almeida foram anuladas. E que todos os processos de pedido de anistia coletiva — outros estão previstos para acontecer — sejam submetidos à análise jurídica antes da publicação pelo ministro.
“A Comissão pode reconhecer e declarar anistia coletiva, mas as recomendações, especialmente com a entrada em detalhes sobre o que outros órgãos públicos deveriam fazer no âmbito de suas competências administrativas, carecem de base jurídica específica e, portanto, não têm base legal. , que portarias emitidas diante de pedidos coletivos de anistia não podem de forma alguma fazer recomendações, especialmente buscando detalhar como os órgãos públicos devem atuar administrativamente. Não há base legal para isso”, afirmou Gustavo Pedrollo em seu comunicado. parecer.
O ministro acatou parcialmente a posição da consultoria e fez uma correção na própria portaria, cinco dias depois, no dia 17 de junho. Silvio Almeida dispensou a AGU de atuar na revogação de efeito suspensivo obtido pela Fundação Nacional do Índio (Funai), no governo de Jair Bolsonaro, contra a demarcação da área de Sete Salões.
MPF defende decisão da Comissão de Anistia
O advogado sindical do ministério disse: “Não faz sentido e não tem base legal pretender recomendar diretamente à AGU como atuar em um processo judicial, sem antes tomar deliberações sobre as políticas públicas pertinentes por parte dos gestores dos órgãos finais (Funai). , em caso)”.
O Ministério Público Federal em Minas Gerais manifestou sua oposição ao posicionamento da AGU contra a previsão de recomendações em casos de reparação de anistia coletiva. E defendeu a portaria do ministério, mantendo a maior parte das recomendações.
“Não se poderia esperar de um Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania outra postura que não a de buscar reparação para os primeiros indígenas anistiados coletivamente no país, ainda que apenas por meio das recomendações emanadas de seu grande dono”, afirma o advogado Edmundo Antônio Netto Júnior.
Em outra parte, o promotor diz: “Também não se pode concordar que a Comissão de Anistia não pudesse deliberar sobre as formas de reparação, pois a política reparatória para graves violações cometidas pela ditadura militar é função primordial daquele eminente colegiado”.
O ministério informou que a declaração de anistia coletiva aos Krenaks foi mantida e que a anistia não foi revogada ou anulada.
“Houve uma correção no sentido de retirar do ato de anistia coletiva as recomendações nele contidas. Isso foi necessário pelo fato de não caber ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) fazer recomendações a outros órgãos, e coube então à Comissão de Anistia fazê-lo diretamente caso entenda diferentemente. É importante destacar que a declaração de anistia, e suas consequências, devem ter base legal, e todos os ajustes estão sendo feitos após análise pela Comissão. Consultoria Jurídica do ministério”, informou o ministério.
A presidente da comissão, Eneá Stutz, informou que as providências que deveriam ser tomadas pelo colegiado foram feitas. E que qualquer outra medida está fora da jurisdição da comissão. “Portanto, não cabe a mim comentar”, disse Stutz.
Confira a resposta completa do MDHC para Correspondência:
“Primeiramente, é importante esclarecer que a função da Comissão de Anistia é analisar as solicitações que lhe são feitas, com base na Lei, e assessorar o Ministro em suas decisões, conforme estabelecem os artigos 10 e 12 da Lei nº 10.559/ 2002, citado abaixo:
_Artigo 10 – Caberá ao Ministro de Estado dos Direitos Humanos decidir sobre os pedidos com base nesta Lei_
_Artigo 12 – É criada a Comissão de Anistia no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos, com a finalidade de examinar os pedidos de que trata o art. 10 desta Lei e assessorar o Ministro de Estado em suas decisões._
No caso em questão, foi mantida a declaração de amnistia política colectiva ao povo Krenak, não houve revogação ou anulação da amnistia aprovada em sessão realizada no dia 2 de Abril, cuja decisão final cabe ao Ministro.
Houve uma correção para retirar as recomendações nele contidas da lei de anistia coletiva. Isto foi necessário porque não cabe ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) fazer recomendações a outros órgãos, cabendo à Comissão de Anistia fazê-las diretamente, se achar conveniente.
É importante destacar que a declaração de anistia, e suas consequências, devem ter base legal, e todos os ajustes estão sendo feitos após análise do Departamento Jurídico do MDHC.”
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