A aprovação da primeira parte do regulamento da reforma tributária na Câmara dos Deputados mostrou a força dos lobbies, que tiveram forte atuação na construção dos textos. O projecto avançou seguindo exigências de sectores económicos influentes, bem como de interesses políticos e eleitorais.
A redução do imposto sobre a carne ocorreu quando as luzes se apagaram numa votação acelerada. A aprovação, com apoio do Palácio do Planalto, representou uma vitória da “bancada de touros”, a mais poderosa da Câmara, que exerceu forte pressão. Por isso a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) aceitou 18 demandas do setor nas negociações.
Antes mesmo da inclusão da proteína animal no regime de isenção do texto base — aceita após o relator notar a ampla margem para aprovação do tema por meio de emenda —, o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), agradeceu, no plenário, para os pontos abordados.
A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) parabenizou os deputados pelo voto “a favor da população brasileira”. A entidade considerou a isenção total sobre proteínas de origem animal “um avanço significativo no acesso das famílias brasileiras aos alimentos essenciais”.
Segundo o fiscal Alexandre Mazza, na prática, uma vez confirmada a decisão nas votações ainda pendentes, poderá haver uma redução de cerca de 25% no preço da carne nas gôndolas, o que, sem dúvida, é uma boa notícia para os consumidores . . “Os setores econômicos que demonstrarem mais força nos bastidores das votações devem garantir vantagens competitivas que favoreçam a redução dos preços e o provável aumento das vendas”, avaliou.
Para a agricultura também foram aceitos regimes diferenciados para biocombustíveis, insumos agrícolas, crédito presumido nas operações com produtores rurais, além do aumento de produtos incluídos nas cestas básicas.
Outro grupo que saiu vitorioso na votação foi o “da bala”. Isso porque a Câmara excluiu armas de fogo e munições do Imposto Seletivo (IS), o “imposto do pecado”. Tributação adicional será aplicada a produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
A inclusão de armas no SI foi apresentada em destaque do PSol. Ao defender a tributação adicional, o deputado Pastor Henrique Vieira (RJ) fez um apelo para que os artefatos de guerra não tenham redução na carga tributária em relação à tributação corrente.
“Se o texto for aprovado como está, haverá uma redução de quase 70% na alíquota de impostos sobre armas de fogo e munições no Brasil”, alertou. Armas e munições serão tributadas à alíquota normal, estimada em 26,5%, e serão equivalentes a produtos inofensivos como fraldas infantis, perfumes e roupas.
Deputados do PL que defenderam a exclusão dos artefatos de guerra do EI classificaram o argumento do PSol como uma “narrativa”. Para eles, as armas são utilizadas pela população mais pobre para se defender do crime.
Ultraprocessados: fora do “imposto do pecado”
Os alimentos ultraprocessados também ficaram isentos de tributação extra. Eles ficaram de fora da lista do Imposto Seletivo (IS), apesar da forte campanha publicitária e do apoio governamental para que fossem sobretaxados. No entanto, o “imposto sobre o pecado” incluía bebidas alcoólicas, cigarros, apostas desportivas, entre outros.
O apoio à tributação dos alimentos ultraprocessados chegou a ser defendido em inserções televisivas, cujo principal argumento é a nocividade à saúde. Se o trecho aprovado pela Câmara dos Deputados for mantido pelo Senado, itens como biscoitos recheados, macarrão instantâneo e salsichas não recolherão o imposto.
Mas, para a Associação Brasileira da Indústria da Alimentação (Abia), a qualificação dos alimentos com base no nível de processamento e quantidade de ingredientes tem uma definição vasta. Inclui, por exemplo, alimentos como cereais matinais, pão integral e refeições vegetarianas.
“Ao contrário do que se propaga, a classificação ‘ultraprocessado’ não encontra consenso na comunidade científica nacional e internacional. Não é reconhecida pela ciência e tecnologia de alimentos e tem sido descartada por outros países”, explica Abia. Segundo a entidade, o que chamam de alimentos ultraprocessados engloba mais de 5,7 mil itens de diversas categorias.
Abia destaca que o texto aprovado pela Câmara reconhece a relevância dos alimentos para o país e a necessidade de não aumentar a tributação sobre esses itens. “Só faria a população pagar mais, o que, na opinião da Abia, seria uma enorme contradição”, nota a entidade.
No entanto, o impacto da SI nos bolsos dos cidadãos, favorável ou não, permanece incerto. Como as taxas só devem ser incluídas em fases posteriores do processamento, não é possível determinar o efeito sobre o consumidor.
A não tributação, porém, não foi aprovada e o texto pode sofrer alterações no Senado. “Continuaremos a luta pela taxação de alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas no Senado”, destacou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
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