A afirmação de que o Brasil poderá se tornar inabitável em 50 anos por causa das mudanças climáticas repercutiu na imprensa brasileira nos últimos dias. Porém, o estudo da NASA que baseou essas informações não menciona o país nem aponta que o aumento das temperaturas poderia impossibilitar a sobrevivência humana até 2070. Portanto, o Correspondência conversou com especialistas para entender por que esses dados estão distorcidos.
A pesquisa em questão é de 2020 e foi publicada na revista científica Avanços da Ciência e aborda como a combinação de calor e umidade afeta a saúde humana. Dois anos depois, um artigo revisitando este estudo foi publicado no site da NASA. O texto Quente demais para lidar: como a mudança climática pode tornar alguns lugares quentes demais para se viver menciona o Brasil no penúltimo parágrafo.
“Os modelos climáticos dizem-nos que é provável que certas regiões excedam estas temperaturas nos próximos 30 a 50 anos. As áreas mais vulneráveis incluem o Sul da Ásia, o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho por volta de 2050; e o leste da China, partes do Sudeste Asiático e Brasil até 2070”, diz.
O climatologista José Marengo, coordenador geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica ao Correspondência a diferença entre previsão e projeção, e ressalta que a afirmação de que o Brasil poderá se tornar inabitável em 50 anos é exagerada.
“Você pode fazer uma previsão do tempo para amanhã ou para a próxima semana. Mas em termos de mudanças climáticas, trabalhamos com cenários”, afirma. E o climatologista acrescenta: “Quando está muito calor, o ser humano começa a suar e, com isso, o corpo vai esfriando — isso com a temperatura do ar. Mas com a temperatura de bulbo úmido significa que o ar está úmido e você não consegue suar e começa a reter calor dentro do corpo.”
José Marengo refere ainda que temperaturas de bolbo húmido superiores a 35ºC podem afetar a saúde humana. “Mas esse tipo de comportamento (aumento da temperatura de bulbo úmido) pode ser observado em partes das regiões Norte e Centro-Oeste, mas para todo o Brasil é exagerado”, destaca.
O pesquisador Colin Raymon, do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA e autor do estudo de 2020, destaca no artigo de 2022 que é difícil dizer quando as temperaturas globais de bulbo úmido ultrapassarão 35ºC (95 graus Fahrenheit), porque este é um processo complexo que é gradualmente ocorrendo e se desdobrando de maneira diferente no mundo.
O que é bulbo úmido?
De acordo com a NASA, a temperatura de bulbo úmido é a temperatura mais baixa à qual um objeto pode esfriar quando a umidade evapora dele. “Quanto mais baixa for a temperatura do bulbo úmido, mais fácil será para nós resfriarmos. Ele mede o quão bem nossos corpos esfriam através do suor quando está quente e úmido, e nos diz se as condições podem ser prejudiciais à nossa saúde, ou mesmo aos mortais.” , explica a agência espacial.
Desde que a temperatura do bulbo úmido esteja bem abaixo da temperatura da pele, o corpo pode liberar calor para o meio ambiente por meio da radiação e do suor. “Mas à medida que a temperatura do bulbo úmido se aproxima da temperatura central, você perde a capacidade de se resfriar. Isso desencadeia mudanças em seu corpo. Você fica desidratado. Seus órgãos ficam estressados, especialmente o coração. O sangue corre para a pele para tentar liberar calor , deixando seus órgãos internos famintos, os resultados podem ser mortais”, acrescenta o artigo da NASA.
A meteorologista Andrea Ramos, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), exemplifica que o bulbo úmido é a temperatura que sentimos quando a pele está molhada e exposta ao vento. Ao contrário da temperatura de bulbo seco, indicada por um termômetro comum, a temperatura de bulbo úmido é uma indicação da quantidade de umidade no ar.
“A temperatura de bulbo úmido é uma medida fundamental para avaliar a questão do conforto térmico em ambientes externos, principalmente em regiões de clima quente e úmido. Estamos vivenciando o calor fornecido por uma massa de ar seco, o que também está reduzindo a umidade”, relata. Andréa.
“O que está acontecendo é que nas últimas décadas houve um aumento gradativo da temperatura média global, e não é só aqui no Brasil. E as chuvas estão diminuindo”, acrescenta o meteorologista.
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