Uma inteligência artificial que pode discutir cotas raciais, cuidados com cabelos cacheados e recomendar trabalhos feitos por negros. Essa é a Deb, a IA criada pelo Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), entidade com programas de diversidade, inclusão, educação e qualificação profissional que busca reduzir as desigualdades no mercado de trabalho e na sociedade.
A ideia é que a ferramenta seja um “amigo virtual” para tirar dúvidas sobre questões de inclusão que as pessoas não sabem a quem perguntar ou não têm coragem de falar em público.
“As diretrizes de diversidade ainda não chegam a todos com um vocabulário fácil e acolhedor”, afirma a escritora e apresentadora Luana Genót, também fundadora e diretora executiva do ID_BR.
Ela criou Deb para resolver esse problema. “Achamos que a inteligência artificial é um mecanismo que pode nos ajudar a potencializar, difundir essa conversa de uma forma muito mais rápida e fácil para diferentes públicos”.
Para Genót, as questões raciais só ficam “quentes” nos momentos em que há casos que se tornam virais: “Mas, quando não há casos suficientes na mídia, a agenda cai”. Por isso, ela decidiu aproveitar a tendência do momento, que é a inteligência artificial, para garantir que a questão racial esteja sempre sendo debatida, mesmo entre pessoas que não estão diretamente envolvidas no assunto.
“Porque também é muito legal você poder conversar com uma inteligência artificial, tem gente que faz isso só para passar o tempo. E aí também podemos penetrar em outras bolhas que, mesmo que não estejam falando sobre o assunto, vão ficar curiosas conversar com inteligência artificial que poderá trazer insights para a agenda”, afirma.
Justamente para cumprir o objetivo de democratizar o assunto, a versão “For All” (gratuita) do Deb é acessada através do Instagram – uma forma diferente da maioria das plataformas de IA, que possuem site próprio.
Para utilizar a ferramenta, basta seguir o perfil @chamaadeb na rede e iniciar uma conversa privada enviando uma mensagem.
Dois meses desde o seu lançamento, o perfil já conta com mais de 15 mil seguidores e Deb já tem cerca de 3 mil conversas por dia.
Nesta fase inicial, a IA responde apenas via texto, mas a proposta é que ganhe outras funcionalidades à medida que o projeto receba novos investimentos.
O principal diferencial da Deb em relação às demais IAs do mercado é seu repertório, que inclui diversos temas de inclusão e diversidade. Para isso, o ID_BR forneceu ao banco de dados da ferramenta conteúdos – livros, artigos, filmes e conceitos – que falam sobre igualdade racial e inclusão de outras minorias.
Na prática, ao pedir referências de livros a Deb, por exemplo, é muito mais provável que ela recomende obras de autores negros ou indígenas. “É muito mais fácil ela te dar uma referência a Conceição Evaristo como primeira resposta do que um mecanismo convencional, em que o livro só será de Conceição Evaristo se você mencionar que quer um autor negro”, explica Genót. “Com a Deb é mais comum ela te dar essa referência de antemão, mesmo que você não mencione um autor negro.”
A IA também está programada para dialogar em vez de simplesmente responder perguntas. Ela geralmente finaliza sua resposta devolvendo outras perguntas ao interlocutor ou mesmo perguntando se houve alguma dúvida sobre o assunto.
“Deb vai dizer: ‘Você está me perguntando sobre cotas, tem dúvidas sobre programas de ação afirmativa ou já tentou se inscrever em algum programa?’, porque no final das contas queremos que as pessoas se envolvam mais com essa questão , principalmente aquelas pessoas que não têm o hábito de se envolver, porque talvez não se sentiram convidadas para o assunto”, explica o criador da tecnologia.
“Deb responde aquela pergunta que você tem muita dificuldade de levar a público”, diz criadora da IA
A ferramenta também conta com uma versão paga: um plug-in voltado para empresas customizado para cada cliente com linguagem adaptada ao ambiente corporativo. A necessidade surgiu nas conversas com as quais o ID_BR já trabalha, ministrando palestras sobre diversidade e inclusão corporativa.
“Muitas empresas precisavam que oferecêssemos treinamentos, mas surgem dúvidas fora do horário comercial, dentro da esfera pessoal dos funcionários. A Deb vem nessa direção. daquela empresa, ou seja, não é a linguagem geral do Instagram”, afirma Genót.
A iniciativa surge num momento em que muitas inteligências artificiais são criticadas por terem um viés racista, dando respostas que incorporam os preconceitos da sociedade. Para Martin Luther Cândido e Silva, integrante do AfroCubo e CEO do Biti9, Deb pode não combater a raiz desse problema, que precisa ser atacado na sua “base”, mas garante que o assunto seja, pelo menos, debatido pela sociedade .
“Temos uma grande oportunidade de debater esse tema. E, num cenário de briga por quem tem a melhor e mais poderosa IA, temos uma oportunidade no Brasil, um país tão diverso, com tantas etnias e origens diferentes, de popularizar IAs com vieses não preconceituosos e mais diversos”, afirma Silva.
Ele também destaca a importância de Deb para a alfabetização racial, já que “muitas vezes as pessoas têm medo de perguntar aos outros sobre a diversidade”.
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