Coletivos, sindicatos e a Seção do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) entregaram ao subprocurador-geral da Fazenda Nacional, Fabrício Da Soller, requerimento para que servidores públicos vítimas de violência doméstica possam requerer a transferência de cidade . O pedido, feito nesta sexta-feira (30/8), no Ministério da Fazenda, é baseado na história de Marielle Dornelas, auditora fiscal que foi vítima de violência doméstica em Juazeiro do Norte (CE) e precisou ser afastada para salvá-la. vida .
Marielle tinha 24 anos quando passou no exame de auditor fiscal em Juazeiro do Norte e conheceu o agressor. Hoje, aos 45 anos, ela lembra de momentos de sufoco, da dificuldade de ter que fugir de onde estava para salvar a vida e da preocupação com o trabalho.
“Eu sabia que não poderia simplesmente me separar, sabia que minha vida estava em risco. Eu precisava me afastar dele primeiro para evitar a separação. Esperei por uma competição interna, era a única possibilidade, e então a violência piorou a ponto de ter que fugir da cidade com meu filho pequeno. Larguei meu emprego para salvar minha vida”, lembra ele.
No Brasil, a Lei nº 8.112/90, que regulamenta o serviço público, só permite o afastamento em três casos: concurso interno, tratamento de saúde e acompanhamento do cônjuge. A intenção do pedido apresentado pelas entidades é um parecer que equipara o risco de vida da violência doméstica à manutenção da saúde. Se aceita, a mulher em situação de violência doméstica poderá solicitar a transferência sem que a administração pública possa negar.
Para Herta Rani Teles Santos, advogada da Fazenda Nacional, a necessidade de políticas como a apresentada é relevante não só para garantir a agilidade do processo e a segurança das mulheres, mas também para cumprir os pactos internacionais sobre a segurança da mulher aos quais O Brasil é signatário.
“As questões de violência doméstica colocam em risco a saúde das mulheres e sabemos que são questões urgentes, têm de ser abordadas imediatamente. Portanto, é necessário que a Procuradoria da Fazenda Nacional faça essa interpretação, para cumprir todos os pactos com os quais o Brasil se comprometeu internacionalmente, como com a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Tribunal IDH), por exemplo. E dá mais segurança ao gestor para realizar esse afastamento sabendo que ele está confortável, que está dentro da lei e que está cumprindo”, explica Herta.
Marielle conseguiu transferir o cargo por solidariedade da administração, mas foi colocada longe da família e com posição incerta, a situação ainda não estava como deveria. O servidor se viu longe do invasor, mas ainda permanecia frágil, em uma cidade desconhecida e sem certezas sobre o futuro.
“Tive a sorte de a administração da época ter conhecimento da situação e me ter dado um cargo de liderança para que eu pudesse me afastar do cargo para assumir uma função de liderança em Fortaleza. Naquele momento foi uma solução que salvou meu emprego, salvou minha vida. Era uma solução possível, mas não era a situação ideal porque eu já estava passando por uma situação delicada. Tive que morar em uma cidade desconhecida, sozinho com um filho pequeno, sem família ou amigos, e ainda assumir um papel de liderança, aprender um novo papel sendo chefe, passando por tudo isso. O pior de tudo é que se eu perdesse a liderança teria que retornar imediatamente ao local onde morava meu agressor”, lembra o servidor.
Ela passou 4 anos em instabilidade até entrar com um processo administrativo para permanecer definitivamente em Fortaleza, sem risco de voltar para seu agressor. O pedido, porém, foi negado por não haver previsão legal. O auditor fiscal recorreu à Justiça e o processo recebeu respaldo da Lei Maria da Penha, que finalmente permitiu que Marielle permanecesse definitivamente na cidade de transferência.
“Comecei essa luta para que esse direito fosse garantido a todas as pessoas para que as mulheres não tivessem que passar por tudo que passei”, destaca.
Próximas etapas
Após anos de luta, Marielle conseguiu que a Receita Federal editasse um decreto concedendo o direito ao afastamento em casos de violência quando os funcionários precisarem mudar de cidade para garantir sua segurança ou a de seus dependentes. A portaria, no entanto, protege apenas os funcionários do IRS. A auditora disse que seu objetivo é conquistar o direito para todos os servidores públicos.
“O ideal seria que a funcionária escolhesse o local para onde quer se mudar, onde está sua família ou alguém que ela conhece, que fique longe do agressor, fora do alcance dele, e que esse processo seja independente de haver ou não uma vaga ou não. Deve ser uma escolha do servidor e deve ser confidencial”, enfatiza.
O procurador da Fazenda explica que os próximos passos da petição não só garantem sigilo e segurança ao servidor, mas que o direito é ampliado a todos os servidores do país.
“Com base nesse parecer, existe a possibilidade de ele ser enviado à AGU (Advocacia-Geral da União) para emitir parecer vinculante fora do Ministério da Fazenda, além do Ministério da Fazenda”, destaca Herta.
Marielle comenta o alívio de ter sua demanda ouvida e como a união dos coletivos femininos foi essencial para o seu caso.
“Durante muito tempo foi uma luta muito solitária por algo tão óbvio, que é uma falha em uma lei que está em vigor desde 1990. É uma lei que estava em vigor com essa falha, com essa lacuna, e ninguém vi. Mas agora, graças ao movimento de mulheres, graças à união das mulheres, esta reivindicação foi finalmente ouvida e está a ter a repercussão que necessita. Que realmente tenha resultado”, comemora.
*Estagiário sob supervisão de Andreia Castro
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