O segundo maior bioma do país, o Cerrado, que comemora aniversário no dia 11 de setembro, registrou ontem dados alarmantes: em 48 horas surgiram mais de 3,5 mil focos de incêndio, correspondendo a 43,8% do total de focos registrados no Brasil. Atrás apenas da Amazônia, com 50%.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Brasil lidera o ranking de incêndios na América do Sul, com mais de 8 mil incêndios nas últimas 48 horas, o que representa 55,2% do total de incêndios no continente.
Especialistas consultados por Correspondência indicam que se tratou de um caso de incêndio criminoso, como voltou a afirmar ontem a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. A professora de ecologia da Universidade de Brasília e pesquisadora da rede de biota do Cerrado, Isabel Schmidt, afirma que a ocorrência de queimadas no período de seca, no Cerrado, não é natural nem normal. “As queimadas no Cerrado, de maio a setembro, são causadas pela ação humana. As queimadas no Cerrado ocorrem devido à incidência de raios nos períodos chuvosos. Sem chuva não haveria incêndio”, argumenta.
As alterações climáticas e os períodos de seca prolongados estão gradualmente a eliminar a vida vegetal. Levantamento feito pelo MapBiomas mostrou que o Cerrado é o segundo bioma que mais perdeu vegetação nativa nos últimos 39 anos (27%), atrás apenas dos Pampas (28%).
Ao longo de quase duas décadas, 88 milhões de hectares de Cerrado foram afetados pelo fogo, que devastou 9,5 milhões de hectares de vegetação nativa. No total, o Cerrado perdeu 38 milhões de hectares devido ao aumento das mudanças climáticas.
O professor destaca que a degradação, não só pelo fogo, mas também pelo desmatamento, é maior e mais preocupante que a da Amazônia. “A cobertura vegetal do Cerrado pode ser destruída muito mais rápido, porque são pastagens secas, onde os incêndios são mais difíceis de controlar.
O desmatamento no Cerrado é pior que na Amazônia, mas o mundo não olha para o Cerrado, que é o coração das águas do Brasil, devido ao grande número de nascentes”, afirma. Segundo o INPE, o estado de Mato Grosso, formado em grande parte pelo Cerrado, tem o maior número de focos de incêndio do país, com quase 2,9 mil focos de incêndio no estado, o que representa 35,6% de todos os incêndios. incêndios no país. Uma parte considerável destes incêndios está relacionada com o aumento de campos de pastagens para pecuária e agricultura, que são criados através da queima do solo.
O MapBiomas calculou que 500 mil hectares de Cerrado perdidos ao longo dos anos eram áreas úmidas que foram queimadas e substituídas por pastagens. A professora lembra que há benefícios no uso do fogo, mas de forma responsável e prudente. Schmidt explica que a melhor forma de reduzir a propagação do fogo é com a técnica de Manejo Integrado do Fogo (MIF).
“Em determinadas épocas do ano, quando o pior período da seca ainda não começou e o solo ainda está um pouco úmido, áreas específicas são queimadas para evitar a propagação de possíveis incêndios posteriormente. O problema é que essa técnica ainda é muito pouco utilizada, apenas dentro de áreas de conservação”, afirma.
La Nina
Em período de forte seca, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) da Organização das Nações Unidas (ONU) alertou ontem que o fenômeno La Niña, famoso pela redução das temperaturas, será adiado e pode não chegar este ano. Segundo a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo, mesmo que o fenômeno de resfriamento ocorra, não mudará a trajetória de aumento das temperaturas globais.
“Desde junho de 2023, observamos uma sequência prolongada de temperaturas globais excepcionais da superfície terrestre e do mar. Mesmo que ocorra um evento de arrefecimento de curto prazo, isso não mudará a trajetória de longo prazo do aumento das temperaturas globais devido aos gases com efeito de estufa na atmosfera”, disse ele.
Além disso, Saulo disse ainda que, mesmo em condições neutras, os eventos climáticos extremos continuam a persistir. “Nos últimos três meses, prevaleceram condições neutras – nem El Niño nem La Niña. No entanto, ainda vimos condições climáticas extremas generalizadas, incluindo calor intenso e chuvas devastadoras”, ressalta.
Cuide da sua saúde
Em conferência de imprensa, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou medidas para que a população enfrente a seca e os incêndios com maior segurança e saúde.
Problemas cardiovasculares e respiratórios são comuns em épocas de muita fumaça e fuligem, por isso o Ministério da Saúde recomenda a distribuição de água, além da instalação de pontos de hidratação e nebulização nos locais mais afetados pelos incêndios.
As orientações para se proteger da fumaça incluem beber líquidos, reduzir o tempo de exposição ao ar livre, manter portas e janelas fechadas, evitar atividades físicas ao ar livre em períodos quentes e secos, entre outras medidas que reduzem o risco de doenças respiratórias.
O ministro orientou o reforço do atendimento nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) para pessoas que chegam com mal-estar, como tonturas e vômitos por ressecamento.
O secretário de Atenção Básica à Saúde, Felipe Proenço, destacou o aumento de atendimentos no Sistema Único de Saúde desde o início dos incêndios. “Em Goiás houve um aumento de 46% nas queixas de enjoos. No Mato Grosso, foi de 58%, e o número dobrou no Distrito Federal. No Tocantins, o aumento foi de 190%”, disse.
Nísia também destacou a importância de cuidar da saúde de quem está na linha de frente no combate ao fogo. “Sabemos que existem efeitos sensíveis a curto e longo prazo. Há risco aumentado de problemas cardiovasculares e respiratórios, os mais agudos nesse processo, e, em locais próximos aos incêndios, risco de intoxicação por fumaça. Por isso, também monitoraremos a saúde dos brigadistas florestais”
*Estagiário sob supervisão de Edla Lula
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