Porto Alegre — A capital gaúcha tem atualmente cerca de 14 mil pessoas vivendo em abrigos devido às enchentes que assolaram o estado — e quase o mesmo número vivendo fora dessas instalações temporárias. Mas, segundo o prefeito Sebastião Melo (MDB), a capital gaúcha não tem espaço suficiente para acomodar todos esses deslocados. “Não temos onde montar 14 mil barracas. Não há área com essa capacidade. O máximo que posso abrigar em Porto Seco é 800 pessoas”, alerta. Diante dessa dificuldade, ele vê apenas uma saída: que com a ajuda dos governos estadual e federal, sejam acelerados projetos de construção de moradias populares, ou mesmo de compra de imóveis que atualmente estão desocupados. Abaixo estão os principais trechos da entrevista.
Como será a reconstrução de Porto Alegre?
A limpeza da cidade já começou e custará cerca de R$ 100 milhões. A recuperação económica é desafiante: foram afetadas 160 mil pessoas, milhares de empresas, serviços e indústrias. Nas áreas afetadas suspendi a cobrança de IPTU, taxas de coleta de lixo e ISS, mas isso é insuficiente. Deve haver um Pronamp nacional que ofereça crédito às micro e pequenas empresas. Caso contrário, muita gente não se levantará.
O que está sendo feito?
Nestes primeiros 15 dias, a nossa prioridade foi salvar as pessoas. Se não fosse o voluntariado, a tragédia seria grande. Tivemos que montar esses abrigos, que só na capital abrigam atualmente 14 mil pessoas —e mais de 14 mil que foram atingidos e não foram para esses locais. Estamos trabalhando para restabelecer os serviços básicos da cidade, com foco no acolhimento humanitário.
Como atender essa população?
Concedemos um valor que chamamos de estadia solidária, que é para os moradores de rua morarem com vizinhos ou amigos por um período de tempo. A compra assistida do governo federal para imóveis de baixa renda e a Caixa Econômica têm que cuidar disso. É uma governação tripartida.
E quanto à habitação para os sem-abrigo?
A expectativa dessas pessoas é voltar para sua própria casa. Aliás, vou amanhã (hoje) ao Ministério Público, pois pretendo isolar algumas zonas (de risco) para evitar o regresso das pessoas. Precisamos evitar o retorno a centenas de casas nessas regiões. Mas não quero fazer isso de forma autoritária. Também precisamos prestar atenção à segurança pública. Numa situação como esta, surge o melhor e o pior das pessoas. Ao lado da Arena do Grêmio, temos mil famílias para realocar.
As aulas estão recomeçando. Onde coloco as pessoas nas escolas?
Apelo às escolas para que nos dêem um pouco mais de tempo. É possível que algumas pessoas abrigadas consigam regressar às suas casas, mas esta análise ainda está a ser feita. Vamos para a terceira reunião tripartida e precisamos de trabalhar juntos para partilhar decisões e como financiá-las. Mas não há solução mágica, não há como fechar os abrigos agora. Uma alternativa é colocar dinheiro público em abrigos (privados) que possam continuar, e terá de haver uma cidade temporária. O Grêmio (do Futebol Porto Alegrense) está com estádio abandonado. Tentei fazer lá, mas disseram que não podemos usar. Eles disseram que devido aos contratos com a Caixa não poderão ceder o espaço. Teremos que fazer isso na região do Porto Seco.
Você quer construir uma cidade temporária de 14 mil barracas? como vai ser?
Não temos onde montar 14 mil barracas. Não existe nenhuma área com esta capacidade. O máximo que posso acomodar em Porto Seco são 800 pessoas. Para estes 14 mil teremos que encontrar uma solução.
Você foi criticado por esta proposta.
O mais fácil é criticar, é difícil dar soluções. Essa é uma das alternativas que dei — o terreno é público. Se você for para um bairro não é possível; vá para outro, não funciona. Ninguém apresenta uma solução. Continuarei acreditando que o presidente Lula dará uma solução.
Como seria?
Porto Alegre tem mais de mil imóveis de habitação popular que o governo federal poderia comprar. Estão na faixa de R$ 190 mil, mas a compra auxiliada pelo governo federal tem limite de R$ 170 mil. Precisamos conversar com o governo do estado e ver como complementar esse valor.
A prefeitura foi alertada sobre a falha na drenagem da cidade?
Esse engenheiro que faz essas acusações era diretor do DMAE e era do PT. Não é possível afirmar que a inundação foi causada por duas casas de bombas defeituosas. As enchentes só acontecem em Porto Alegre? Não funcionou em todo o Rio Grande do Sul e deveria funcionar apenas em Porto Alegre?
Mas a capital tem um sistema de proteção, diferente de outras cidades…
Nos últimos dias, começou uma tentativa narrativa irresponsável e política de encontrar alguém para culpar. O engenheiro que relatou foi quem criou o documento. Ele deixou o documento na mesa durante anos, aposentou-se, não fez nada. Vou ligar para ele para testemunhar.
Você acredita que a responsabilidade pela proteção deve ser do Estado?
A Constituição define que essa questão das enchentes é uma questão da União, mas acho que a responsabilidade é da prefeitura. Se o governo federal não tiver dinheiro para permitir que os empréstimos sejam pagos em 30 anos. Não será com o IPTU que poderemos investir R$ 5 bilhões no sistema de proteção contra inundações da cidade.
Sua casa foi atingida?
Nem falei sobre isso porque a dor da cidade é maior que a da casa do prefeito. Na região onde moro com minha esposa, minha casa e a dos meus vizinhos foram todas atingidas. Perdemos tudo. Eu não entrei lá. Minha esposa chegou ontem (segunda-feira), mas perdemos tudo. A água subiu até o teto.
Você gostou do artigo? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê sua opinião! O Correio tem espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores através do e-mail sredat.df@dabr.com.br