Após quase 30 anos de conflitos, marcados por violência e tensão, o povo indígena Guarani Kaiowá finalmente terá a posse da Terra Indígena (TI) Ñande Ru Marangatu, no Mato Grosso do Sul. A decisão ocorreu após o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovar, na quarta-feira (25/9), acordo que garante a retirada de agricultores da área, que serão indenizados pela União e pelo governo do estado. O acordo, que poderá ser um marco na pacificação dos conflitos fundiários no país, foi comemorado pelos dois lados e já é considerado uma conquista histórica.
O acordo, mediado pelo ministro Gilmar Mendes, exige que os agricultores deixem a área em até 15 dias. Após esse período, os indígenas poderão entrar no território de forma pacífica, encerrando um conflito que levou à morte do jovem indígena Neri Guarani Kaiowá, baleado durante uma operação da Polícia Militar no dia 18 de setembro. O episódio provocou indignação entre os povos indígenas e defensores. A Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, lamentou a perda de Neri, mas comemorou o avanço no reconhecimento do território indígena.
A audiência que resultou no acordo contou com a presença de diversos atores envolvidos no conflito, incluindo representantes de agricultores, lideranças indígenas, membros da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), do governo de Mato Grosso do Sul e da Procuradoria-Geral da República. União (AGU). O entendimento alcançado prevê o pagamento de indenizações milionárias aos agricultores. Trata-se de um acordo que garante aos indígenas a propriedade de terras com cerca de 9 mil hectares. O acordo prevê que a União pague R$ 27,8 milhões para benfeitorias nas propriedades e R$ 101 milhões para terrenos descobertos. O governo de Mato Grosso do Sul contribuirá com R$ 16 milhões. Todos os processos judiciais relacionados à disputa serão encerrados sem resolução de mérito, totalizando mais de R$ 144 milhões.
“O diálogo foi a principal ferramenta para resolver este conflito. Esse é um caminho que abre negociações em todos os estados onde há área de conflito, desde que todos os lados estejam dispostos a resolver: Justiça, Estados, União, povos indígenas e produtores rurais”, afirmou Marcelo Bertoni, presidente do Farmasul, sistema agrícola de Mato Grosso do Sul, ao Correio. “Este acordo abre caminho para que outras regiões do país, onde existem conflitos semelhantes, encontrem soluções pacíficas. Embora ainda haja muitos desafios pela frente, esta decisão representa um passo importante para garantir a paz no campo. O entendimento entre indígenas e agricultores é inédito e esperamos que sirva de inspiração para a resolução de outros casos”, completou.
O acordo também trouxe alívio aos agricultores, muitos dos quais já viviam há décadas com a incerteza quanto à propriedade da terra. O produtor rural da região, Dácio Quiroz, destacou a importância do acordo para o futuro do setor. “Vamos virar esta página e fazer com que o setor continue produzindo onde estivermos com esse novo recurso. Vamos recomeçar e continuar contribuindo para um Brasil melhor”, disse Quiroz, agradecendo aos envolvidos na resolução do impasse.
Contudo, o advogado especialista em direito do agronegócio, Leandro Marmo, destacou que, embora o acordo seja um avanço, não é isento de desafios. “O custo desta solução é elevado para o Estado. Estamos falando de mais de R$ 117 milhões de dinheiro público para compensar proprietários de terras. Os envolvidos estão relativamente satisfeitos com o fim do conflito, apesar dos embates ideológicos sobre o assunto, porque isso representará uma realização mútua dos seus anseios, com a paz na região, a demarcação de terras e o sentimento de compensação para aqueles que também eles detinham os direitos de propriedade das áreas”, explicou Marmo.
Uma das lideranças indígenas presentes na audiência, Simão Guarani Kaiowá, sobrevivente do massacre de 2016, relembrou a trajetória de luta e violência sofrida por seu povo, em discurso proferido durante a 57ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas ( ONU). “Eles forçam nosso povo a desistir de terras sagradas. Eles armam armadilhas e oferecem outras terras. O Congresso avança contra nossos direitos.”
Em todo o Brasil, milhares de indígenas ainda lutam pelo direito de viver em seus territórios tradicionais, enquanto agricultores e produtores rurais buscam regularizar suas propriedades.
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