Instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992, a comemoração do Dia Internacional da Biodiversidade, nesta terça-feira (22/5), serve como um lembrete crucial da importância da preservação dos ecossistemas e da variedade da vida terrestre. Para o Brasil, que sediará o encontro de líderes do G20 — as 20 principais economias do planeta — em 2024, e a COP30 — Conferência da ONU sobre mudanças climáticas — em 2025, a preocupação com a preservação ambiental e a biodiversidade tem sido um desafio cada vez mais relevante.
Com um território que abrange 60% de toda a Floresta Amazônica, além de outros cinco biomas continentais, o país tornou-se o principal foco global de preocupação com a conservação ambiental, especialmente desde o início do século XXI. Alvo de investimentos significativos, as Inteligências Artificiais (IAs) foram incluídas em processos de preservação e monitoramento ambiental para combater desafios como desmatamento, caça ilegal, pesca predatória e mudanças climáticas, e já estão implementadas no país.
De acordo com o mais recente Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD) divulgado pelo MapBiomas, em 2021, o Brasil perdeu 16.557 km2 de cobertura vegetal nativa em todos os seus biomas, um aumento de 20% em relação ao ano anterior. A expansão da agricultura, da pecuária e dos grandes projectos de infra-estruturas continuam a ser identificados como os principais motivos da destruição ambiental.
Segundo o biólogo Paulo Jubilut, professor do Aprova Total, as IAs podem ser aplicadas em diversas frentes de monitoramento e preservação dos biomas brasileiros. Ele destaca, como uma das aplicações mais impactantes da ferramenta, a análise de imagens de satélite em tempo real, que permite detectar atividades ilegais como desmatamento, caça ilegal e pesca predatória.
“Algoritmos de inteligência artificial podem ser treinados para monitorar continuamente imagens de satélite e alertar as autoridades quase em tempo real sobre atividades suspeitas”, explica Jubilut.
A tecnologia também pode ser utilizada para monitorar a fauna e a flora de áreas protegidas, contribuindo para a identificação de espécies ameaçadas e áreas que necessitam de restauração. Os algoritmos podem analisar grandes conjuntos de dados para identificar padrões comportamentais e de habitat dos animais nessas áreas.
Jubilut destaca o exemplo das baleias jubarte, na Bahia, em que a IA é utilizada para evitar colisões entre baleias e embarcações, além de contribuir para descobertas únicas sobre a distribuição geográfica desses animais.
O projeto PrevisIA, desenvolvido pelo instituto Imazon com apoio da Vale, também utiliza IA para monitorar a abertura de estradas dentro da Amazônia Legal, visando localizar áreas de mineração e extração ilegal de madeira.
O projeto “Mapeamento Agrícola no Cerrado via Combinação de Imagens Multisensoriais” (MultiCER), desenvolvido por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e universidades estaduais, utilizou IA no mapeamento da intensificação agrícola no Cerrado, alcançando uma precisão de até 97%.
“No Brasil é cada vez mais comum plantar diferentes culturas agrícolas na mesma área e no mesmo ano. Isso é importante porque permite aumentar a produção agrícola sem desmatar novas áreas nativas”, afirma o especialista.
A ferramenta proporciona maior precisão aos estudos, monitoramento e planejamento relacionados ao uso do solo e à prática de intensificação agrícola, e contribui para a tomada de decisões, nas esferas pública e privada, com base em informações geoespaciais qualificadas.
Soluções para mudanças climáticas
O coordenador do subprograma de Transformação Digital do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, David Jensen, explica que atualmente existem mais dados disponíveis sobre o clima e o ambiente do que nunca, mas a forma como esses dados são acedidos, interpretados e o que é feito é o que dita como para lidar com crises ambientais. Para ele, é aqui que a Inteligência Artificial é central.
“IA refere-se a sistemas ou máquinas que executam tarefas que normalmente requerem inteligência humana e que podem, iterativamente, melhorar ao longo do tempo, com base nas informações que recolhem”, explica. Jensen também destaca algumas possibilidades de aplicação da IA na preservação ambiental em larga escala, como o monitoramento de emissões globais via satélite, e em escala granular, como a otimização do uso de energia.
Paulo Jubilut concorda que a IA desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de soluções de mitigação e adaptação às alterações climáticas. “A inteligência artificial pode analisar grandes conjuntos de dados e identificar áreas prioritárias para reflorestamento, fornecer recomendações na agricultura e otimizar a gestão dos recursos hídricos”, destaca.
Sobre a gestão de áreas protegidas, o biólogo explica que a ferramenta pode ajudar no planejamento e na otimização com base em dados de biodiversidade, clima e outros fatores. “Com base nos dados recolhidos, os algoritmos podem criar modelos preditivos que estimam como os ecossistemas podem responder a diferentes cenários climáticos, ajudando a tomar decisões informadas”, reforça.
Para Jubilut, porém, a implementação em larga escala de sistemas de monitoramento e vigilância ambiental com IA no Brasil ainda enfrenta vários desafios. Apesar dos benefícios, a falta de infraestrutura em regiões remotas e questões relacionadas à proteção e privacidade de dados dificultam a disseminação dessas tecnologias. Porém, segundo ele, “as oportunidades oferecidas por esses sistemas são vastas e têm potencial para gerar impactos positivos na conservação dos biomas brasileiros”.
Apesar de se tornar cada vez mais popular, o uso da Inteligência Artificial ainda é relativamente pouco difundido. O relatório CX Trends 2024, da Zendesk IA, mostrou que apenas 28% das empresas brasileiras utilizam IA em suas operações, enquanto 50% planejam adotar a tecnologia nos próximos anos.
Projetos ambientais com IA em todo o mundo
No setor ambiental já existem diversas iniciativas públicas e privadas que estão integrando tecnologia em seus processos. O professor Paulo Jubilut montou uma lista de projetos para conhecer. São eles:
- PrevisIA (Instituto Imazon): Sistema de monitoramento que utiliza IA para detectar e prever a abertura de estradas na Amazônia Legal, auxiliando no combate ao desmatamento ilegal.
- Mapeamento Agrícola do Cerrado via Combinação de Imagens Multisensoriais (Embrapa): Metodologia pioneira, desenvolvida com apoio de Inteligência Artificial (IA), permitiu atingir nível de precisão de até 97%, quando aplicada em análises de imagens de satélite do Cerrado município de Sorriso (MT), um dos principais produtores agrícolas do país.
- Pano AI: Startup que desenvolveu um sistema baseado em IA para identificar incêndios florestais em tempo real, auxiliando equipes de resgate e conservação ambiental.
- Wildbook: usa IA para identificar animais individuais por meio de padrões únicos em suas características físicas, ajudando a conservar espécies ameaçadas de extinção.
- Google Earth Engine: Plataforma que utiliza IA para analisar imagens de satélite e monitorar mudanças ambientais, como desmatamento, urbanização e mudanças climáticas.
- Parques Inteligentes: Utiliza IA para monitorar e proteger parques naturais e reservas de vida selvagem, detectando atividades ilegais como caça furtiva e desmatamento.
- eBird: Uma plataforma que recolhe observações de aves de todo o mundo e utiliza IA para analisar os dados, identificar padrões de migração e ajudar a conservar as aves e os seus habitats.
- ConservationFIT: Utiliza IA para identificar e rastrear animais silvestres por meio de imagens capturadas por câmeras automáticas, auxiliando na conservação de espécies ameaçadas.
- OceanMind: Utiliza IA para analisar dados de satélite e monitorar a pesca ilegal em áreas marinhas protegidas, contribuindo para a preservação dos oceanos e da vida marinha.
- Coral Vita: utiliza IA para monitorar e restaurar recifes de coral danificados, identificando áreas prioritárias para intervenção e otimizando os esforços de restauração.
- Global Forest Watch: utiliza IA para analisar imagens de satélite e monitorar o desmatamento em tempo real em todo o mundo, fornecendo informações para a tomada de decisões sobre políticas de conservação florestal.
*Estagiário sob supervisão de Andreia Castro
Você gostou do artigo? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê sua opinião! O Correio tem espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores através do e-mail sredat.df@dabr.com.br