O envelhecimento da população brasileira está presente há mais de três décadas, mas só agora é possível perceber um aumento significativo de idosos residentes. Num país onde há menos de 100 anos a taxa de natalidade era de dez filhos por mulher e a expectativa de vida não atingia os 45 anos, o Brasil vive gradativamente a inversão total da pirâmide etária.
Com quase 33 milhões de idosos no país, o envelhecimento da população tornou-se um desafio para o Estado, que precisa investir em políticas públicas que visem o bem-estar e a saúde dos idosos.
O Censo Demográfico 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que a população de pessoas com 60 anos ou mais é de 32.113.490 pessoas, o que representa um aumento de 56,0% em relação ao levantamento de 2010.
Desta população total, 17.887.737 (55,7%) são mulheres e 14.225.753 (44,3%) são homens. Em 1980, o Brasil tinha apenas 6,1% da população com 60 anos ou mais. Em 2022, esta faixa etária representava 15,8% da população total, enquanto em 2010 o percentual da população idosa era de 10,8%.
Os dados mostram ainda que o grupo que mais cresceu, em relação a 2010, foram as pessoas de 65 a 69 anos, saltando de quase 5 milhões de pessoas para 8 milhões de pessoas, um aumento percentual de 63%. O grupo com maior proporção populacional são as pessoas de 60 a 65 anos, que representarão 10 milhões de brasileiros em 2022.
Segundo o IBGE, o envelhecimento populacional é observado quando os grupos mais jovens passam a representar proporções menores da população total, em comparação aos grupos de adultos e idosos. Esse fenômeno tem como principal fator a redução do número médio de filhos gerados por uma mulher, o que no Brasil tem ocorrido de forma progressiva e rápida desde o final da década de 1960, e, em menor proporção, pela redução da mortalidade em todos os países. faixas etárias. , inclusive entre os idosos.
Com o envelhecimento, os problemas de saúde começam a se tornar cada vez mais presentes e, com uma população cada vez mais envelhecida, as doenças da velhice começam a refletir no Sistema Único de Saúde (SUS) e na falta de políticas públicas voltadas ao bem-estar do idoso .
Segundo a geriatra Karla Giacomin, líder da Frente Nacional de Fortalecimento das Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) e consultora da Organização Mundial da Saúde (OMS) para políticas públicas e envelhecimento, o Brasil ainda está muito atrás de outros países em relação ao a oferta de políticas públicas voltadas para os idosos.
Políticas públicas
“O Brasil ainda precisa melhorar muito. Temos muito menos ofertas de instituições de longa permanência, ou programas de apoio às famílias e comunidades. Não temos centros comunitários ou centros de estimulação cognitiva suficientes. Tudo isso poderia estar sendo oferecido, mas ainda não é, justamente pela dificuldade que a nossa sociedade tem em reconhecer o envelhecimento como uma realidade”, argumenta Giacomin.
Segundo a médica Maria Fernanda Lima-Costa, pesquisadora e líder do Estudo Longitudinal da Saúde do Idoso Brasileiro (ELSI-Brasil), coordenado pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), melhorar a saúde e o bem-estar -o ser idoso no Brasil exige a implementação de ações integradas, que incluem o fortalecimento do sistema público de saúde, o incentivo à prevenção de doenças e agravos à saúde, a promoção da inclusão social e o combate ao isolamento e à solidão.
“É fundamental implementar e fortalecer a Política Nacional de Cuidados, com especial atenção aos cuidados de longa duração, para atender às necessidades crescentes da população idosa, promovendo um apoio qualificado aos cuidadores e garantindo o acesso a serviços integrados e humanizados”, afirma Lima- Costa.
“Além disso, mitigar as desigualdades em saúde entre os idosos requer políticas públicas que atendam às necessidades desta população de forma igualitária e eficiente, como o fortalecimento do SUS, a promoção da equidade regional, políticas intersetoriais e de longo prazo e o investimento em pesquisas na área” , acrescenta o pesquisador.
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Ageismo
Além das dificuldades apontadas pelos especialistas, Karla Giacomin destaca ainda outro problema que o envelhecimento traz: o ageismo, ou ageismo. Segundo a geriatra, pessoas discriminadas por causa da idade têm expectativa de vida até oito anos menor do que quem não sofreu preconceito. “No Brasil, ousamos dizer que se você ainda não sofreu preconceito de raça, gênero ou classe social, pode ficar tranquilo que sentirá preconceito de idade. E o acúmulo desses preconceitos ao longo da vida também adoece as pessoas, ” ele diz.
Segundo Lima-Costa, o preconceito e o preconceito de idade têm impactos profundos no processo de envelhecimento, que afetam tanto a saúde física como mental dos idosos. A investigação mostra que a discriminação com base na idade pode levar os idosos a internalizar estereótipos negativos sobre o envelhecimento, como a ideia de que são inúteis, frágeis ou incapazes. Esta internalização pode reduzir a autoestima, gerar insegurança e desencorajar os idosos de buscar novas experiências ou adotar um estilo de vida ativo.
“Um idoso que se sente discriminado pode isolar-se, deixando de participar nas atividades familiares, profissionais e sociais. Esta exclusão intensifica o sentimento de solidão e pode desencadear problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão”, explica o dirigente do ELSI- Brasil.
Lima-Costa aponta ainda a subestimação dos problemas de saúde dos idosos como uma das barreiras que envolvem o idadismo. “Por exemplo, muitos profissionais de saúde podem considerar condições como as quedas como ‘naturais com a idade’ e não prestarem os cuidados clínicos necessários. Esta negligência pode resultar em diagnósticos tardios, tratamentos inadequados e agravamento das condições de saúde”.
Além disso, outro impacto significativo do idadismo, segundo a pesquisadora, é a limitação da implementação de políticas públicas voltadas ao envelhecimento saudável. “Os parlamentares podem sentir que não vale a pena investir na saúde, na educação e no lazer dos idosos, perpetuando assim ciclos de exclusão e vulnerabilidade”, acrescenta.
Desigualdade flagrante
Além dos obstáculos na implementação de políticas públicas, o Brasil enfrenta outro desafio no envelhecimento da população. Segundo a médica Karla Giacomin, a desigualdade social e econômica é uma grande influenciadora do tipo de envelhecimento que as populações de diferentes classes sociais enfrentam. “O Brasil é um país marcadamente desigual. Desigualdade racial, de gênero, econômica e social. Todas essas desigualdades chegarão na velhice e se materializarão em demandas por cuidados que não serão iguais para todos”, afirma.
Segundo ela, a chance de uma pessoa com menos de quatro anos de estudo precisar de cuidados é três vezes maior do que uma pessoa com ensino superior completo. Além disso, a chance de uma pessoa não branca precisar de cuidados é maior do que entre os brancos, assim como as chances de uma mulher precisar de cuidados também são maiores do que a de um homem.
“Estas desigualdades acompanhar-nos-ão ao longo da vida e terão impacto, sem sombra de dúvida, no agravamento ou em doenças crónicas que exigem mais recursos”, defende. “Por isso lutar por um SUS de qualidade para todos é obrigação de todo brasileiro, para que o envelhecimento seja justo e igualitário para todos”, acrescenta Giacomin.
Além disso, segundo a médica Maria Fernanda Lima-Costa, os indivíduos com menor escolaridade e rendimentos têm menor literacia em saúde e tendem a adotar estilos de vida menos saudáveis, especialmente no que diz respeito à alimentação e à atividade física. Esta realidade está diretamente associada a uma maior probabilidade de resultados negativos para a saúde.
Um estudo recente com dados do ELSI-Brasil destacou disparidades em cinco indicadores de envelhecimento saudável — vestir-se, tomar medicamentos, administrar dinheiro, função cognitiva e força de preensão manual. A comparação foi feita entre o Brasil, um país de renda média-alta, e a Inglaterra, um país de alta renda. Os resultados mostraram que, em geral, idosos ingleses e masculinos (60 anos ou mais) apresentam melhor saúde em comparação aos idosos brasileiros, reforçando o impacto das condições socioeconômicas na saúde das populações.
Entre os vários problemas que a desigualdade económica traz, a dificuldade de acesso aos cuidados de saúde é um dos maiores obstáculos, especialmente na velhice. Considerando que 75% desse grupo depende exclusivamente do sistema público de saúde, Lima-Costa destaca que a falta de acesso a cuidados de saúde adequados tem impacto significativo no bem-estar dos idosos no Brasil, contribuindo para o agravamento da doença crônica doenças não transmissíveis, piora da qualidade de vida e aumento da mortalidade.
Acesso aos cuidados de saúde
“Muitos idosos enfrentam dificuldades no acesso regular aos serviços de saúde, como consultas médicas e tratamentos especializados, o que resulta no controle inadequado de condições como diabetes mellitus, hipertensão arterial e doenças cardíacas, levando a complicações graves e até à morte prematura. As dificuldades financeiras representam um obstáculo importante para aquisição de medicamentos essenciais e realização de exames preventivos e diagnósticos”, avalia o dirigente do ELSi-Brasil.
Outro aspecto relevante é a desigualdade no acesso aos serviços de saúde nas diferentes áreas de residência. Os idosos que vivem em regiões periféricas ou rurais enfrentam maiores barreiras no acesso aos serviços de saúde, resultando em atrasos no diagnóstico e no tratamento.
Estudo realizado pelo ELSI-Brasil, entre 2015 e 2016, revelou que idosos com planos de saúde privados visitavam com maior frequência especialistas, enquanto aqueles que utilizavam a Estratégia Saúde da Família (ESF) e centros de saúde tradicionais tinham maior probabilidade de realizar consultas com clínicos gerais .
*Estagiário sob supervisão de Rafaela Gonçalves
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