Uma mulher de 28 anos morreu ontem (29/5) após passar por duas cirurgias plásticas em uma clínica da Região da Pampulha, em Belo Horizonte. Os procedimentos estéticos – substituição de prótese mamária e abdominoplastia – foram realizados na terça-feira. A morte da jovem, menos de um mês após o falecimento de um engenheiro de 31 anos, também em BH, por motivo semelhante, reacende o debate sobre os perigos dos procedimentos cirúrgicos com foco na estética. Somando esses dois casos, já são pelo menos cinco mortes envolvendo procedimentos estéticos este ano na cidade. Desde 2018, o número chegou a 13.
O procedimento da jovem, identificada como Thaynara Braz, foi realizado na Clínica HD Bellagio, localizada na Avenida Portugal, no bairro Jardim Atlântico. À polícia, o proprietário do estabelecimento disse que a cirurgia foi “um sucesso”, mas, na madrugada de ontem, a menina foi levada às pressas para o local após sofrer uma parada cardiorrespiratória. Ela foi reanimada por uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas faleceu após uma segunda parada cardíaca. Agora, o caso será investigado pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). A Clínica HD Bellagio foi procurada pela reportagem, mas, até o fechamento desta edição, não houve resposta.
O caso de Thaynara não é isolado. Outros pacientes também perderam a vida recentemente devido a complicações após procedimentos cosméticos. No dia 7 de maio, a engenheira Laura Fernandes Costa, 31 anos, morreu vítima de uma infecção generalizada após ter colocado um balão intragástrico para perder peso antes do casamento, marcado para setembro. Laura começou a sentir-se mal no dia seguinte ao procedimento, realizado no dia 26 de abril. Depois de várias idas ao médico desde que apresentou os primeiros sintomas, ela retirou o balão no dia 2 de maio.
Porém, a engenheira continuou passando mal e, no dia 6 de maio, foi levada por uma equipe do Samu ao Hospital Nossa Senhora de Lourdes, em Nova Lima, na Grande BH. Durante o tratamento, os médicos descobriram uma perfuração no sistema digestivo, que causou o vazamento do conteúdo para o corpo, resultando em uma infecção generalizada. Ela morreu no dia seguinte. A família denunciou o cirurgião responsável por negligência médica. A reportagem tentou contato com a família para se atualizar sobre o processo, mas não obteve resposta.
Além de Laura e Thaynara, entre março e abril deste ano, pelo menos outras três mulheres perderam a vida em decorrência de complicações após procedimentos estéticos. Entre eles está uma mulher de 60 anos, que morreu após passar por um procedimento para aumentar as nádegas em uma clínica no Bairro Prado, Zona Oeste de Belo Horizonte, em março.
Esses foram os casos que foram noticiados e ganharam maior repercussão. No entanto, o número pode ser maior. Um estudo realizado pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (Isaps), divulgado no ano passado, mostra que 61,8% das mortes em cirurgia plástica no Brasil estão relacionadas à lipoaspiração, um dos procedimentos mais populares para remoção de gordura localizada.
“BANALIZAÇÃO”
Na opinião dos profissionais da área, os riscos da cirurgia plástica são banalizados. A quantidade de procedimentos estéticos realizados no Brasil chama a atenção não só pela quantidade (mais de 1,5 milhão por ano), mas pela mudança no perfil dos pacientes, cada vez mais jovens. A maioria dos pacientes de cirurgia estética tem menos de 30 anos, como mostra o estudo do Isaps, divulgado em abril de 2023. A alta procura nessa faixa etária é vista como influência direta das redes sociais e da pressão estética no ambiente virtual.
Os exames pré-operatórios dependem do histórico de saúde de cada paciente, mas os profissionais da área são unânimes em ressaltar que não eliminam os riscos envolvidos em todos os procedimentos cirúrgicos, sejam eles grandes ou pequenos. “Não é um pacote para todos, vai depender do caso. É como uma preparação para não termos surpresas durante o procedimento cirúrgico. O risco não impede a cirurgia, muitas vezes a adia”, explica a cardiologista Rafaela Anselmo. Dependendo do procedimento estético o risco é ainda maior, como é o caso da lipoaspiração. “Requer um cuidado maior. São procedimentos que muitas vezes devem ser realizados em ambiente hospitalar ou em clínica bem equipada. E ainda há risco de complicações. É fato, até aplicar Botox tem riscos”, destaca.
As principais complicações pós-cirúrgicas tendem a ser no local do procedimento, como hematomas, abertura de pontos ou mesmo necrose de pele, no caso de abdominoplastia e mastopexia. Ao notar alguma alteração, a recomendação é ligar para o seu médico. “Existem procedimentos com percentual de risco muito baixo. Mas existem muitos procedimentos cirúrgicos estéticos que apresentam risco ainda alto de complicações. O que vemos muito é embolia pulmonar”, ressalta, destacando que a obstrução da artéria pulmonar também é recorrente em casos de cirurgia de mama.
A decisão de fazer uma cirurgia plástica, segundo o cardiologista, deve ser ponderada com cautela. “Tem gente que precisa fazer uma cirurgia, por exemplo, alguém que tem problema cardíaco. Então, o risco que esse paciente vai passar é menor que o benefício que a cirurgia vai trazer. O que não é verdade na cirurgia plástica. Questionar o real motivo da busca pela cirurgia estética é fundamental: não tem outro jeito?” pergunta o médico, destacando a importância do autoconhecimento e da reflexão interna. Verificar as habilitações do médico escolhido, como a inscrição no Conselho Regional de Medicina (CRM) e a formação específica, é igualmente importante, alerta. Para ela, o ambiente ideal para qualquer procedimento cirúrgico é um hospital, com equipe preparada e acesso a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), caso necessário.
OUTRAS VÍTIMAS
O cirurgião plástico, sócio da Clínica HD Bellagio, que atendeu a jovem falecida ontem enfrenta oito ações judiciais por suposto erro médico. A informação foi repassada ao Estado de Minas pelo advogado das vítimas. O estabelecimento, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), possui licença de funcionamento e está em situação regular. Segundo a advogada Glaucia Moura, há quase dois anos ela é procurada por mulheres de diversas idades que tiveram complicações após cirurgias feitas pelo mesmo médico, que também teria atendido a jovem falecida ontem. Os relatos incluem casos de mutilação mamilar, deformação mamária e necrose cutânea após mamoplastias. Os processos que pedem indenização estão em fase de exame, afirma o advogado.
Algumas das vítimas também prestaram boletim de ocorrência, mas o advogado não detalhou quantas. O número de vítimas femininas poderia ser ainda maior, pois algumas procuraram e não tiveram coragem de denunciar. Segundo a advogada, após a repercussão recente, mais vítimas a procuraram pedindo apoio. Além do processo judicial, o advogado pediu a cassação do registro do médico no Conselho Regional de Medicina (CRM). “Fiz denúncias, reuni provas, mas todos os processos administrativos foram arquivados”, disse ela, em entrevista ao Estado de Minas. A reportagem entrou em contato com o CRM, mas não obteve resposta.
Para o advogado, a morte da jovem ontem foi uma tragédia anunciada. “Assim como esta jovem perdeu a vida, ela poderia ter sido uma de minhas clientes. Eles correram um risco. É muito triste que você sonhe em fazer uma cirurgia para se sentir melhor e saia se sentindo pior”, diz ela. Agora, ela tenta tomar medidas através do Ministério Público contra o médico, no Ministério Público especializado em casos desse tipo.
Infecção depois “lipo papada”
Em março, mais de 10 mulheres relataram ter contraído uma infecção grave após passarem por uma “lipoaspiração de papada” – procedimento que consiste na retirada de gordura localizada do pescoço – em uma clínica odontológica de BH. Cada paciente pagou R$ 2.200 pela lipo e pacote de drenagem pós-operatória. Na época dos procedimentos, o dentista possuía registro provisório no Conselho Regional de Odontologia. O Ministério Público de Minas Gerais abriu procedimento de investigação criminal para apurar as denúncias contra a dentista e ela ainda pode responder. lesões corporais, caso sejam denunciadas pela Polícia Civil, que ainda investiga o caso. Ela também passou por bichectomias, cirurgia que retira gordura das bochechas.
HISTÓRICO DE MORTE
Confira mortes relacionadas a procedimentos estéticos em Belo Horizonte:
- 29 DE MAIO DE 2024
A jovem Thaynara Braz, de 28 anos, passou por duas cirurgias na clínica HD Bellagio, localizada na Avenida Portugal, no bairro Jardim Atlântico, e morreu na madrugada de ontem após sofrer parada cardiorrespiratória.
- 7 DE MAIO DE 2024
A engenheira Laura Fernandes Costa, de 31 anos, morreu após cirurgia para inserção de balão gástrico, em uma clínica do Barreiro, em BH.
- 25 DE ABRIL DE 2024
Uma mulher de 38 anos, paciente do Instituto Mineiro de Obesidade (Instituto IMO), localizado no bairro Lourdes, região Centro-Sul de Belo Horizonte, faleceu após ser submetida a uma lipoescultura.
- 17 DE ABRIL DE 2024
A funcionária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Norma Eduarda da Fonseca, de 59 anos, faleceu devido a complicações de uma cirurgia de abdominoplastia e outros procedimentos estéticos.
- 7 DE MARÇO DE 2024
Uma mulher de 60 anos morreu após passar por um procedimento para aumentar as nádegas em uma clínica no Bairro Prado, Zona Oeste de Belo Horizonte.
- ABRIL DE 2023
Gleyciane Alves Maciel Brito, 38 anos, morre após cirurgia de abdominoplastia e lipoaspiração.
- ABRIL DE 2022
Júlia Moraes Ferro, 29 anos, morreu após lipoaspiração e implantação de prótese de silicone em clínica particular de Belo Horizonte.
- DEZEMBRO DE 2021
Lidiane Aparecida Fernandes Oliveira, 39, morreu após passar por lipoaspiração e abdominoplastia no Instituto Mineiro de Obesidade (Instituto IMO).
- JUNHO DE 2021
Cláudia Barbosa, 49 anos, morreu no Centro Cirúrgico Integrado, no Bairro Escritores, após fazer lipoaspiração com abdominoplastia.
- SETEMBRO 2020
Edisa Soloni, 20 anos, morreu após passar por três cirurgias plásticas: retirada de gordura, pele do abdômen, inserção nas nádegas e lipo na papada, na Clínica Belíssima, na Região da Savassi.
- JANEIRO DE 2020
Gisele Soares de Carvalho, 39 anos, morreu após aplicação de polimetilmetacrilato (PMMA) em uma clínica de estética na Rua dos Tupis, no centro da capital mineira.
- DEZEMBRO DE 2019
Adriane Zulmira do Nascimento, 48 anos, morreu durante uma cirurgia de redução de mama em uma clínica de Barro Preto, região Centro-Sul de Belo Horizonte.
- OUTUBRO 2018
Renata Bretas, 36 anos, morreu após usar prótese de silicone e fazer lipoaspiração nas axilas na Clínica Forma, na região Centro-Sul da capital mineira.
Fonte: Pesquisa realizada por Estado de Minas com base em casos noticiados pela imprensa
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