A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) capturou imagens inéditas de povos isolados na Terra Indígena (TI) Massaco, em Rondônia. As atividades de monitoramento também confirmaram a presença de isolados na Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, em Mato Grosso.
Segundo o órgão, a divulgação dos registros busca reforçar a necessidade de proteção territorial contra ameaças à sobrevivência indígena. O monitoramento é realizado por meio de expedições, sobrevoos e presença permanente, em parceria com outros órgãos ambientais e de segurança pública, por via terrestre e aérea, por meio das Bases de Proteção Etnoambiental (Bapes).
Os Bapes são estruturas físicas permanentes localizadas em pontos estratégicos dos territórios, visando a proteção ambiental, física e social de povos indígenas isolados e de recente contato. As imagens foram tiradas durante expedições de monitoramento no início de 2024, mas só foram divulgadas na quarta-feira (01/08).
Terra Indígena Massaco
A Terra Indígena Massaco é demarcada e regularizada por Decreto de 11 de dezembro de 1998, com área de 421.895 hectares, localizada nos municípios de Alta Floresta D’Oeste e São Francisco do Guaporé, no estado de Rondônia. A ocupação deste território é exclusiva de indígenas isolados e de etnia ainda desconhecida.
Entre janeiro e abril de 2024, uma equipe da Base do Massaco, formada por oito profissionais especializados na proteção de indígenas isolados e de recente contato, realizou expedições para registrar vestígios e atividades desses grupos. A equipe da Funai percorreu cerca de 65 km em cinco dias para mapear os rastros deixados pelos isolados e planejar as próximas ações de monitoramento.
Com cerca de 30 anos de experiência no monitoramento de indígenas isolados, o guarda-florestal da Funai, Altair Algayer, foi quem liderou a expedição. A presença de indígenas isolados foi detectada em diversas ocasiões por meio de vestígios, como estrepes (armadilhas pontiagudas) colocadas em trilhas e estradas dentro dos limites da TI, além de abrigos temporários, pontos de coleta de mel e outros alimentos e atividades de caça.
Chamou a atenção da equipe a abordagem cada vez mais frequente dos indígenas nos limites extremos da Terra Indígena, o que os expõe ao contato direto e indireto com os não indígenas. Pelo que observaram os agentes, muitas vezes essa abordagem se deve à necessidade de ampliar sua área de ocupação em busca de recursos para sobrevivência.
“Outro alerta visto com preocupação são as mudanças climáticas, que alteram significativamente o ciclo dos recursos naturais, dos quais essas pessoas dependem para sobreviver. Garantir a proteção integral dos recursos naturais deste território é fundamental para a sobrevivência destas pessoas”, destacou Altair Algayer.
O monitoramento dos isolados da TI Massaco é feito pela Funai há mais de 35 anos. As expedições acontecem anualmente. Ltair Algayer ressalta que é fundamental para o sucesso de uma atividade de monitoramento, como esta expedição na TI Massaco, contar com uma equipe que tenha conhecimento sobre o ambiente florestal e os seres que o habitam.
“Uma equipe que possui conhecimentos mínimos e básicos sobre o comportamento e hábitos dos isolados, que ajudará na leitura dos vestígios deixados, facilitando a identificação e interpretação dos significados, artefatos, habitações e outros sinais deixados pelos isolados. a boa interpretação da leitura leva a equipe a tomar a decisão mais coerente durante a atividade, principalmente no momento certo de recuar e não continuar e/ou quando avançar, sempre guiada pela premissa de não surpreender e evitar que sua presença represente uma ameaça aos indígenas isolados”, diz o sertanista.
Terra Indígena Kawahiva
A Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo possui área de 411.844 hectares e está localizada no município de Colniza, no estado de Mato Grosso. O território já teve seus limites territoriais declarados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), com base em estudos de identificação e delimitação realizados pela Funai. No momento, o processo de demarcação está judicializado.
Após oito dias de atividades, a equipe de monitoramento confirmou a ocupação dos isolados na região e os movimentos que eles realizaram. “Também encontramos indícios de invasão e pressão muito forte no território, mostrando que a demarcação física da Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo é mais que urgente”, alertou o sertanista Jair Candor.
Essa observação ocorreu nos dois primeiros dias da expedição, quando os agentes localizaram um local de acampamento não indígena – possivelmente de garimpeiros ou copaibeiros – para duas pessoas. Segundo agentes da Funai, o acampamento foi encontrado em uma área onde a equipe havia registrado forte ocupação de isolados em expedições anteriores, reforçando a suspeita de que os indígenas tivessem se deslocado para outra área da TI.
Durante a missão foram encontrados indícios claros da presença indígena, como pegadas, vestígios de coleta de mel e utensílios. A equipe também confirmou a presença de crianças e que o grupo indígena permanece em boas condições, com indícios de reprodução e formação de novas famílias, indicando crescimento demográfico.
Antes de encerrar a expedição, os agentes da Funai deixaram ferramentas, como machados e facões, em pontos estratégicos e instalaram câmeras com sensores de movimento para monitorar os indígenas sem interferir na sua rotina.
Jair Candor explica que como os indígenas isolados que vivem na TI estão em uma área com muita grilagem e pressão madeireira, eles já tiveram contato com esse tipo de ferramenta no passado, o que facilita seu dia a dia.
À medida que as suas ferramentas se desgastam, existe o risco de tentarem procurar outras ferramentas em explorações agrícolas próximas. Esta tentativa, no entanto, coloca-os em sério risco, seja pela violência no possível contacto com os “brancos” ou pela propagação de doenças.
O que são povos isolados e de contato recente?
O termo “povos indígenas isolados” refere-se especificamente a grupos indígenas sem relações permanentes com a sociedade ou com pouca frequência de interação, seja com povos não indígenas ou com outros povos indígenas já em contato.
“Este acto de vontade de isolar está relacionado com experiências traumáticas de violência colonial vividas no passado, o que os leva a optar por um estado de auto-suficiência social e económica, quando a situação os leva a satisfazer autonomamente as suas necessidades sociais, materiais ou sociais. necessidades simbólicas, evitando relações sociais que possam desencadear tensões ou conflitos interétnicos”, aponta a Funai.
Os indígenas com “contato recente” são aqueles que mantêm relações de contato permanentes e/ou intermitentes com segmentos da sociedade nacional e que, independentemente do tempo de contato, apresentam singularidades e seletividade (autonomia) na incorporação de bens e serviços.
“São, portanto, grupos que mantêm fortalecidas suas formas de organização social e suas próprias dinâmicas coletivas e que definem com alto grau de autonomia sua relação com o Estado e a sociedade nacional”, afirma a Funai.
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Atualmente, a Funai reconhece a presença de 114 registros de povos indígenas isolados no Brasil — a maioria na Amazônia, dos quais 28 estão confirmados. Além disso, considera-se que 22 pessoas foram contactadas recentemente.
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