A mortalidade materna é evitável. Fatores como o acesso limitado a cuidados médicos de qualidade, falhas no pré-natal, complicações durante o parto e a falta de um atendimento mais humanizado às gestantes contribuem para um aumento inaceitável de casos e deterioração da saúde pública.
A meta do Brasil de reduzir a mortalidade materna até 2030 é um compromisso assumido por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Até lá, o país pretende atingir um máximo de 30 mortes por cada 100 mil nascidos vivos. Entre as iniciativas do governo está a Rede Alyne, programa do Ministério da Saúde que visa reduzir a mortalidade materna em 25% até 2027.
Os dados de 2022 mostram uma taxa de mortalidade materna de 57,7 por 100 mil nados vivos, superior ao limite definido nos ODS. No caso das mulheres negras a situação é ainda mais grave, a mortalidade materna atingiu 110,6, taxa quase duas vezes maior que a taxa geral. Em resposta, o governo estabeleceu a meta de reduzir a mortalidade em 50% entre as mães negras até 2027.
Doenças como a hipertensão, que poderiam ser controladas com medidas preventivas, são uma das principais causas de mortes maternas no Brasil. A doença é mais prevalente na população negra por questões genéticas, mas a falta de acesso ao acompanhamento adequado agrava a situação. Casos simples poderiam ser tratados sem necessidade de medicamentos, se as gestantes tivessem acesso a informações e cuidados básicos.
Segundo dados dos Ministérios da Saúde e da Igualdade Racial, a mortalidade materna por hipertensão aumentou 5% entre as mulheres negras no período de 2010 a 2020. Além disso, hemorragias e infecções se destacam entre as mortes evitáveis, cuja letalidade poderia ser significativamente reduzida com assistência pré-natal adequada. O monitoramento serve para detectar e tratar doenças maternas e fetais.
“O número de mortes maternas registradas no Brasil em 2020 e 2021 apresentou crescimento considerável em relação aos anos anteriores, relacionado ao período da pandemia de covid-19. Durante a pandemia, houve um colapso nos serviços de saúde, comprometendo o pré-natal, o parto e o pós-parto Além disso, fatores como a necessidade de isolamento social e questões socioeconômicas também dificultaram o acesso aos serviços de saúde”, afirma o Ministério da Saúde, em nota enviada ao Correio.
No âmbito racial, segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, a população de mulheres pardas é a maior vítima. Os dados mais recentes indicam que, em 2023, 704 mulheres pardas perderam a vida em decorrência de complicações na gravidez. Entre as mulheres brancas, o número de mortes foi de 389. As mulheres negras foram responsáveis por 143 mortes.
A diferença entre hospitais públicos e privados também foi relevante. Em 2023, 754 mulheres grávidas morreram em estabelecimentos públicos, enquanto 456 mulheres morreram em hospitais privados. No total, 1.292 mulheres morreram no Brasil.
Rede Alyne
Inspirado na história de Alyne da Silva Pimentel Teixeira, o Ministério da Saúde reformulou o programa de atenção materna, que passou da Rede Cegonha para a Rede Alyne. No dia 11 de novembro de 2002, Alyne, grávida de seis meses e mãe de uma criança de cinco anos, foi internada em uma unidade de saúde de Belford Roxo (RJ) após passar mal. Sem exames ou ultrassonografias, Alyne foi mandada para casa com receita de remédios. Dias depois, com a piora do estado de saúde, ela voltou ao local e constatou que o bebê havia morrido.
Após horas de espera, foi induzido o trabalho de parto para retirada do feto do útero, mas não houve sucesso. Ainda passando mal, Alyne precisou ser transferida para o Hospital Geral de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Devido à falta de ambulâncias, a remoção demorou 8 horas. Durante todo o tempo de espera, a família não pôde visitá-la.
Em 16 de novembro de 2002, Alyne faleceu. A autópsia determinou sangramento digestivo como causa da morte. Após a morte, a mãe da vítima foi informada pelos médicos da unidade de Nova Iguaçu que a morte ocorreu em decorrência do tempo que o feto morto permaneceu dentro do útero. Segundo o Ministério da Saúde, o caso Alyne Pimentel se tornou um símbolo das desigualdades e da luta pelos direitos das mulheres no país.
Em novembro de 2007, a família de Alyne entrou com uma ação judicial no Comitê das Nações Unidas (ONU) para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Cedaw). Depois de quatro anos, a entidade condenou o Brasil por não prestar atendimento adequado, ordenou indenização à família e recomendou políticas para melhorar o atendimento às gestantes no serviço público.
Doze anos após o caso, em 2014, o governo federal reconheceu a responsabilidade do Estado pela morte e indenizou a mãe da vítima pela negligência.
O programa
Anunciado em setembro de 2024, o programa Rede Alyne promete mais recursos e integração da rede pública de saúde, para garantir que as gestantes não precisem se deslocar em busca de atendimento. O novo financiamento inclui custeio mensal para ambulâncias destinadas à transferência de grávidas e recém-nascidos em estado grave. Com base no número de nascidos vivos por macrorregião de saúde, serão destinados R$ 50,5 mil para cada ambulância tipo EUA (Unidade de Apoio Avançado).
Além disso, foi prometida uma distribuição mais equitativa de recursos, buscando reduzir as desigualdades regionais e raciais. Até 2025, o investimento total no programa deverá chegar a R$ 1 bilhão.
Entre as ações do programa está o aumento do financiamento federal para exames de pré-natal, que passa de R$ 55 para R$ 144 por gestante por mês. Além disso, segundo o ministério, o projeto contará com recursos do Novo PAC para a construção de 36 maternidades e 30 Centros de Parto Normal, totalizando R$ 4,85 bilhões em investimentos. Em todo o país, espera-se que 30 milhões de mulheres sejam beneficiadas, especialmente nas regiões com as taxas de mortalidade mais elevadas.
O ministério destaca ainda outro modelo de atendimento às gestantes de alto risco, denominado Método Canguru. “Consiste em colocar o bebê em contato com o corpo dos pais, proporcionando benefícios, como incentivo à amamentação, estabilização térmica e melhoria da comunicação entre a família e a equipe de saúde”.
Incidência
A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) aponta que, todos os dias, cerca de 830 mulheres morrem por complicações relacionadas à gravidez ou ao parto em todo o mundo. Em 2015 foram registadas 303 mil mortes, a maioria absoluta em países de baixo rendimento. Nas zonas rurais e nas comunidades pobres, a mortalidade materna é ainda mais elevada, demonstrando que as condições socioeconómicas influenciam directamente as taxas de mortalidade.
O presidente da Comissão Especializada de Perinatologia da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Conrado Coutinho, explica que as altas taxas de mortalidade materna entre mulheres negras estão relacionadas às desigualdades socioeconômicas e ao racismo estrutural. Estas mulheres residem geralmente em áreas de menor poder económico, com acesso mais limitado aos serviços de saúde. Como consequência, apresentam maiores taxas de internação por complicações relacionadas ao aborto, iniciam o pré-natal mais tardiamente e têm menor vínculo com a maternidade onde irão dar à luz, fatores que contribuem para altas taxas de mortalidade.
“Essas disparidades não podem ser atribuídas à cor da pele, mas sim às diferenças socioeconômicas entre os grupos”, afirmou.
A ginecologista e obstetra Camila Pinheiro acrescenta que a falta de acesso é um dos principais fatores. “As mulheres negras são grande parte da sociedade usuária do Sistema Único de Saúde (SUS), não têm plano de saúde e não conseguem tratamentos adequados. O racismo estrutural é tratar os negros como se não precisassem desse acesso, tornando cada vez mais difícil”, destaca. O médico reforça que é preciso melhorar as condições de saúde, o emprego e as políticas públicas voltadas para a pobreza, para que a saúde seja um bem comum a todos. A mortalidade materna é uma tragédia evitável.
*Estagiários sob supervisão de Michel Medeiros
ra soluções financeiras
blue cartao
empresa de crédito consignado
download picpay
brx br
whatsapp bleu
cartão consignado pan como funciona
simulador crédito consignado
como funciona o cartão consignado pan
ajuda picpay.com