Ontem, a Câmara aprovou o regime de urgência do projeto que quer proibir qualquer aborto — mesmo legal — após as 22 semanas de gestação, e equipara-o a homicídio. O PL 1.904/24 conta com o apoio da Frente Parlamentar Agropecuária, da Frente Parlamentar Evangélica e da “bancada da bala” —três dos grupos mais conservadores do Congresso. A matéria, porém, não tem data para ser votada.
Apesar do protesto de parlamentares de esquerda —que destacaram que a pena máxima para uma mulher vítima de estupro, que decide interromper a gravidez, pode ser maior que a do estuprador —, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP- AL), chegou a mencionar o número do projeto, mas não anunciou debate nem votação. A urgência passou simbolicamente, após acordo entre dirigentes partidários.
“Vossas Excelências querem que a pena da menina vítima de estupro seja maior que a do estuprador por fazer aborto legal. É o que prevê o PL 1.904, que está na pauta da Câmara dos Deputados”, criticou a deputada Fernanda. Melchiona (PSol -LOL).
De autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), um dos líderes da bancada evangélica, o projeto aumenta para até 20 anos a pena máxima para mulher que abortar após 22 semanas de gestação —a pena para o crime de o estupro é limitado a 10 anos. Para tentar impedir que o assunto avance, 20 entidades da sociedade civil lançaram a campanha “Criança não é mãe”. Clara Wardi, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Aconselhamento — um dos grupos que lideram a iniciativa — destaca que “as principais afetadas são as meninas, que são a maioria que recorrem ao aborto legal em gestações superiores a 22 semanas”.
“No Brasil, temos dados alarmantes sobre estupros de meninas nessa faixa etária. É uma população que tem maior dificuldade de identificar a gravidez ou mesmo de comunicá-la aos cuidadores. É dentro das famílias que ocorrem os principais casos de estupro”, lamenta Clara.
Limite
O PL 1.904 insere no Código Penal um limite de 22 semanas mesmo para abortos autorizados por juiz —permitido para mulheres vítimas de estupro com fetos anencefálicos (onde não há formação cerebral) e nos casos em que a gravidez representa risco à vida da mãe. Nestes casos, o aborto legal atualmente não tem limite de tempo.
Com a aprovação do regime de urgência, o PL poderá ser analisado diretamente pelo plenário da Câmara, sem passar pelas comissões temáticas. O texto começou a tramitar depois que lideranças partidárias cobraram de Lira a promessa de que o assunto seria priorizado.
Apesar da oposição dos partidos de esquerda, o Palácio do Planalto decidiu ficar de fora da discussão. Temendo mais uma derrota humilhante no Congresso, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), deixou clara nesta terça-feira a equidistância da discussão. “Esta não é uma questão do governo”, resumiu. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança, em 2023 o Brasil atingiu número recorde de denúncias de estupro, com quase 75 mil vítimas.
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