Que o “B” em LGBTQIA+ não é para “biscoito” ou “Beyoncé”, como brincam postagens na internet, já é de conhecimento geral. Ainda assim, mesmo com maior reconhecimento e informação, as pessoas bissexuais ainda enfrentam apagamentos dentro e fora da comunidade —até mesmo no Dia Internacional do Orgulho LGBT+, comemorado nesta sexta-feira (28/6).
CEO do Centro LGBTQIA+ de Brasília, Julio Cardia destaca que a sociedade ainda encontra resistência em relação às sexualidades que não se enquadram em um modelo binário, que engloba apenas héteros e homossexuais.
“A sociedade quer nos colocar num lugar feminino ou masculino e acaba exigindo que as pessoas ‘escolham um ou outro’”, explica.
Essa imposição social, fator externo, acaba impactando muitas pessoas bissexuais, que convivem, além da LGBTfobia, com incertezas e inseguranças sobre si mesmas. Uma pesquisa realizada pelo instituto Equality Network, na Escócia, mostrou que 66% dos bissexuais sentem pouco ou nenhum pertencimento à comunidade.
Cardia destaca ainda que compreender a própria sexualidade é um processo contínuo e acontece ao longo do tempo de cada pessoa. “Você não precisa se fechar e dizer ‘eu sou isso ou aquilo’ porque a sexualidade é um espectro e aprendemos sobre nós mesmos ao longo da vida.”
Resistência
Um termo comumente usado que pode ser pejorativo é “bipartido”. A expressão designa pessoas bissexuais que supostamente se relacionam mais com um gênero e se envolvem com pessoas do outro em situações específicas, como em festas.
O uso desse termo, porém, impõe certa pressão às pessoas que se entendem como bissexuais para que tenham que se relacionar da mesma forma com ambos os gêneros. Isso anula a própria noção de individualidade dos bissexuais, que podem ter preferências e se relacionar de forma diferente com homens e mulheres sem ter sua sexualidade invalidada por conta disso.
Durante a graduação, a psicóloga infanto-juvenil e atleta paralímpica Thaís Albuquerque, 24 anos, teve experiências amorosas apenas com homens, mas já havia estado algumas vezes com mulheres. Por conta disso, a jovem se autodefinia como heterossexual, mesmo sabendo que se sentia atraída pelo gênero feminino.
Quando ela encontrou sentimentos românticos por outra mulher, ela disse que ficou com medo e resistiu. “Namorar uma mulher foi bater o martelo e entender que tudo era real”, relata.
Quando em um relacionamento, em muitos casos, a bissexualidade do indivíduo é apagada pela sociedade, e ele é visto como hétero, se estiver em um relacionamento com o sexo oposto, ou homossexual, se estiver em um relacionamento com alguém do mesmo gênero . . Esse foi um dos fatores que assustou a jovem.
“Eu sentia que precisava provar minha bissexualidade o tempo todo para não ser entendida como algo que não sou”, destaca. Thaís namora Carina há três anos e diz que ainda lida com comentários do tipo “não sabia que você era lésbica” quando é vista com a namorada.
Ainda assim, o suposto “privilégio bissexual” — outro comentário frequente até mesmo dentro da comunidade — de ter a possibilidade de viver uma relação heteronormativa não isenta essas pessoas dos medos comuns a todos os LGBTs. “Eu tinha medo de sair na rua, de dar a mão, de beijar em público”, conta Thaís.
Processo judicial
No ambiente LGBTQIA+, muitas vezes é necessário lidar com dois processos simultâneos. Além de compreender a si mesmo, trata-se de compreender os outros: o “sair do armário” popular. O ato de revelar a própria sexualidade para familiares ou outras pessoas tornou-se um marco na luta pela aceitação, mas não é regra.
Para Thaís, esse processo foi importante, apesar de ter que lidar com comentários desagradáveis, como o velho “é só uma fase”. “Sempre há medo porque os pais criam expectativas para os filhos”, explica.
Compreender a própria sexualidade, dessa forma, é um processo que encontra obstáculos em coisas que não se pode controlar: as expectativas dos outros. Durante a adolescência, a orientação sexual e a identidade de gênero somam-se a uma série de questionamentos sobre a própria identidade.
“Não que eu não tenha sofrido, mas sinto que passar por isso agora me tornou mais madura para lidar com as coisas”, diz Thaís.
Dentro desse turbilhão de coisas, o que ela e vários indivíduos que compõem o B do LGBT têm feito é entender que as crenças ultrapassadas da sociedade não os tornam mais ou menos bissexuais e muito menos refletem quem eles são. “E quando contei para minha avó, ela me fez duas perguntas: a primeira foi ‘sua mãe já sabe?’ e a segunda foi ‘você está feliz?’”
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